Economia

Por que a esquerda mostra-se incapaz de propor alternativas?

O filósofo esloveno Slavoj Žižek e o economista turco Dani Rodrik, de Harvard, colocam o dedo na ferida

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Chico Buarque não perde a atualidade. Experimentem multiplicar por menos um a letra de “Vai passar” e vejam se o resultado não retrata exatamente a atual situação política do Brasil. Voltamos a “uma página infeliz de nossa história”.

Não, não mudei de ideia. Falaremos das garfadas que se pretende dar nos direitos trabalhistas. Antes, porém, quero comentar a desilusão exposta, nesta CartaCapital, pelo filósofo esloveno Slavoj Žižek, com a incapacidade de uma esquerda fragmentada propor saídas ao capitalismo.

Pode parecer irônico, mas hoje em dia é no lado sério do pensamento conservador que leio os melhores arrazoados sobre a inação da esquerda, num momento em que o capitalismo mostra sinais óbvios de avançada necrose. Nada a ver, porém, com os arremedos de ortodoxia econômica que temos na Federação de Corporações.

Dani Rodrik, professor de economia política internacional, em Harvard, escreveu artigo publicado pelo jornal Valor (18/07), perguntando: “se a globalização acentua a divisão de classes (…) por que a esquerda foi incapaz de articular uma contestação política significativa a ela”?

O mesmo estranhamento de Žižek, pois. E continua: “ainda mais quando se sabe que clivagens de renda e de classe são favoráveis à esquerda contra cisões fundadas em identidades de raça, etnia ou religião, que fortalecem guinadas à direita como acontece agora em Europa, EUA, Brasil, e países da América Latina.

A desregulação dos mercados trazida pela globalização fragilizou as políticas de Estado. Suas instituições se esboroaram e desagregaram as identidades nacionais. Para Rodrik, a culpa por vermos esse trem passar foi dos economistas de esquerda [e presidentes] não pela sua fragmentação, mas sua unidade ao “cederem muito facilmente ao fundamentalismo de mercado e incorporarem seus princípios centrais”.

Fizeram o que pediam a União Europeia com a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e o Fundo Monetário Internacional, destroçando os ditames de Keynes.

No Brasil, foi exatamente isso. De extração esquerdista, os quatro últimos governos eleitos estenderam inúmeras pontes para a direita passar e fazer o que mais sabe, manter o acordo secular de elites.

Para Rodrik, o mundo “ficará aberto para populistas e grupos de extrema-direita que nos levarão – como sempre – a divisões mais profundas e conflitos mais frequentes”.

A garfada que virá
Não que eles não saibam, burros não são. Ou, como os define o jornalista Luís Nassif, “cabeças-de-planilha”. A noção de produtividade do trabalho que se espalha entre economistas-chefes de instituições financeiras e seus patrões, sempre amplificadas em folhas e telas cotidianas regiamente pagas, joga toda a carga negativa sobre os ombros da renda e dos encargos sociais da classe trabalhadora.

Martin Wolf, editor e principal analista econômico do Financial Times, no artigo “Chega de otimismo fácil” (Valor, 13/07), contesta a falácia nacional. Nos países de capitalismo mais avançado isso é entendido em consonância com os avanços tecnológicos e demais fatores, inclusive sociais, sem se ater apenas à remuneração da mão de obra.

Aqui existem economistas, provectos senhores inclusive, que sugerem às empresas multiplicarem por três o salário de funcionários celetistas para precificação de seus custos reais. E ainda riem nos convescotes da Fiesp.

Wolf acompanha Robert Gordon, da Universidade Northwestern, autor de “The Rise and Fall of American Growth”, análise profunda sobre a transformação da vida nos EUA, entre 1870 e 1970, na tese de que “algumas invenções são mais importantes do que outras” para se medir a produtividade do trabalho.

Cita invenções com maior peso relativo: exploração de petróleo, controle da energia elétrica, indústria química, fornecimento de água potável, descarte de esgotos. Reconhece o advento da internet como fator de aumento da produtividade, mas o limita ao período entre 1994 e 2004. É, pois, uma visão que contempla a produtividade total dos fatores.

Justifica o estudo focar os EUA, pois nesse período o país esteve na fronteira mundial de inovação e produtividade, influenciando os aumentos contínuos da produção por pessoa e por hora.

Com tal enfoque, é óbvio que critique a mensuração do crescimento pelo PIB, que não leva em conta os padrões de vida das pessoas. Mesmo nos EUA, “o crescimento assim mensurado está diminuindo porque as invenções escassearam”.

No Brasil, a grita de patos amarelos contra a legislação trabalhista e o sistema previdenciário atuais reflete desejo de aumento de lucros sem contrapartida distributiva. Para tanto, desconsidera nosso atual nível tecnológico e sua possibilidade de avanços. Mais e pior: desconsidera que a migração na composição do PIB para o setor de serviços, principalmente o financeiro, onde é difícil elevar a produtividade, é a grande razão para a desaceleração.

Estão querendo, mais uma vez, nos enganar. Vocês sabem quem.

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