Economia
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A Investfarma não vacilou durante a pandemia e caminha para atingir a marca de 1 bilhão de reais em faturamento


A pandemia pegou no contrapé a rede de farmácias Investfarma, criada em 2018 pelo fundo de private equity Stratus. Diferentemente das grandes concorrentes, suas 94 lojas careciam de uma operação online para atender à clientela confinada por causa da Covid-19. Os investidores viram-se diante do dilema: construir um e-commerce do nada ou se associar a parceiros. “A opção foi fazer uma nova aquisição, o que aconteceu em outubro de 2020, com a compra da Farmadelivery, uma das líderes em vendas online do setor farmacêutico”, conta Sérgio Noia, novo presidente da empresa, também proprietária das bandeiras Poupafarma, Estação e Drogaria Marcelo. “Hoje, 23% do nosso faturamento vem do e-commerce, o que é uma vantagem comparativa, já que, no setor, o máximo que se obtém é 15%, quando o ideal seria uma participação de 25% a 30%.”
Empresas de análises, como a Levante Ideias de Investimento, entendem que, no geral, o setor está atrasado nas iniciativas digitais, particularmente em comparação com outros ramos do varejo, dada a sua grande dependência das lojas físicas e uma estratégia digital “ainda muito incipiente”. Trata-se, no entanto, de um ramo com grande oportunidade, por ser altamente pulverizado, com lideranças regionais e baixos riscos de canibalização, quando considerado um plano de expansão pelo território nacional.
Executivo de larga experiência em grandes varejistas, como Carrefour, Pão de Açúcar, Big e Makro, Noia foi contratado pelo Stratus justamente para integrar as lojas físicas e o comércio eletrônico, consolidar sinergias e traçar uma estratégia de multicanais, capaz de atender os clientes em todos os momentos de consumo, do lazer à emergência de saúde. Isso implica estar presente tanto na vizinhança, caso das lojas físicas, quanto no comércio eletrônico, mas sem perder a identidade local das três bandeiras. A Poupafarma, com 84 lojas, líder na Baixada Santista e presente no interior e na Grande São Paulo, compete com as marcas locais e as grandes redes, notadamente nos segmentos mais populares. A Estação (seis lojas) concentra-se no ABC paulista e a Drogaria Marcelo (quatro lojas) é uma marca premium em Itatiba, no interior paulista.
A integração das três bandeiras com a Farmadelivery não altera os respectivos modelos de negócios. Antes, visa permitir ao cliente a compra em qualquer uma das bandeiras, por qualquer canal, enquanto as lojas físicas fazem o papel de hub de atendimento. Adicionalmente, a possível retirada da mercadoria na loja física pelo comprador pode se transformar em outra oportunidade de incrementar as vendas: no momento em que o consumidor entra na loja, sua exposição ao acervo de produtos e ofertas abre a possibilidade de uma compra adicional.
As vendas online respondem hoje por 23% da receita, acima da média do setor
Para executar esses projetos, os 1,9 mil funcionários das lojas físicas concluíram um processo de treinamento que envolveu três pilares, a começar pelo atendimento proativo, ou seja, o gerente, o farmacêutico e o balconista recebem o cliente na porta da loja. Aprenderam também sobre o marketing de vizinhança, que significa atuar no entorno da loja para fazer da marca uma referência no bairro. Dessa forma, o cliente, quando for à padaria ou ao centro médico e precisar de um medicamento ou uma perfumaria, tem o forte recall das bandeiras da Investfarma. Por fim, a oferta de artigos complementares para aumentar os itens na cesta de compras, seja ao apresentar maior variedade de produtos, seja com descontos, por exemplo, de mais unidades de um medicamento de uso contínuo. Para completar, a introdução da marca da própria Investfarma, a Triviah, com qualidade de produtos líderes, mas de 20% a 30% mais barata, como fazem os supermercados.
Em outra inspiração nas maiores varejistas, a Investfarma trabalha na montagem de um market place para atrair vendedores do ecossistema de saúde, aberto tanto a prestadores de serviços quanto a produtos voltados para o bem-estar, mas que não são medicamentos, perfumaria ou cosméticos. O grupo pretende ainda atender redes de farmácias de regiões em que suas bandeiras não estão presentes, entre elas o Rio de Janeiro. Para tanto, a plataforma original da Farmadelivery tem sido substituída por outra dotada de novas funcionalidades, que agilizam a experiência de compra online. Segundo Noia, a soma das duas estratégias nos diferentes canais visa trazer mais fidelidade da clientela, com um trabalho muito forte de relacionamento com o consumidor de forma individualizada. O sistema, entre outras funcionalidades, alerta o comprador quando o medicamento de uso contínuo comprado na farmácia está prestes a acabar.
Quanto a possíveis aquisições, o executivo admite que o fundo Stratus tem avaliado algumas redes, de 50 a 100 lojas, para integrar o portfólio. “O processo é demorado”, ressalta. Uma eventual abertura de capital vai depender não só da janela de mercado na Bolsa, “um fator determinante”, mas do amadurecimento do projeto de investimento do fundo, o que pode levar até cinco anos. “Estamos no meio do caminho. Vamos esperar ter a estratégia consolidada para fazer o IPO ou algum outro evento de liquidez”, sinaliza Noia, que, sem autorização para revelar o faturamento da Investfarma, só diz que a companhia está “a caminho” de atingir a marca de 1 bilhão de reais por ano, nos próximos 24 ou 36 meses. O presidente da rede prevê um crescimento consistente do setor em razão do envelhecimento da população, da mudança de hábitos operada pela pandemia e da conscientização da manutenção do tratamento com medicação de uso contínuo. Há, porém, um fator determinante: “O que pega mesmo é a concorrência: hoje tem mais farmácia do que padaria”. •
PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1208 DE CARTACAPITAL, EM 18 DE MAIO DE 2022.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Pense rápido”
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