Economia

Paulo Guedes e seus dotes parasitas no mercado financeiro

Nos meios da finança e da academia, o ministro é tomado como exemplo de cidadão habituado a destemperos

Filho de parasitas, educado por parasitas. Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/ABR
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As redes sociais ficaram congestionadas de indignação depois que o ministro Paulo Guedes assestou pontaria contra os “parasitas” do funcionalismo público. Nos meios da finança e da academia, o ministro é tomado como exemplo de cidadão habituado a destemperos discursivos e descarrilamentos temperamentais. O prêmio concedido ao filme sul-coreano Parasitas tampouco só agravou as maledicências dirigidas a Guedes.

Meu WhatsApp foi invadido por um turbilhão de críticas às declarações, umas mal-humoradas, outras nem tanto. Registro uma delas, a que cuidou de expor um currículo resumido do ministro da Economia:

“Paulo Guedes é filho de uma funcionária pública, do Instituto de Resseguros do Brasil, estudou no Colégio Militar de Belo Horizonte (público), graduou-se na Faculdade de Economia da UFMG (pública) e ingressou no Departamento de Economia da Universidade de Chicago com uma bolsa do CNPq (programa público vinculado ao MEC). Foi gerado por uma “parasita” e foi formado por “parasitas”. Também foi professor no Instituto de Matemática Pura e Aplicada do Rio de Janeiro (público). É um completo protozoário”.

 

Não espanta que, ao concluir com mérito e louvor sua longa formação de parasita, Guedes tenha galgado as cumeeiras do parasitismo. Foi praticar seus dotes no ambiente mais propício para a reprodução e desempenho dos conhecidos protozoários: os mercados financeiros.

Quero rejeitar, desde já, qualquer sentido moralista em minhas observações a respeito do parasitismo financeiro. Declaro minha concordância com o multimilionário americano Ray Dalio, que recentemente vergastou as iniquidades da sociedade norte-americana e proclamou a urgência da reforma do capitalismo. Diz ele: “Quando adentramos um clima de demonização de pessoas ou recorremos a estereótipos, como chamar um bilionário de mau… É quase como dizer que uma pessoa é pobre porque é má, assim como judeus e negros. Acho que demonizar uma categoria de pessoas é uma coisa muito ruim”.

Bonzinhos ou mauzinhos, homens e mulheres que circulam nos ambientes acarpetados e refrigerados da finança cumprem suas funções sistêmicas quando se entregam a libações especulativas e arbitragens improváveis no propósito de antecipar o futuro. Cantava o rapper Ice-T, “Não odeie o jogador, odeie o jogo”. É assim que o sistema funciona e assim fomos treinados a fazer.

Pois saiba o caro leitor que esses parasitas estão condenados, por exemplo, ao exercício de adivinhar, hoje, a curva de juro em 2023. Perguntam a si mesmos, devo ficar dado ou tomado em juro, os juros vão cair ou subir? A depender do valor da posição, se o mercado contrariar a aposta do parasita, o prejuízo pode ser considerável. É uma vida de angústias e incertezas, mas também de ganhos inesperados e descolados, se não danosos, para a vida econômica da maioria que começa a ralar às 5 da manhã. Muitos com carteira, a maioria sem lenço nem documento.

No capitalismo realmente existente, o jogo da concorrência nos mercados alavancados obriga os gestores da grana e do risco a buscarem o rendimento acima da média, sob pena de serem desbancados pelo rival da esquina. Ligada a ignição da ganância infecciosa, os tripulantes não podem brecar o comboio da alegria. Por isso, no auge da euforia financeira quase todos os agentes estão numa situação especulativa: se a ciranda para de rodar, a tigrada quebra.

A turma da Faria Lima não pode esquivar-se da culpa pelo apoio a um governo que promove a ignorância e o preconceito

Hyman Minsky procura mostrar que a concorrência entre os possuidores de riqueza afeta as avaliações dos que buscam a maximização do ganho privado. Para ele, as decisões privadas – tomadas em condições de incerteza radical – estão sempre sujeitas à má avaliação do risco e à emergência de comportamentos coletivos de euforia que conduzem à fragilidade financeira e a crises de liquidez e de pagamentos.

O espírito do demônio monetário cochicha nos ouvidos do parasita que os mercados são eficientes e que, portanto, a liquidez está garantida. Se alguém quer vender, tem sempre outro alguém querendo comprar. Imagino que daí possam eclodir episódios de euforia e colapsos “baixistas”.

A história da finança está infestada de episódios de crises de liquidez, sempre deflagradas depois de uma expansão desmesurada do crédito criado pelo sistema bancário. Quando a euforia se converte no medo e na incerteza, os agentes racionais se transformam num tropel de búfalos enfurecidos na busca da “liquidez”, ou seja, na captura do dinheiro em sua determinação essencial de forma geral da riqueza.

Na economia contemporânea, aquela da globalização, das plataformas e da livre circulação de capitais entre países, as mirradas taxas de juro fumegam os vapores que sopram às alturas os preços dos ativos. Nas horas vagas, e nas outras também, as empresas se entregam à bulha da recompra das próprias ações e mandam bala na distribuição de dividendos com a grana que subtraem do investimento, da criação de riqueza nova. Alguns parasitas observam, maravilhados, as plataformas como o Uber apresentarem prejuízos operacionais e uma exuberante valorização das ações. É o melhor dos mundos.

O arranjo econômico do planeta em que vivemos preconiza uma sociedade submissa ao rentismo, refém da estagnação, prisioneira do inchaço da riqueza estéril alimentada pelos fluxos de crédito barato. Imobilizados nos pântanos do parasitismo, os bacanas e os sabichões dos mercados retraem-se diante dos azares da incerteza, avessos aos riscos de construção da nova riqueza.

A recusa à demonização não absolve a turma da Faria Lima de seu apoio a um governo comprometido com a ignorância, o preconceito e a incompetência. Bolsonaro, Weintraub, Damares e Ernesto Araújo são gênios expelidos da lâmpada esfregada pelos mercados financeiros. Os bacanas abastecem esses serviçais com apoio incondicional. Magos do desemprego de longo prazo e do aumento da pobreza, os fâmulos da riqueza estéril e esterilizante comandam o espetáculo ridículo da paralisia do Estado, a despeito do custo de endividamento público abaixo dos calcanhares.

Enquanto entopem de grana suas contas bancárias abastecidas com bônus parrudos, proclamam que não há dinheiro para cuidar dos desempregados e dos desgraçados que morrem desatendidos nos hospitais. Falta dinheiro, sobra capital.

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