Economia

Paulo Guedes: alvo de fogo amigo no governo e de ação por dano moral

Entidades de fiscais pedem à Justiça que ministro, fritado por governistas, pague multa por dizer que a categoria chantageia empresas

Paulo Guedes, ministro da Economia - Foto: World Economic Forum/Ciaran McCrickard
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O auxílio emergencial mensal de 600 reais, pago desde abril a trabalhador informal por causa do coronavírus, ajudou o ibope de Jair Bolsonaro, conforme pesquisas. Será que após a pandemia o presidente vai aproveitar e tirar do papel a promessa de campanha de criar um programa de renda mínima acima do Bolsa Família, para ter mais chances de sobreviver no cargo e tentar a reeleição?

Seria um repasse financeiro a quem não atinge certo nível de renda, o chamado imposto de renda negativo. A ideia inspira-se em um dos pais do neoliberalismo, o falecido economista americano Milton Friedman, que a delineou em um livro nos anos 1960. Neoliberal radical, o ministro da Economia, Paulo Guedes, é fã de Friedman. Foi seu time que esboçou a promessa eleitoral.

Dúvidas à parte sobre o que farão Bolsonaro e Guedes nesse tema, certo é que o “posto Ipiranga” tem sido há algumas semanas alvo de fogo amigo em Brasília. E, agora, é alvo também de uma ação por danos morais, levada à Justiça Federal pelas setes entidades representantes de fiscais de renda federais, estaduais e municipais.

Os autores da ação estão inconformados por Guedes ter chamado a categoria de chantagista, em uma entrevista em 29 de abril. “É horrível para fazer negócio (no Brasil). O imposto é muito alto, a regulamentação excessiva, tem fiscal pedindo… chantageando a companhia para não multar”, disse o ministro.

A ação cita outras afirmações consideradas ofensivas a servidores públicos. Em entrevista em 27 de abril, Guedes defendeu congelar o salário deles por causa da crise econômica: “Não vai ficar em casa, trancado com geladeira cheia, assistindo à crise, enquanto milhões de brasileiros estão perdendo emprego”. Em 2 de fevereiro, em palestra no Rio, tachara os servidores de “parasitas”.

“São declarações reiteradas contra o serviço público. É preconceito ideológico do ministro”, diz Rodrigo Spada, presidente da Federação Brasileira de Associações de Fiscais de Tributos Estaduais (Febrafite), uma das autoras da ação. “Se ele trabalhasse numa empresa privada e falasse essas coisas de um departamento da empresa, levaria processo judicial por assédio moral.”

As entidades pediram à Justiça uma indenização de 200 mil reais a Guedes. Um valor baixo para um milionário, mas o objetivo é pedagógico: constrangê-lo. “O que se busca é uma retratação pública, voluntária ou na Justiça”, afirma Spada.

A declaração que irritou particularmente as entidades dos fiscais, sobre “chantagismo”, foi dada pelo ministro ao comentar a má posição do Brasil em um ranking global do Banco Mundial sobre facilidades para se fazer negócio. O complexo sistema tribuário brasileiro é uma das razões dessa má posição.

“Já temos quase um ano e meio de governo Bolsonaro, e até hoje o ministério da Economia não apresentou uma proposta de reforma tributária”, diz Spada. Pelo contrário: é contra a proposta levada adiante por iniciativa de deputados e senadores, que unifica alguns tributos federais, o ICMS (estadual) e o ISS (municipal) incidentes sobre consumo. A indústria ganha, mas empresários do comércio e do setor de serviços são contra, pois teriam de pagar mais imposto.

“O mercado financeiro é contra também, pois a alíquota única (do imposto unificado) seria maior do que, por exemplo, os 5% de ISS pagos hoje (por bancos) na cidade de São Paulo”, diz Spada. Técnicos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) estimam que a alíquota unificada seria de 26%. “Só que ele (Guedes) está o cargo para atender um setor, o financeiro”, completa Spada.

A má vontade do sistema financeiro com o plano de obras públicas anunciado em 22 de abril, de forma improvisada, por ministros militares é uma das razões de Guedes ser contra o chamado Pró-Brasil. Para o “mercado”, se houver mais gasto público, o juro subirá. O anúncio pegou o “posto Ipiranga” de surpresa. Nem ele esteve presente, nem um  representante seu.

Em uma reunião de ministros com Bolsonaro no dia lançamento do pacote, um ex-auxiliar de Guedes, Rogério Marinho, hoje ministro do Desenvolvimento Regional, afirmou que o governo “não deve ficar preso a dogmas”. A declaração foi vista como uma cutucada em Guedes, um ideológico. Dois dias depois, o ministro da Economia recusou-se a falar com Marinho: “Desleal”.

Entre os dois acontecimentos, o Jornal da Record, um canal governista, havia levado ao ar uma reportagem que apontava um Guedes fraco no governo, devido ao pacote de obras, e sem sensibilidade social. A cúpula da Record tem bom relacionamento com o secretário de Comunicação Social da Presidência, Fabio Wajngarten. Estaria Wajngarten por trás da reportagem?

Para interlocutores de Guedes, o suspeito é outro: Marcos Pereira, vice-presidente da Câmara. O deputado é “bispo” da Igreja Universal, controladora da Record, e do Republicanos, o partido dos evangélicos de Edir Macedo. Foi ministro do Desenvolvimento no governo Temer e teria vontade de ser de novo. A pasta sumiu com a criação do superministério de Guedes e este é um empecilho à recriação.

O Republicanos é também a atual legenda do vereador carioca Carlos Bolsonaro, filho do presidente. Nas negociações de troca de cargos federais por apoio parlamentar com o “centrão”, o ex-capitão recebeu Marcos Pereira no Palácio do Planalto duas semanas antes da reportagem da Record.

Interlocutores de Guedes dizem que ele sofre com fogo amigo no governo. Outro exemplo? Na terça-feira 5, a Folha relatou que “auxiliares de Bolsonaro” defendem a substituição de alguns ministros, entre eles o “posto Ipiranga”. Os militares do Planalto querem aumentar o gasto público, como forma de estimular o PIB depois da pandemia, vide o pacote Pró-Brasil.

Guedes e equipe acham o contrário: que o governo deve segurar dinheiro e incentivar investimentos privados. Também acham que a crise do coronavírus pode ser uma oportunidade de propor coisas novas e de tirar do papel certas ideias. Será que vem aí a renda básica permanente, promessa eleitoral bolsonarista inspirada em um ídolo do “posto Ipiranga”?

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