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Para boi dormir

Bolsonaro antecipa a lista dos argumentos fake para o segundo turno

A dupla contesta até a existência de famintos no Brasil. - Imagem: Antonio Cruz/ABR
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Logo após a definição da disputa presidencial no primeiro turno, Jair Bolsonaro deu a senha dos argumentos fake que orientarão a sua campanha na próxima fase. Primeiro, tentará convencer os brasileiros de que a economia está melhorando. “Reconhecemos que o poder aquisitivo das famílias caiu, mas a economia está recuperando bem”, disse. A verdade? Com a continuidade do atual governo, o crescimento do PIB brasileiro tende a ser medíocre em 2023, de apenas 0,6%, segundo estimativa da ONU.

O ex-capitão buscará, ainda, mostrar o “sucesso” da economia brasileira em uma conjuntura internacional adversa. “O Brasil, levando-se em conta grande maioria dos demais países no mundo, é o que melhor se saiu.” Um relatório da ONU revela, porém, que o PIB de 2021 ficou 0,5% acima do quarto trimestre de 2019, mas continuava 2,8% abaixo do ponto mais alto da atividade econômica, alcançado no primeiro trimestre de 2014. No ano passado, por sinal, a economia brasileira cresceu abaixo da média mundial. Em um ranking de 29 países, ocupava a longínqua 18ª posição.

Não é tudo. Estudos realizados pelo economista Sérgio Gobetti, com base em dados do Fundo Monetário Internacional, indicam que o crescimento médio anual da economia brasileira, nos quatro anos do governo Bolsonaro, deve ficar em 1,16%, muito abaixo da média mundial, projetada em 1,95%. Considerando uma amostra de 50 economias no período 2019-2021, o Brasil está na 32ª posição, em relação ao crescimento econômico.

A campanha bolsonarista seguirá exaltando a redução da taxa de inflação. “Estamos no terceiro mês com deflação”, disse o ex-capitão. É verdade, mas em setembro deste ano o Brasil ocupava o oitavo lugar no ranking de países com maior inflação. Detinha ainda a sexta maior taxa básica de juros.

O candidato da extrema-direita também muito falará de uma suposta “queda” dos preços dos produtos da cesta básica. Em agosto de 2022, a inflação do grupo de alimentação e bebidas aproximou-se de 15% no acumulado de 12 meses. As maiores variações no acumulado no período vieram de mamão (99,39%), melancia (81,6%), cebola (75,15%), morango (73,86%), batata-inglesa (66,82%) e leite longa vida (66,46%).

Além disso, estudos do Dieese mostram que, de julho de 2021 a julho de 2022, o valor da cesta aumentou em todas as capitais, com variações que oscilaram entre 11,07%, em Aracaju, e 26,46%, no Recife. Hoje, o custo da cesta básica representava, em média, quase 60% do salário mínimo.

A campanha de Bolsonaro baterá na tecla da redução do preço dos combustíveis, como se fosse decorrente da redução de tributos. “No tocante aos impostos federais, nós zeramos”, tem repetido o ex-capitão. Não faz, porém, qualquer menção à queda do câmbio e ao fato de que, entre maio e setembro de 2022, o preço do barril de petróleo no mercado internacional caiu de 115 para 85 dólares.

O candidato da extrema-direita seguirá no esforço de associar a crise econômica às medidas de prevenção adotadas no auge da pandemia, desdenhosamente apelidada como a política do “fique em casa, a economia a gente vê depois”. Como se sabe, medidas de isolamento social foram preconizadas pela Organização Mundial da Saúde como sendo a “melhor alternativa para conter a propagação do vírus”, num momento em que não havia vacinas e pouco se sabia sobre a ­Covid-19. Nesse caso, é preciso perguntar ao negacionista quantas mil mortes a mais ele tentaria fingir que não houve, além das 686 mil registradas até o momento.

A despeito do pífio crescimento da economia em quatro anos, o capitão descreve um cenário deslumbrante

Ficou evidente, ainda, que os bolsonaristas carregarão na gritaria contra o suposto “risco de o Brasil se tornar um ­país comunista” com a vitória de Lula. É desatino que nem merece considerações de quem conheça a trajetória política e, sobretudo, os governos do ex-presidente.

Bolsonaro também não se acanha de associar a vitória do PT à volta do expediente de “emprestar recursos para ditaduras mundo afora”. Espantoso é que o presidente do Brasil não saiba que os bancos de fomento, a exemplo do BNDES, têm por objetivo manifesto fomentar a exportação e a importação de produtos nacionais e auxiliar as empresas nativas a terem vantagens na contratação de projetos e investimentos no exterior.

Nosso aspirante a déspota diz detectar “uma vontade de mudar por parte da população”. Assim sendo, seria preciso mostrar “que a mudança que porventura estão buscando vai ser para pior”, como teria acontecido nos países da América Latina que “mudaram para a esquerda”. Citando a “turma do Foro de São Paulo”, Bolsonaro menciona os casos de Venezuela, Argentina, Colômbia, Chile e Nicarágua. “Essa é a preocupação, onde a primeira vítima é a liberdade de um povo.”

É horrendo o esforço para insuflar uma guerra cultural e ideológica alucinada. A tudo falta fundamento, falta racionalidade e falta senso do ridículo. A argumentação despropositada ignora a especificidade histórica e conjuntural de cada país.

Finalmente, a campanha destacará questões tradicionais da pauta cultural e ideológica da extrema-direita, como uma “liberdade de culto” que faltaria no Brasil. Tenta não enxergar que o Brasil é um Estado Laico, como consagrado na Constituição Federal. Além disso, foi Lula quem criou a Lei de Liberdade Religiosa, o Dia do Evangélico e a Lei da Marcha com Jesus. Também lança “reivindicações” de respeito à família – ao que parece, preocupa-se mais com a dele do que com a dos outros –, ao direito à legítima defesa (só para ele e os seus) e contra uma tal “legalização de certas coisas que os pais não desejam para seus filhos”. Ataca como cão raivoso o retorno do MST, o financiamento dos sindicatos e a demarcação das reservas indígenas, o que, para ele, “acabaria com o agronegócio”, vulnerabilizaria a “nossa segurança alimentar” e fragilizaria a balança comercial.

A senha está dada. Cabe ao campo democrático e progressista demolir, com fatos e dados, essas e outras asneiras, algumas delas risíveis, como a criação do Pix, apresentada como obra “revolucionária” do seu governo. •


*Professor colaborador do Instituto de Economia da Unicamp.

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1229 DE CARTACAPITAL, EM 12 DE OUTUBRO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Para boi dormir “

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