Economia

cadastre-se e leia

Papel decisivo

A Petrobras tem todas as condições de liderar a transição energética do País, garante Mauricio Tolmasquim

Imagem: Cenpes/Agência Petrobras
Apoie Siga-nos no

Primeiro diretor de Transição Energética da Petrobras, Mauricio Tolmasquim acredita que a estatal petrolífera tem condições de liderar esse processo no País, aumentar as parcerias locais, ampliar as encomendas ao parque produtivo doméstico e manter sua tradição de grandes inovações tecnológicas. Ex-presidente da Empresa de Pesquisa Energética e professor aposentado da pós-graduação em Engenharia da ­Coppe/UFRJ, Tolmasquim apresenta, na entrevista a seguir, as principais diretrizes da empresa, antes da definição do plano estratégico para o período de 2024 a 2028.

CartaCapital: Qual é a relação entre as estratégias de transição energética da Petrobras e do Brasil?

Mauricio Tolmasquim: A Petrobras é a maior empresa brasileira, faz investimentos muito expressivos e, por conta disso, tem todas as condições de liderar a transição energética no Brasil. É a maior consumidora e também a maior produtora de hidrogênio gerado de fontes fósseis do País, uma forte candidata a alavancar o desenvolvimento dessa área.

CC: Qual é o estágio da transição energética na Petrobras, em comparação com grandes petroleiras mundiais?

MT: No que diz respeito à descarbonização das suas atividades, a Petrobras está avançada em relação a empresas de outros países. Onde está atrasada é na parte de descarbonização do seu portfólio, que consiste em introduzir novos produtos com menos conteúdo de carbono.

‘A estatal conseguiu capturar 10 bilhões de toneladas de gás carbônico em 2022, o equivalente a 25% do volume mundial’, diz diretor da estatal

CC: Em que ritmo será a mudança?

MT: Depende muito da regulamentação. A eólica offshore, por exemplo, tem um Projeto de Lei no Congresso e só poderemos começar a investir quando ele for aprovado. O mar é uma área da União, que tem de conceder ao investidor o direito de explorar. Da mesma forma, a captura e armazenamento de carbono a União tem de conceder. A Petrobras tem atuado nos locais de exploração já concedidos e queremos caminhar para outras áreas, fora dos nossos campos de petróleo, mas, para isso, tem de haver uma concessão. Também na área de hidrogênio, o marco regulatório estabelece o critério para o hidrogênio ser considerado verde. Ou para um investimento ser considerado de baixo carbono.

CC: Quais são os principais riscos da transição energética da empresa?

MT: O primeiro deles é o risco regulatório. A transição energética depende de legislações, regulamentações e metas governamentais para a redução da emissão de carbono. A velocidade do processo depende daquilo que for regulamentado. Há também o risco tecnológico. Serão adotadas tecnologias novas, por exemplo, na área de hidrogênio, e dependemos da viabilidade econômica dessas tecnologias e de que elas tenham a eficiência esperada. Outro risco é o de reputação, é fundamental que aquilo que for definido seja realmente realizado no prazo estipulado. Existe ainda o risco financeiro. A transição energética precisa de investimentos significativos em novas tecnologias, infraestrutura, com retorno para a empresa sem abalar a sua saúde financeira. Por fim, há o risco de demanda, porque se apostará em algumas áreas e produtos novos, como hidrogênio verde, eólica offshore, biocombustível e diesel renovável, e é preciso ter um grau de certeza de que haverá procura, pelo preço em que serão produzidos. Se o diesel renovável da Petrobras, o Diesel R, com 5% de óleo vegetal, destinado ao transporte rodoviário, não entrar na lei do Combustível do Futuro, cria-se um problema de falta de demanda para o produto e um risco para a empresa, porque houve investimentos em um novo processo de refino.

Economia. O ritmo das mudanças dependerá dos marcos regulatórios aprovados, avalia Tolmasquim – Imagem: Francisco de Souza/Agência Petrobras

CC: O petróleo demorou décadas para aumentar de 5% para 50% a sua participação no mix de combustíveis utilizados no mundo. A mesma demora deverá se repetir na transição energética atual?

MT: É diferente. No caso do petróleo, a mudança foi devida a questões econômicas, tecnológicas e de facilidade de utilização, que o tornaram mais competitivo. Agora, não é só uma questão econômica, mas de políticas, em nível mundial, para fomentar a transição. Há países proibindo, a partir de um certo ano, a venda de veí­culos movidos a combustível carburante. Nos EUA, o Inflation Reduction Act dá incentivo de 7 mil dólares para quem compra carro elétrico, o que torna essa opção competitiva. Hoje 45% da demanda de petróleo está relacionada ao setor automotivo e tornar o carro elétrico competitivo tem um impacto enorme. Ocorreu também uma grande queda dos preços das energias eólica e solar, que tornou competitiva a eletricidade dessas fontes. A capacidade instalada disparou. Entre 2015 e 2022, a geração de energia fotovoltaica aumentou mais de 400%. A produção de carros elétricos cresceu 2.000% nesse período. A velocidade de transição para as energias renováveis não vai demorar tanto.

CC: As parcerias para investimentos incluirão as empresas locais, inclusive no desenvolvimento de tecnologia?

MT: A Petrobras tem um histórico de enorme contribuição para a economia nacional. No ano passado, recolheu quase 150 bilhões de reais em tributos, e apenas neste primeiro semestre, foram 120 bilhões. É a força motriz da cadeia de energia nacional e catalisadora do setor de equipamentos, dada a exigência de conteúdo local. No novo governo, mostra uma preocupação grande com os fornecedores locais e isso vai ocorrer também na transição energética. Ao entrar nessa área, a Petrobras ajuda a fomentar a indústria nacional, a promover a geração de empregos e a desenvolver tecnologias por meio de parcerias com empresas nacionais, startups e fornecedores locais, que ajudam a desenvolver soluções locais. A companhia também mantém um programa de pesquisa e desenvolvimento que alavanca programas de pesquisa em universidades brasileiras, instituições de pesquisa e empresas nacionais.

Exemplo. A Refinaria Riograndense opera 100% com óleo vegetal e produz náilon e PVC – Imagem: RPR/Agência Petrobras

CC: Em quais tecnologias de descarbonização o Brasil pode desempenhar um papel de liderança, como ocorreu na exploração em águas ultraprofundas?

MT: A Petrobras tem condição de ser a empresa que vai tornar viáveis algumas das tecnologias que hoje estão na ponta, como as de biocombustíveis, de hidrogênio verde, a partir de fontes renováveis, de hidrogênio azul, a partir de fósseis, mas capturando e armazenando o hidrogênio, e de captura e armazenamento de carbono.

CC: Quais são as prioridades da Petrobras na transição energética?

MT: As prioridades são biocombustíveis, diesel renovável para a área rodoviária, produção de combustíveis avançados para aviação, com 100% de uso de óleo vegetal. Está em teste um navio afretado com 24% de biodiesel com muitos bons resultados. Destaque-se também a produção de substitutos para petroquímicos utilizados na produção de borracha sintética, náilon e PVC. A nossa Refinaria Riograndense está operando 100% com óleo vegetal e produzindo náilon, PVC e borracha ­sintética. Por fim, as prioridades incluem a energia eólica, onshore e offshore, energia solar onshore, hidrogênio e captura e armazenamento de carbono. A Petrobras capturou 10 bilhões de toneladas de gás carbônico em 2022, o equivalente a 25% de tudo que tinha sido capturado no mundo.

CC: Como a Petrobras conseguiu atingir um quarto da captura mundial?

MT: O petróleo do pré-sal tem um conteúdo de gás carbônico muito alto e isso, do ponto de vista ambiental, inviabilizaria a produção petrolífera. O Cenpes desenvolveu um mecanismo para separar o gás carbônico do gás natural e injetar no reservatório de petróleo. Fica capturado lá. Teve outra vantagem, porque se descobriu que, ao injetar o gás contendo gás carbônico e um pouco de água, se consegue extrair mais petróleo do reservatório.

“Na geração offshore, os ventos são mais fortes e constantes. Isso permite uma produção de energia elétrica mais estável”

CC: Qual é o motivo de se fazerem investimentos em eólicas offshore, quando o custo dessa modalidade é três vezes superior ao das eólicas onshore?

MT: Na geração offshore, os ventos são mais fortes e constantes, e isso permite uma produção de energia mais estável. Além disso, a Petrobras tem tradição de atividades no mar e há sinergia em logística, know-how e capacidade humana, o que leva todas as grandes petroleiras do mundo que atuam na área onshore para a eólica offshore. Finalmente, o mecanismo para tornar os geradores mais eficientes implica utilizar torres mais altas e com pás e demais componentes maiores, e em terra já se atingiu o limite, que é de 7 gigawatt (GW). As estradas não permitem transportar pás muito grandes. Na China, já há geradores offshore de 14 GW.

CC: Há perspectiva de aumento do investimento em gás? Vaca Muerta, na Argentina, é uma boa oportunidade?

MT: Vaca Muerta é uma das maiores reservas de gás de xisto do mundo, oferecendo um potencial significativo para a produção de gás natural. Vários investidores têm demonstrado interesse, devido à sua extensão e ao potencial de produção. •

Publicado na edição n° 1286 de CartaCapital, em 22 de novembro de 2023.

Leia essa matéria gratuitamente

Tenha acesso a conteúdos exclusivos, faça parte da newsletter gratuita de CartaCapital, salve suas matérias e artigos favoritos para ler quando quiser e leia esta matéria na integra. Cadastre-se!

ENTENDA MAIS SOBRE: , , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Os Brasis divididos pelo bolsonarismo vivem, pensam e se informam em universos paralelos. A vitória de Lula nos dá, finalmente, perspectivas de retomada da vida em um país minimamente normal. Essa reconstrução, porém, será difícil e demorada. E seu apoio, leitor, é ainda mais fundamental.

Portanto, se você é daqueles brasileiros que ainda valorizam e acreditam no bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando. Contribua com o quanto puder.

Quero apoiar

Leia também

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo