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Os novos dentes do Leão

A isenção de Imposto de Renda para quem ganha até 5 mil reais exige a compensação em outras modalidades

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Imagem: iStockphoto
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Demanda antiga da sociedade, sempre adiada a pretexto de evitar rombo nas contas públicas, a promessa de campanha de Lula de corrigir pela inflação a tabela do Imposto de Renda de modo a isentar quem ganha até 5 mil reais por mês é viável, se forem corrigidas distorções do sistema tributário que beneficiam os superricos à custa da taxação dos mais pobres, dizem especialistas. “De 2007 a 2018, quase 5 milhões de brasileiros foram incorporados ao grupo obrigado a declarar. Isso se deu não pelo aumento de renda, mas porque a tabela não foi corrigida como deveria”, afirma o presidente do Instituto de Justiça Fiscal, o auditor fiscal da Receita Federal Dão Real Pereira dos Santos. Mais de 15 milhões entrariam nessa faixa salarial de isenção caso a tabela salarial tivesse sido atualizada, acrescenta. No alto da pirâmide, os contribuintes com renda acima de 30 salários mínimos deixaram de pagar mais de 650 bilhões de reais em tributos por conta da regressividade das alíquotas do Imposto de Renda das pessoas físicas sobre os ganhos das altas rendas, mostram os levantamentos feitos pelo IJF.

“Não há correção efetiva da tabela do IR desde 2015, houve apenas reajustes estritamente parciais desde 1996, de forma que a referida tabela está defasada em, aproximadamente, 145% até setembro. Desse modo, a faixa de isenção deveria ser de, aproximadamente, 4,8 mil reais em 2023.

Nesse sentido, a isenção na faixa de até 5 mil apresenta-se razoável e justificável”, descreve o advogado especializado em tributos Gabriel de Britto Silva, do escritório RBLR Advogados e diretor-jurídico do Instituto Brasileiro de Cidadania. Silva estima que, em contrapartida, a arrecadação será afetada de cerca de 190 bilhões de reais, que pode ser compensada por uma série de medidas que elevem a tributação dos mais ricos, do reescalonamento das alíquotas em faixas de renda acima de 5 mil reais, ao aumento do IR nas operações de um dia (day trade) na Bolsa de Valores, inclusive as efetuadas por fundos de investimento em ações. Hoje, quem ganha entre 1.903,98 e 4.664,68 reais paga de 7,5% a 22,5%. Acima de 4.664,68 reais, o porcentual é de 27,5%. EUA, Alemanha, Portugal e Argentina, entre outros, adotam alíquotas que chegam a 48%. Santos propõe a criação de uma nova tabela, com seis alíquotas: 15%, 20%, 30%, 35%, 40% e 45%. Essa nova tabela não aumentaria a arrecadação, mas evitaria que os rendimentos muito altos se apropriassem da isenção de até 5 mil reais. Sem uma reestruturação, um contribuinte que ganha, por exemplo, 15 mil reais, com a isenção de 5 mil, pagaria imposto sobre 10 mil.

Necessária, mas não suficiente, a reestruturação da tabela tem de ser acompanhada pela revogação das duas formas de desoneração de rendas provenientes de lucros e dividendos recebidos pelos sócios e acionistas: a isenção, pura e simples, e a dedução de juros sobre o capital próprio – benefícios fiscais concentrados nos contribuintes mais ricos que retiraram 513 bilhões de reais da base de cálculo do IR. Os dois especialistas ressaltam ser o Brasil um dos únicos no mundo que não tributam lucros e dividendos. “A título de exemplo, dentre os países da OCDE, organização que o Brasil pretende integrar, a alíquota média sobre a pessoa física recebedora dos lucros e dividendos é de, aproximadamente, 43%. Só uma tributação de lucros e dividendos acima de 400 mil ­reais geraria uma arrecadação de 52 bilhões. Dessa forma, há margem para diálogo e de incremento de arrecadação”, afirma Silva.

Uma alternativa seria aumentar as alíquotas. Hoje, a mais alta é de 27,5%

O diretor-jurídico do Ibraci defende, ainda, a limitação do Simples para sociedades empresariais que faturam até 1,2 milhão de reais, em substituição ao faturamento de até 4,8 milhões por ano hoje vigente, de modo a gerar um aumento de arrecadação de 40 bilhões de reais, além do aumento dos atuais 15% para 27,5% da alíquota do investidor em Bolsa de Valores que compra e vende ações no mesmo dia, o chamado day trade, desestimulando a especulação, e da extensão dessa tributação específica também aos fundos de investimento em ações, que hoje nada pagam nessas operações. Britto inclui o combate à chamada “pejotização”, isto é, assalariados transformados em microempresas, como forma de evasão fiscal, por meio de uma atuação conjunta do Ministério Público do Trabalho, do Ministério Público Federal e da Receita Federal, mas discorda da tributação de grandes fortunas, pois “todos os países que a adotaram enfrentaram fugas de recursos”.

Santos, por sua vez, defende a criação da Contribuição sobre Altas Rendas das Pessoas Físicas (CSAR) para quem ganha mais de 720 mil reais anuais, o que representa apenas 59 mil CPFs, e a instituição do Imposto Sobre Grandes Fortunas das pessoas físicas, que incidiria apenas sobre as riquezas que ultrapassarem 10 milhões de reais (quem tem patrimônio de 12 milhões de reais pagaria o IGF sobre 2 milhões). Na mesma linha, o IJF inclui a elevação das alíquotas sobre heranças e doações para até 30%, com progressividade obrigatória, pois heranças e doações são muito pouco tributadas no Brasil, alimentando a concentração de riqueza. Outras medidas defendidas pelo instituto para corrigir distorções do sistema tributário nacional incluem a elevação da alíquota da Contribuição Social Sobre Lucro Líquido do setor financeiro e do setor extrativo mineral, que tiveram aumento de lucros mesmo em tempos de crise econômica e de pandemia, além da revisão de isenções, combate à sonegação e elisão, desoneração de empresas do Simples e aumento do repasse a estados e municípios.

“Tributar mais quem ganha menos são escolhas dos governos. Podemos ter um sistema tributário muito mais justo e eficaz para ter mais igualdade do sistema econômico e social. No mesmo sentido, a correção da tabela do IR elevará a renda disponível de amplos segmentos de trabalhadores e implicará uma injeção substancial de recursos para o consumo, ampliando e fomentando a atividade econômica”, conclui o dirigente do IJF. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1234 DE CARTACAPITAL, EM 16 DE NOVEMBRO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Os novos dentes do Leão “

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