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Óleo queimado

Prates insiste na Margem Equatorial, mas o foco na exportação de óleo bruto e os investimentos minguados preocupam

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Dúvida. A quem realmente interessa explorar as bacias do bioma amazônico? – Imagem: Nasa/Johnson e Alessandro Dantas/PT no Senado
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“Ou vamos para a Margem Equatorial ou voltamos a importar combustível.” A afirmação do presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, feita em um seminário do Grupo Esfera, na segunda-feira 22, é, no mínimo, um exagero, mas pode ser algo mais grave, talvez uma defesa velada de interesses dos acionistas privados nacionais e estrangeiros, opinam especialistas em indústria petrolífera. A empresa contesta essa hipótese e considera essencial a exploração nessa região, porque a curva de produção atual começou a declinar e é preciso assegurar a continuidade do suprimento. Há, no entanto, uma abundância de outras possibilidades de extração de petróleo em áreas da Petrobras, argumentam geólogos.

A Margem Equatorial é a mais nova fronteira de exploração de petróleo do ­País, localizada no oceano entre os estados do Amapá e do Rio Grande do Norte. O projeto de sondagens do local pela Petrobras foi barrado pelo Ibama, por insuficiência de definições que assegurassem a proteção ambiental em área considerada crítica. A estatal encaminhou novo pedido de autorização, mas o órgão ambiental ainda não concluiu a sua análise. A defesa da exploração petrolífera no local virou uma batalha que alinha, de um lado, o Ministério do Meio Ambiente e, do outro, Prates, o ministro das Minas Energia, Alexandre Silveira, e o próprio presidente Lula. Esse último tenta se equilibrar entre essa posição e a defesa que faz da preservação do meio ambiente e da transição energética para fontes renováveis. Caso o Ibama vete a exploração na Margem Equatorial, o presidente afirmou que apoiará a decisão. O caso torna-se ainda mais polêmico quando se considera a insuficiência flagrante dos investimentos da Petrobras na transição energética para fontes renováveis.

A Margem Equatorial é o destino de investimentos de 3,1 bilhões de dólares em exploração, de acordo com o plano estratégico da Petrobras para o período de 2024 a 2028. Outros 3,1 bilhões serão destinados às bacias do Sudeste e 1,3 bilhão para a exploração no exterior. “Não sou contra a exploração da Margem Equatorial, ao contrário, quero muito que isso aconteça. Mas quero que falem a verdade. E a verdade é que a Petrobras, de um tempo para cá, e com essa estrutura de capital social, só quer pegar o filé do petróleo”, chama atenção o engenheiro aposentado da Petrobras Paulo César Ribeiro Lima, Ph.D. em Engenharia Mecânica pela Cranfield University, ex-consultor legislativo do Senado e da Câmara dos Deputados.

Metade do petróleo do pré-sal sai do País em estado natural. O refino é feito lá fora, por multinacionais

Filé, detalha Lima, é onde se produz muito petróleo, exporta, e paga pouco para o governo. A Petrobras já abocanhou o filé do pré-sal, que são as áreas da cessão onerosa, e a concessão do campo de Tupi. Está, portanto, no filé do pré-sal, onde produz muitíssimo, gera um fluxo de caixa livre enorme. Paga dividendos elevadíssimos, porque tem dinheiro para isso, e o povo e o Brasil que se lasquem, dispara o especialista.

Talvez a Margem Equatorial seja um novo filé, ainda não se sabe, mas lá a exploração, se for confirmada sua viabilidade, será no regime de concessão, que não paga nada ao Estado brasileiro, só os royalties para os estados e municípios. A empresa vai retirar esse petróleo da Margem Equatorial e exportar, como ela faz hoje no pré-sal, acrescenta Lima.

“O que Prates está dizendo é para dar ênfase ao rumo que ele quer tomar estrategicamente, que é a exploração na foz do Amapá, mas eu acho que a Petrobras tem excelentes perspectivas em outras áreas”, chama atenção o geólogo Luciano Seixas Chagas, aposentado da estatal, consultor e sócio-fundador da ­Quartzo ­Consultoria em Exploração de Petróleo. Ele aponta “possibilidades gigantescas de óleo novo” na Bacia de ­Pelotas, na Região Sul, e na Margem Leste, além da Margem ­Equatorial, cuja exploração defende. Em Alagoas, prossegue Chagas, há outra fronteira muito promissora em águas profundas, ao sul, nas adjacências do campo 1ALS3 (Alagoas Submarino Três). Também há muita indicação de petróleo na bacia de Jacuípe, adjacente à Bahia. ­Jequitinhonha tem um potencial imenso, Espírito Santo tem enormes possibilidades e a Petrobras já iniciou perfurações na região. O bloco de Aram, na Bacia de Santos, não desenvolvido ainda, e a área Alto de Cabo Frio, na Bacia de Campos, com uma descoberta promissora, também têm perspectivas animadoras.

Indústria naval. Dos 48 estaleiros nacionais, 15 estão desativados ou sem demanda – Imagem: iStockphoto

O geólogo ressalta as possibilidades dos 29 blocos que a Petrobras adquiriu na Bacia de Pelotas, que considera com perspectivas muito positivas, semelhantes à da Bacia de Orange, na Namíbia, “a fronteira nova de petróleo no mundo”, sobre a qual elabora estudos encomendados por uma companhia do setor. Para Chagas, a fala de Prates configura “um exagero preocupante”. O que falta na Petrobras, sublinha o especialista, é geólogo e geofísico na direção. “Não há figuras ousadas como o geó­logo Guilherme Estrella, que, na condição de diretor de Exploração e Produção, teve a coragem de bancar tecnicamente, no segundo governo Lula, os grandes investimentos que resultaram na descoberta do pré-sal.” Os governos Temer e Bolsonaro, prossegue, só cuidaram de dilapidar. Acabaram com o resto da ­Petrobras para priorizar o pré-sal, o que é compreensível numa empresa privada, mas uma estatal tem outro compromisso. Aí entra também o problema de FHC, de lançar a ação da companhia na Bolsa de Nova York, gerando incontáveis contenciosos.

Para Felipe Coutinho, engenheiro de Processamento da Petrobras e presidente da Associação dos Engenheiros da companhia, a fala de Prates sobre o suposto risco de não se explorar a Margem Equatorial “não tem pé nem cabeça, não faz sentido”. Segundo Coutinho, Prates está tentando justificar algo defensável, que é procurar petróleo nessa nova fronteira geológica, mas estabelecer uma relação de causa e efeito, de que, se não encontrar petróleo ali, o Brasil vai ter de importar combustível, isso não existe. Para não importar combustível, acrescenta o engenheiro, é preciso ampliar a capacidade de refino. É isso que tem de ser feito.

“O absurdo que tem acontecido na exploração de petróleo é a exportação de mais da metade do que é produzido no Brasil. E essa exportação é feita, na maior parte, por multinacionais, principalmente pela Shell e outras companhias estrangeiras, privadas ou estatais”, ressalta Coutinho. Quando um país tem um recurso natural, prossegue, e passa a explorá-lo numa velocidade desproporcional àquela que poderia consumir, está entrando em um ciclo do tipo colonial.

Para não ter que importar combustível, é preciso voltar a investir nas refinarias

Nenhum país populoso, continental, como é o caso do Brasil, se desenvolveu exportando minério de ferro, petróleo cru e outras matérias-primas. O modelo está errado, o País deveria proibir a exportação de petróleo cru ou taxar severamente. Em vez do que faz hoje, deveria produzir petróleo na medida da sua necessidade e agregar valor ao produto com combustível, petroquímica, fertilizante e tudo mais. E aumentar muito o nosso consumo per capita, que ainda é baixo, em quatro ou cinco vezes. Esse é o caminho para o desenvolvimento.

“O problema está na essência do tipo de capitalismo produtor e exportador de matérias-primas”, concorda Lima. A preocupação, ressalta o geólogo, deveria ser assegurar as reservas estratégicas, mas estão exportando a metade da produção do ­pré-sal, sem refinar. Se existe preocupação com a autossuficiência de derivados, deveriam destinar parte do que a Petrobras exporta e refinar no Comperj e terminar o Trem 2 da Refinaria Abreu e Lima, mas isso não é prioridade. A prioridade é manter o modelo exportador de matérias-primas.

Parte dos investimentos do plano estratégico da Petrobras para o período de 2024 a 2028 será destinada à encomenda de embarcações e deverá contribuir para a reativação da indústria naval, desmantelada desde 2016. Dos 48 estaleiros nacionais, 15 estão desativados ou sem demanda, segundo o Instituto Brasileiro do Petróleo. A promessa de estímulos feita por Lula e o anúncio da petroleira reanimaram o setor. Segundo cláusulas em editais recentes de contratação da Petrobras, o porcentual mínimo de conteúdos nacionais para o processo de renovação da frota é de 40%. •

Publicado na edição n° 1308 de CartaCapital, em 01 de maio de 2024.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Óleo queimado’

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