Economia

O que o mundo aprendeu com a crise financeira global?

Dez anos atrás despontavam os primeiros sintomas de um colapso avassalador nas finanças mundiais, que ainda não acabou

Placa da fachada do Lehman Brothers em exibição na casa de leilões Christie's, em Londres, em 2010. A história ainda não acabou
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Por Andreas Becker

Olhando para trás, tudo parece sempre tão claro: quando em 2007, primeiro em abril, a New Century Financial, uma das maiores empresas do setor imobiliário, faliu, e em junho dois fundos hedge do banco de investimentos Bear Stearns apresentaram problemas, o assunto só interessou aos especialistas do setor.

Entretanto, no fim de julho a crise do subprime – os negócios com créditos imobiliários de alto risco – já chegara à Alemanha: o banco IKB, de Düsseldorf, especulou mal, tendo que ser salvo com dinheiro dos contribuintes e garantias estatais.

Axel Weber, então presidente do Bundesbank e hoje chefe do conselho de administração do suíço UBS, considera que “esse foi o começo da crise para a Alemanha; diversas iniciativas de resgate se seguiram”.

Quando, então, em setembro do ano seguinte, o banco de investimentos Lehman Brothers declarou falência, parecia que ele ia arrastar todo o mundo das finanças junto para o precipício.

O Parlamento alemão respondeu com “a lei mais rapidamente aprovada de todos os tempos”: a lei para estabilização do mercado financeiro. Weber lembra que ela envolvia “480 bilhões de euros no total: 400 bilhões em garantias e cerca de 80 bilhões como injeções de capital para os bancos”.

Falsa estabilidade?

Dez anos depois, o mundo ainda não se recuperou dos efeitos da crise financeira. Mas será que pelo menos aprendeu com o desastre? – foi a questão central de um evento recente da Frankfurt School of Finance.

“À primeira vista, temos hoje uma situação mais estável no setor financeiro”, avalia Herbert Hans Grüntker, presidente do banco estadual Helaba e da Federação dos Bancos Públicos da Alemanha (VÖB). “Se ela também parece mais estável à segunda e terceira vista, é duvidoso, como mostra uma olhada nos países do sul, nas últimas semanas.”

No fim de junho, o governo da Itália anunciou que liquidaria o Veneto Banca e o Banca Popolare di Vicenza – duas instituições regionais abaladas, mas não relevantes em nível sistêmico –, com um custo de 17 bilhões de euros para o contribuinte italiano. No mesmo mês, o Banco Popular da Espanha foi vendido – a porta fechadas e literalmente da noite para dia – pelo preço simbólico de um euro e pelo menos sem ônus para os cofres estatais.

Na Espanha “tivemos muita sorte”, afirma Elke König, que, na qualidade de presidente da europeia Junta Única de Resolução (SRB, na sigla em inglês), participou da sessão de crise noturna. Afinal, encontrou-se no espanhol Banco Santander “um comprador disposto”.

Nem é bom pensar o que, do contrário, teria ocorrido na manhã seguinte nos mercados financeiros, já que simplesmente não havia tempo para soluções alternativas. “Não se devem começar tais ações na noite da terça-feira, na esperança de ter terminado na quarta-feira cedo”, critica König.

Burocracia inflacionada

Para o chefe do UBS Axel Weber, essa urgência prova que há muito nem tudo vai bem no setor de finanças. “Ainda estamos na resolução da crise, mas ainda não no pós-crise. Só quando todos os títulos podres estiverem amortizados nos balanços, e as perdas forem assimiladas, a crise terá passado.”

Veneto Banca Homem entra no Veneto Banca em Roma, em 26 de junho. Cerca de 600 agências do banco e da Banca Popolare di Vicenza serão fechadas (Foto: Tiziana Fabi / AFP)

Permanece em aberto quanto tempo esse processo vai durar: as instituições bancárias da Europa seguem sofrendo com a política de juros baixos do Banco Central Europeu (BCE), e a economia do continente vai se arrastando. Pelo menos atualmente os bancos estão mais bem regulamentados – ainda que a um custo burocrático alto.

Como aponta Weber, para o primeiro acordo sobre o capital próprio dos bancos, fechado em 1988 (“Basileia 1”) bastaram 30 páginas. Seu sucessor em 2013, o “Basileia 3”, apresentava 600 páginas, enquanto o americano Dodd-Frank Act chega a 30 mil páginas.

“Mandei computar quantas solicitações de regulamentação nós recebemos por ano no UBS”, relata o chefe administrativo do instituto ativo em nível global: “São entre 50 mil e 60 mil.”

Esperanças na cúpula do G20

Ainda assim, não é hora de os bancos exigirem menos regulamentação, defende o presidente do Commerzbank, Martin Zielke. Em vez disso, as diferentes regras precisam ser melhor harmonizadas, também em nível internacional.

Na momento, contudo, os sinais não são de mais compatibilidade interbancária: antes pelo contrário. O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou a intenção de voltar a relaxar as restrições aos bancos.

Zielke teme uma “renacionalização da regulamentação”. “Esperemos que a prática não seja tão radical quanto a teoria”, comenta Elke König. “Senão estamos de volta ao ponto de partida”, ou seja: onde se estava antes da crise.

A cúpula do G20, em 7 e 8 de julho, em Hamburgo, talvez revele em que ponto se encontra a comunicação internacional. No passado, as conferências internacionais também funcionaram como fóruns para enfrentamento de crises: em 1999, em reação à crise na Ásia; em 2008, durante a crise financeira global.

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