Economia

O que era desejo aconteceu: o País está na pior

Ao saber que a queda do PIB deveu-se aos 3,5% negativos da agropecuária, antevi comentaristas esfregando mãos ansiosas

De qualquer jeito, o que era desejo aconteceu. O País tá na pior. Nem a agropecuária vai bem
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Nesta semana, depois de voltar do Vale do São Francisco, viçosa região produtora de frutas, futucava meus neurônios, ainda pouco afetados por produtos que vez ou outra me chegam de Salinas (MG), para entender se, finalmente, descobrira o que é agregar valor aos produtos agrícolas.

Trazia comigo alguns quilos de duas variedades muito saborosas de uvas, firmes, lindas, que me custaram R$ 2,50 o quilo. Em casa, em São Paulo, minha mulher diz estar pagando R$ 14,90 pelas mesmas.

Não que o fato seja grave a ponto de romper um casamento de 42 anos. Mas parece que o “espírito da coisa”, como se dizia no bom e velho “O Pasquim”, não está sendo bem entendido.

Deixa pra lá, pensei, isso não é novidade para leitores de CartaCapital. Além do mais, viagens assim, mais do que entediantes constatações econômicas, podem trazer causos saborosos.

Já contei aqui que a localização do aeroporto de Petrolina e o horário do voo para São Paulo me permitem almoçar num restaurante, onde acompanho a benemerência de Nego, o garçom paraense.

Quis saber dele como andavam as obras da Irmandade dos Alcoólatras, Fumantes e Raparigueiros. Disse estar na fase das torres, previstas três, mas que a adesão de novos setores minoritários carentes o obrigou a um templo mais ecumênico. Serão nove torres. Fiz nova contribuição.

E assim continuaria o texto desta semana, relatando os petiscos no Bodódromo, os telões bombando a cada 10 metros dos restaurantes, a canja com coentro, dois novos shoppings em construção, as orlas do “Chico” remodeladas, os senões com a candidatura de Eduardo Campos. Ih, tanta coisa.

Não deu. Qualquer leveza que você pense trazer a campo, mesmo “a elegância sutil de Bobô”, cai diante da fúria das folhas e telas cotidianas, encantadas com papéis fiscalizadores ‘ma non troppo’.

Mais perversas ainda quando querem mostrar uma neutralidade que junta perfídia de bolero mexicano, samba-enredo de Stanislaw Ponte Preta e o interesse de seus patrões.

Semana atrás de semana, o colunista insiste que a agropecuária vai de bem a muito melhor, sempre ajudando o crescimento médio do PIB brasileiro.

Ao saber que a queda do PIB de 0,5% no 3º trimestre sobre o anterior, deveu-se aos 3,5% negativos da agropecuária, logo antevi comentaristas esfregando mãos ansiosas: “não digo que o cara erra tudo; coisa de petista”.

Nunca uma coisa tem a ver com a outra, mas precisa ter, caso contrário, faltará emoção.

Fiquei preocupado. Vi-me suspenso da publicação. O que teria acontecido com os dados de produção, produtividade e tendência de preços que passei meses mostrando?

E o negócio de ser o maior exportador de soja e na última colheita o maior produtor mundial devido às dificuldades nos EUA? E os crescimentos projetados para a nova safra, verificados em loco, e confirmados por CONAB e IBGE? 90 milhões de toneladas de soja, perto de 200 milhões de toneladas de grãos, valor bruto da produção (VBP) em quase R$ 500 bilhões para as 20 principais culturas agrícolas?

Mas, prezados, eles vieram com tudo. Sábios, sustentam o queixo, cofiam bigodes quando os há e, ao limite, soube de tentativas de colocar Genoíno como influência negativa na parada. Foram desaconselhados pela queda de um helicóptero.

Não importa que a comparação entre 2º e 3º trimestres na agropecuária pouco signifique ou na maioria das vezes aconteça. Assim são feitas as friorentas estatísticas. Ainda mais em anos que os preços justifiquem a antecipação de embarques de soja.

De qualquer jeito, o que era desejo aconteceu. O País está na pior. Nem a agropecuária vai bem. Já não é muito representativa, quando vai mal, então.

Sem dúvida vocês perceberam o caos no que leram ou nas sobrancelhas arqueadas de preocupação de William e Patrícia no Jornal Nacional.

Ferrou tudo! Embora na Irmandade de Nego, os novos componentes, como quengas, traídos e subtratores do alheio, batendo prato num samba do Recôncavo, usem termo mais forte para consubstanciar o desastre. E se o Nego souber do termo que acabei de usar, devolve-me o óbolo que lá deixei. Por desrespeito.

CartaCapital tem grandes analistas para discutir esse 0,5% com mais propriedade e seriedade. Deve vir por aí.

Agora, aqui da minha horta escolar, experiências que eu vejo com alegria se espalhar pelo Brasil, alicerçada em rabanetes e cebolinhas, faço coro com o norte-americano, James Carville, que se estivesse por aqui mandaria logo ver: “É a sazonalidade, estúpidos”.

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