Economia

O que deve mudar na relação econômica Brasil-China

O terceiro mandato de Lula e de Xi Jinping aponta para o realinhamento de agendas ligadas ao meio ambiente e a possibilidade de parcerias em energias renováveis e veículos elétricos

Lula e Xi Jinping. Fotos: Evaristo Sá/AFP e CLaudio Reyes/AFP
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Os primeiros movimentos político-diplomáticos do primeiro-ministro Xi Jinping e do presidente eleito Lula após o pleito de outubro parecem confirmar as expectativas de vários economistas de que tende a ocorrer uma maior aproximação entre China e Brasil a partir da mudança do quadro político no País, com desdobramentos na economia. Xi foi um dos primeiros chefes de Estado a telefonar para Lula pouco depois da proclamação da vitória do petista e este já anunciou que visitará a China logo no início do mandato, em uma agenda de países prioritários que inclui a Argentina e os Estados Unidos.

O ambiente de dificuldades na economia mundial, com baixo dinamismo, risco de recessão e predomínio de políticas de austeridade dificulta a intensificação das relações econômicas, mas, segundo especialistas, cria também oportunidades dos dois lados. O destaque, no caso do Brasil, é a abertura de espaços nas áreas de energias limpas e tecnologia. Não se deve esperar, no entanto, mudanças significativas na relação comercial, marcada pelo predomínio da importação de industrializados chineses pelo Brasil e das compras de produtos primários brasileiros pela China.

“Não tenho dúvida de que as relações com a China vão melhorar”, ressalta o economista Bruno De Conti, professor do Instituto de Economia da Unicamp e pesquisador do Centro de Estudos Brasil-China, da mesma universidade. Os chineses, diz, evitam comentários sobre a situação política de outros países, mas percebe-se que há um alívio diante do fim do governo Bolsonaro. “Empresas chinesas estavam evitando investir no Brasil, em função da insegurança para os negócios representada pelos posicionamentos e atitudes do governo Bolsonaro. Como pensar na construção de uma cooperação a médio e longo prazos com um governo que não perdeu a chance de ofender aquele país e seu povo?”, dispara De Conti.

Segundo o economista, a situação agora muda para melhor, mas isso não significa que Xi Jinping vá oferecer ao Brasil um pacote de bondades, pois isso não existe na economia e nas relações internacionais. “Como presidente da China, Xi estará sempre perseguindo objetivos importantes para o seu país. Entretanto, havendo mais confiança entre as partes, amplia-se a margem de negociação. Seja a bilateral, ou por meio do BRICS, que serão, seguramente, fortalecidos a partir de janeiro.” O Brasil é um dos países desse bloco, integrado também por Rússia, Índia, China e África do Sul. É provável, diz De Conti, ocorrer um aprofundamento de projetos de cooperação científico-tecnológica entre Brasil e China e os dois países têm muito a ganhar com isso.

Pela primeira vez, o Brasil e a China serão governados ao mesmo tempo pelos seus líderes mais importantes neste século, Lula e Xi Jinping, ambos no terceiro mandato, chama atenção o cientista político Maurício Santoro, professor do Departamento de Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Em artigo na edição deste mês da Carta Brasil-China, do Conselho Empresarial Brasil-China, dedicada a analisar as perspectivas das relações bilaterais a partir da transição nos dois países, Santoro sublinha o fato de Lula retornar à Presidência “com outra perspectiva de política externa”. O presidente eleito, diz o professor da UERJ, destaca a importância das parcerias entre os grandes países em desenvolvimento para o crescimento do Brasil e para buscar a construção de uma ordem global com poder mais equilibrado frente às grandes potências como Estados Unidos e União Europeia.

O ex-embaixador na China Luiz Augusto de Castro Neves, presidente do Conselho Empresarial Brasil-China, chama atenção para o momento especial de convergência entre os dois países. “No Brasil, o presidente eleito assume em janeiro prometendo mudanças substantivas na política externa do País. Na China, o presidente Xi Jinping, prestes a exercer um inédito terceiro mandato, já anuncia algumas correções de rumo, particularmente no que diz respeito à política econômica”, sublinha Castro Neves. Dada a dimensão da economia chinesa, diz, essa orientação certamente terá impactos no desempenho da economia mundial e, em consequência, na economia brasileira.

As estratégias da China na esfera econômica “tendem a espelhar as inseguranças quanto ao cenário internacional, garantindo maior nível de resiliência diante de possíveis sanções internacionais, sobretudo por parte dos Estados Unidos, e de tensionamentos ao longo de cadeias produtivas, de suprimentos de energia e alimentos e de fronteiras tecnológicas”, chamam atenção Aline Tedeschi, professora na Universidade Normal de Hunan, e Igor Patrick, mestre em estudos da China em Política e Relações Internacionais pela Universidade de Pequim, no trabalho “Investimentos Chineses no Brasil: 2021, um ano de retomada”.

Segundo os pesquisadores, o cenário dominado pela complementaridade das trocas comerciais entre os dois países “pode variar a partir das perspectivas chinesas de aumento da produtividade doméstica, de modernização da agricultura e de diversificação de parceiros globais”, estratégias delineadas no relatório do 20º Congresso Nacional do Partido Comunista Chinês. Além disso, “o setor exportador brasileiro, sobretudo o agropecuário, pode se sentir pressionado a se adequar às regulamentações mais rígidas relacionadas ao plano de diminuir a pegada ambiental da economia chinesa”.

Outro ponto relevante é a redução da contribuição ao crescimento do PIB chinês por parte do setor de construção civil, que sofre desaceleração em consequência de medidas governamentais voltadas à diminuição do elevado endividamento do setor. Uma das consequências da crise do segmento é que o valor das exportações para a China de um dos principais produtos de exportação brasileiros, o minério de ferro, caiu 38% nos 11 primeiros meses de 2022, em relação ao mesmo período de 2021.  Não parece ser uma situação que poderia ser revertida facilmente. Se, de um lado, o envelhecimento da população na China pode aumentar a demanda pela construção de instalações de saúde e novos hospitais, por outro lado, isso não deve compensar a queda da demanda por novas residências provocada pelo crescente desemprego e a taxa de natalidade decrescente. Os setores de construção e imobiliário representam mais de 20% do PIB chinês.

A boa notícia para a economia brasileira, ressaltam Tedeschi e Patrick, é que o Congresso do PCC apontou dois objetivos prioritários para a China que podem ser frentes de articulação com a economia do nosso País. Esses objetivos são a garantia de suprimento alimentar e os investimentos em projetos ligados à sustentabilidade e à transição energética. Em outras palavras, o realinhamento de agendas ligadas ao meio ambiente, como o combate à mudança climática e a possibilidade de parcerias na área de novas energias renováveis e veículos elétricos, são uma perspectiva positiva para os dois países.

Em busca do “desenvolvimento de alta qualidade”, a China pretende se empenhar em uma modernização pautada na sustentabilidade ambiental. No âmbito internacional, essa estratégia é uma base para o estabelecimento de parcerias bilaterais e multilaterais e, possivelmente, para a expansão da pegada econômico-financeira da China no mundo, por meio de investimentos no setor verde, com tecnologia de energia renovável, green bonds e mercado de carbono.

“A ambição chinesa de autossuficiência tecnológica, que impulsionará avanços em pesquisa e desenvolvimento, em tecnologia de ponta e para a consolidação da ‘civilização ecológica’, apresenta-se para o Brasil como uma oportunidade de transferência de tecnologias para a superação da defasagem do País nessa área e superação de barreiras regulatórias, técnicas e institucionais. No plano político, o cenário pode ser propício para que o país retome o protagonismo nas esferas de governança climática, restaurando também a retórica do Brasil como uma potência média verde”, chamam atenção Tedeschi e Patrick.

Destaca-se ainda a intenção de Pequim de atrair o Brasil para a Iniciativa do Cinturão e Rota (ou BRI, na sigla em inglês), a chamada Nova Rota da Seda, mencionada no relatório de trabalho de Xi durante o Congresso. Na América Latina, a Argentina é um dos 21 países que aderiram ao BRI, considerado o maior programa mundial de investimento estrangeiro em infraestrutura, criado pela China em 2013. Cerca de 150 países já assinaram memorandos de participação no BRI, com projetos que em 2025 deverão superar 1 trilhão de dólares em financiamento externo para infraestrutura provenientes, em boa medida, de bancos de desenvolvimento e bancos comerciais estatais chineses.

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