Desde a estreia da coluna nesta CartaCapital, procuro analisar os mecanismos da agropecuária e do agronegócio sob aspectos econômicos, políticos e sociais.
Intenção anunciada logo de cara, em 9 de maio de 2013, quando citei Paulinho da Viola, para quem a Mangueira “vista assim do alto, mais parece um céu no chão”.
Visão usual nas folhas e telas cotidianas quando tratam da atividade. Estatísticas, recordes, recursos do plano de safra, situações climáticas e gangorra de preços.
Colunistas (poucos) se dividem entre loas ufanistas e queixas sobre excesso ou falta de ação do governo.
Analistas do mercado (muitos) e porta-vozes patronais opinam conforme os interesses de seus clientes.
Prefiro descer ao pé do morro, e discutir o agronegócio pelas lógicas e contradições do capitalismo, muitas vezes de caráter selvagem.
Na última coluna, sobre os transgênicos, percebi leitores esperando texto com fundamentos técnico-científicos. Depois de 20 anos de estudos, pesquisas e debates altamente complexos e polêmicos, por óbvio, não seria da minha cartola que sairia algum coelho tecnicista. Há publicações especializadas que o fazem. Estaria sendo mais pretensioso do que às vezes pareço ser.
Assim, meus caros, costelinhas de porco e DNA, aqui apareceram como alegorias, que não servem apenas às escolas de samba, mas também à literatura.
Dito isso, a evolução da agropecuária brasileira é, ou deveria ser, bem conhecida. Diante de algum interesse, Casa Grande e Senzala, de Gilberto Freyre, Formação do Brasil Contemporâneo e A Questão Agrária no Brasil, de Caio Prado Júnior, e Os Parceiros do Rio Bonito, de Antônio Cândido, me parecem obras seminais para entender a atividade que, fora o rentismo, mais tem-se dado bem no País.
Depois de séculos de ciclos monocultores, somente a partir da década de 1970, com o desenvolvimento do plantio de grãos no Cerrado, se iniciou um processo mais intenso de diversificação e regionalização de culturas.
Nada que fosse centralmente planejado ou direcionado, mas autônomo a partir da acumulação de capital e força de trabalho de agricultores das regiões Sul e Sudeste, que compraram terras baratas e se deslocaram em direção ao norte do país. Goiás, Mato Grosso e Bahia, principalmente.
Nas novas terras, os preços de compra determinavam as extensões; as inovações tecnológicas faziam-nas produtivas; a frouxa fiscalização ambiental ainda não era vista como tiro no pé.
Na contramão, agiam as oscilações nos preços de comercialização e a sequência de governos desatinados, que não lhes garantiam ‘coisa’ nenhuma. Planos econômicos acarinhavam vários setores, menos quem plantava numa regra e colhia em outra.
Dessa forma, totalmente inserida na lógica capitalista, nossa agropecuária chegou ao estágio atual. Visto assim do alto.
Potência mundial produtora e exportadora de commodities? Sim. Beneficiada por boas condições edafoclimáticas? Também. Completada com tecnologia moderna nacional e importada? Sem dúvida.
Não só, porém.
A pobreza no campo persistiu. Décadas passaram sem que se entendesse a importância da agricultura familiar. Enormes contingentes populacionais se deslocaram para o meio urbano em períodos sem disponibilidade de empregos. Biomas e florestas foram dizimados.
Um caminho ruinoso, que andou léguas livre, leve e solto naquilo que de pior tem o capitalismo, sem que a Federação de Corporações o contestasse e amenizasse.
Diga-se de passagem: processo parecido continua olimpicamente fazendo caminho nos estados de Tocantins, Maranhão e Piauí.
O que se tem dito aqui, quando se trata dos fatores de produção e do comércio no agronegócio, como foi feito na última coluna com os transgênicos, é que a atividade será viável, trará divisas, alimentos, fibras e energia baratos para consumo interno, somente enquanto seus atores tiverem garantidos renda e lucros.
Foi assim que aumentamos área, produção e produtividade.
Nessa irreversibilidade, o importante será não deixar de lado o apoio a iniciativas que amenizem os efeitos da lógica capitalista.
Apoio pesado e organizado à agricultura familiar, incorporando a ela os mesmos recursos com que conta a agricultura de exportação.
Persistência nos fóruns internacionais contra o protecionismo praticado pelos países importadores. Não precisamos baixar as calças para quem deita e rola sobre nossas vantagens competitivas.
Fiscalizar e punir com rigor os oportunistas e imediatistas que dilapidam biodiversidade única no planeta, de valioso potencial econômico.
Manter soberania na posse do território diante de fundos privados e soberanos.
Desenvolver tecnologias e manejos de baixo impacto ambiental e custos.
Se irremovível a lógica capitalista que vige no mundo econômico, sempre será possível conformá-la menos selvagem.