Economia

O país descarrilou

Mas, para alguns, o golpe vai melhorar tudo

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Começo a escrever esta coluna em São José do Rio Pardo (SP) depois de rever o amigo Carlão, já apresentado a vocês. Acabáramos de visitar fazendas de café e cana-de-açúcar, ocasiões em que temo, publicado e lido o texto, ouvir: “ah, os sachês e os envelopinhos”.

Não, meus senhores, a seca pós-floração, o chumbinho que não segura, a geada em vez das águas de março, a chuva em maio bem no início da colheita. Passado um ano, como os Racionais MC’s perguntarão: “Quanto vale”? Fortuito, caberá ao mercado responder.

Levemos o teclado 110 quilômetros adiante. Estamos no município de Nova Resende, MG. O gerente do Banco do Brasil ensina a grandeza do sistema financeiro por trás da agropecuária. O Plano Safra, aprovado no governo de quem ganhou as eleições, disponibiliza R$ 240 bilhões de crédito ao setor, entre mais de 20 modalidades de financiamento.

A taxa de juros ao ano? Metade do que nós pagamos por mês em cheques especiais e cartões de crédito. Nada perguntem à banda “Henrique Meirelles e seus Economistas-Chefes”. Ouvirão o xote: “Você dançou na gastança”.

Deixo o banco e caminho até uma empresa de planejamento rural. A proprietária, agrônoma, me conta sobre a constante mudança de legislação que confunde o entendimento pelos agricultores. Tranquilizo-a: “Bem, somos um país novo, não deu tempo de saber o que queremos”.

Sigamos. Baita calor e o picolé na sorveteria perto da Casa Paroquial justifica tantas plantações de cana e usinas de açúcar na região. Já definiram onde deveremos palestrar? Indecisos entre Juruaia, capital do lingerie, Conceição da Aparecida, onde 25 anos atrás fui nome de troféu de campeonato de futsal, Guaxupé ou Muzambinho (Muzambo Jr., conforme brinca o amigo Márcio Alemão).

Fosse assim seria fácil. Não é como as coisas têm andado para mim em país que descarrilou. Depois de bom trecho em asfalto, ainda pegaríamos mais 30 km de terra e buracos, até uma associação de produtores no subdistrito de Divisa. Por que não? Além de cortes especiais de carne, cachaças e puros cubanos, adoro poeira de caminhos entre cafezais infindos. Mais de 40 anos nessa lida o acostumam a tudo.

Entre os presentes a curiosidade maior é “terminou a colheita? Quantas sacas tirou por hectare”? De preços não falam muito. Sabem que não têm controle sobre eles. O vento soprará para onde a Cooxupé apontar o nariz e se dispuser pagar. Já nós, os urbanoides, sabemos o quanto pagamos por expressos e gourmets.

De volta à metrópole, já em campanha eleitoral, as folhas e telas cotidianas fazem-me tomar tino de como tantos podemos ser burros ao escolher uma atividade de trabalho. Ou ela nos escolher, em muitos casos.

Gabriel Zucman, professor de economia na Universidade da Califórnia, em seu livro (vou direto ao título traduzido) “A escondida riqueza das nações – o flagelo dos paraísos fiscais” (Chicago University Press), prefaciado por Thomas Piketty, aponta que pelo menos US$ 7,6 trilhões são mantidos em paraísos fiscais.

Anotem: são ricos que não pagam impostos, sonegam ao mandar grana para o exterior e, assim, roubam dos pobres. A ampliação da desigualdade que traz a atual etapa do processo de globalização é cada vez mais evidente e comprovada em análises de vários economistas e cientistas sociais.

François Bourguignon, ex-economista-chefe do Banco Mundial, em “The Globalization of Inequality”, já mencionado aqui, escreve: “A exclusiva apropriação do progresso econômico por uma pequena elite vai minar a estabilidade das sociedades”. De passagem, elogia programas como o Bolsa Família, enquanto nós, temerariamente, voltamos aos preceitos neoliberais.

Alguém, no entanto, tem que ganhar. Sim, há êxitos e medalhas de ouro não apenas nos Jogos Olímpicos. O Boston Consulting Group confirma nosso pódio em aumento da riqueza financeira privada. Espetacular crescimento de 9,8%, em 2014 sobre o ano anterior, quando todos os setores produtivos sofriam os mais bravos perrengues.

E o desempregado aí, o dono de pequena indústria ou comércio, o agricultor familiar, o vendedor comissionado, professores, e toda a ala dos equilibristas a acharem que o golpe tudo fará melhorar. Então tá.    

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