Economia

O Ministério da Agricultura não pode dar o que pedem

Infraestrutura, modais de transportes competitivos e inovação tecnológica são temas nos quais a pasta tem a mesma influência dos peões

Atualmente, o MAPA não passa de um órgão regulatório e fiscalizador
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Um mestre que muito prezo, esperançoso, sugere ler a entrevista concedida pela ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), Kátia Abreu, às páginas amarelas da revista Veja, em 22 de abril.

Fui ao sacrifício. Nem tanto por Kátia, mas pela publicação da Editora Abril. Pensara nunca mais sujar as mãos em esgoto jornalístico.

Traço um plano: peço a uma amiga que vá à banca de jornais e tente comprar apenas as citadas páginas; não conseguindo, traga a revista, arranque as amarelas e, munida de pinças, coloque-as em distância adequada à minha leitura. Estarei paramentado: luvas, máscara respiratória e óculos de funileiro.

Na entrevista sobressaem os temas sentimentais de quem, viúva ainda jovem, venceu no agro por mérito e persistência, aproximou-se de Dilma quando, consternada pelo câncer da presidente, enviou-lhe terna carta, e se diz feliz com os casamento e gravidez recentes.

Já escrevi para esta CartaCapital que, hoje em dia, o MAPA não passa de um órgão regulatório e fiscalizador. Quando efetivo, deve-se ao esforço de abnegados servidores e pesquisadores de Embrapa e CONAB.

No mais, uma vez por ano, após decisão do deus ministério da Fazenda, divulga o volume de recursos e os juros para financiamentos no Plano de Safra em solene discurso da Presidência. Niente di più.

A única boa nova da ministra, se verdadeira, vem do remelexo interno que faz para acelerar os 5.000 processos que lá aguardam liberação. Ah, fala também da necessidade de melhorar a infraestrutura, mas disso quem não fala?

Quando em colunas passadas julguei a possibilidade de ser positiva sua indicação para o ministério, recebi furiosos ataques. Pensava nela acionando seu comentado trator, o mesmo que no passado defendeu a devastação ambiental, e esmagando a infame burocracia do MAPA.

Nem a entrevista nem seu passado de luta e bancada ruralistas, no entanto, livraram Kátia Abreu e o vice-presidente da República, Michel Temer, de vaias na abertura da AGRISHOW, em Ribeirão Preto (SP).  

Pedem algo que o ministério não pode dar: infraestrutura portuária e de estradas; modais de transportes competitivos; combatividade em fóruns internacionais; defesa monetária da biodiversidade; inovação tecnológica adicionadora de valor; adequação da lei trabalhista às especificidades da atividade rural. 

Enfim, peças de um jogo de xadrez onde a influência do MAPA equivale à dos peões. Vaias, pois, fáceis de entender quando se vive numa Federação de Corporações. Querem exemplos? 

A SRB, Sociedade Rural Brasileira, questiona judicialmente o veto à compra de terras por estrangeiros. Diz que afugenta os investimentos.

Multinacionais fabricantes de agrotóxicos se opõem ao Ministério Público Federal por querer banir do país o glifosato, herbicida de largo uso, apontado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como fator cancerígeno. Em 2014, o Brasil foi recordista na importação de agrotóxicos (418 milhões de toneladas). Herbicidas, glifosato à frente, representaram 54%.

Nas eleições os votos ruralistas foram para o candidato que prometia ajuste fiscal mais drástico. Para os outros. Hoje, reclamam de os juros do crédito rural passarem de 6,5% para 9,0%. Ao ano.   

Tudo faz crescer a minha convicção de que as ações para o avanço agropecuário devem partir do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). Lá existe público que, realmente, precisa do Estado.

Em busca do melaço de cana

As Andanças Capitais, nesta semana, chegaram a Rio das Pedras e Saltinho, perto de Piracicaba, no estado de São Paulo. Dizem que a região se tornou um mar de cana. Verdade. Pena alguns terem esquecido os botes salva-vidas.

Interessava-me melaço natural para ser usado, diretamente, nas agriculturas orgânica e convencional, como veículo de substâncias que induzem produtividade e controle biológico de pragas e doenças agrícolas. Serve também à nutrição animal, fonte de carboidratos, vitaminas e sais minerais, que é.

No local, uma grande desolação e um futuro pequeno que pode crescer. Na Usina São José e na empresa que vende o melaço. 

O Grupo Farias começou no setor sucroalcooleiro em Pedroza/PE, em 1965. Até 1997, cresceu nas regiões Nordeste e Centro-Oeste. Em 2000, decidiu vir para o Sudeste e construiu a Usina São José, com capacidade para moer 1,3 milhão de toneladas de cana. No auge, atingiu 60% do total.

Dez anos depois, uma crise financeira fez o grupo decidir a venda da unidade paulista. A COSAN chegou a anunciar a compra, desmentida dois dias depois. O plano da compradora visava desativar a unidade e usar a produção de cana-de-açúcar para processá-la em suas próprias unidades. 

O negócio não saiu e a usina, em plena safra, foi desativada há quase três anos, lá estando hoje sem conservação de maquinário e prédios.

O abandono só não é total, porque uma empresa fornecedora de melaço alugou balança de caminhões, tanques de armazenagem, mantém uns poucos funcionários, e compra o produto de outras usinas para pô-lo à venda em embalagens fracionadas.

Uma andança que, ao mesmo tempo, mostra uma visão triste de quando a gestão pública ou privada é incompetente, e como ela se rearranja com o que sobra da esperança.

Sugestão: um vídeo institucional de como era a Usina São José, em 2007. O estado atual só indo lá, mas melhor não ver. 

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