Economia
O maior fardo
Principal base eleitoral de Lula, o Nordeste é a região mais prejudicada pela taxa de 50% imposta por Trump


O Nordeste é a região mais prejudicada pelo tarifaço de Donald Trump no Brasil, contemplado com um imposto de importação de 50%, o maior do mundo, mostram vários estudos. Segundo análise do Banco do Nordeste, 73% das exportações nordestinas para os Estados Unidos serão afetadas. O estudo leva em conta que itens importantes da pauta nacional foram excluídos da sobretaxa de 40%, cumulativa à tarifa de 10% em abril.
Parte relevante da produção de perecíveis, a exemplo de frutas e pescados, nos estados de Pernambuco, Ceará e Rio Grande do Norte, já estava irremediavelmente perdida antes do início formal do tarifaço, na quarta-feira 6, devido à suspensão preventiva de encomendas.
“Embora todas as exportações sejam impactadas, é importante considerar que os produtores de bens perecíveis, como frutas, serão os mais prejudicados”, destaca o economista Aristides Monteiro Neto, do Ipea. Esses produtos correm o risco de encalhar, caso os EUA desistam das compras, e talvez não seja possível reaproveitá-los. Já minerais e itens siderúrgicos, no Maranhão e no Ceará, assim como bens industrializados, têm a vantagem de poder ser estocados, para posterior venda a outros mercados.
Um pacote de apoio aos exportadores afetados estava em fase final de elaboração na semana passada, com medidas de subsídio ao crédito e reforço das compras públicas. O governador do Piauí, Rafael Fonteles, presidente do Consórcio Nordeste, afirmou a CartaCapital considerar essencial uma articulação entre os estados e a União, para garantir a eficácia das medidas de suporte às empresas. Segundo Fonteles, as ações mais importantes passam por um alinhamento com o governo federal, de modo a garantir políticas coordenadas de mitigação dos impactos.
73% das exportações nordestinas para os EUA foram afetadas, revela estudo do BNB
Isso inclui, de acordo com o governador, medidas compensatórias, como crédito direcionado às empresas afetadas, compras emergenciais dos produtos que deixaram de ser exportados – seja para abastecer o mercado interno, atender a população em situação de vulnerabilidade ou reforçar estoques regulatórios – e um esforço de mapeamento detalhado das cadeias produtivas atingidas. Outro pilar essencial, afirma Fonteles, é o apoio à busca de novos mercados internacionais, por meio de articulação comercial, promoção de produtos e participação em feiras e missões empresariais.
Na quarta-feira 6, Trump ameaçou aplicar taxas ainda mais elevadas, de até 100%, para importadores de petróleo russo, caso da Índia. O Brasil importa diesel e fertilizantes da Rússia, motivo de preocupação no governo e no agronegócio. A produção agrícola foi poupada até agora da escalada tarifária, por não depender dos EUA. O principal destino das exportações do setor é a China, que anunciou o credenciamento de 183 empresas brasileiras para exportar café. Além disso, o Ministério das Relações Exteriores chinês divulgou nota com crítica à “interferência externa irracional” dos EUA no Brasil. Foi a segunda declaração formal de apoio ao País.
Segundo o estudo coordenado pelo economista-chefe do Banco do Nordeste, Rogério Sobreira, os produtos que ficaram fora da lista de isenções – cerca de 700 itens – “estão associados a setores que têm expressividade no Nordeste”. Com 11,8% das exportações para os EUA, a região tem “elevada exposição à economia americana”. Uma exposição inferior, no entanto, àquela verificada em relação ao mercado da China, destino de 22,8%.
Siderurgia. Ferro fundido, ferro e aço figuram na primeira colocação da pauta de exportações do Nordeste para os EUA – Imagem: iStockphoto
O segmento de ferro fundido, ferro e aço ocupa o primeiro lugar, com 1,15 bilhão de dólares exportados aos EUA de janeiro de 2024 a junho de 2025, segundo o estudo do Banco do Nordeste. Esse item corresponde a 26,3% do total. Em segundo lugar figura o conjunto de pastas de madeira ou de outras matérias fibrosas celulósicas, papel ou cartão para reciclar, com 907,4 milhões de reais, 20,8% do total. A terceira posição é ocupada por produtos químicos inorgânicos, compostos inorgânicos ou orgânicos de metais preciosos, elementos radioativos, metais das terras-raras ou de isótopos. Esse conjunto gera receitas de 262,3 milhões de dólares, 6% do total. As terras-raras estão no centro da disputa entre os EUA e o Brasil, que é o segundo produtor mundial desse insumo fundamental à indústria avançada. Somados, os três itens mais significativos de exportações nordestinas para o mercado norte-americano correspondem a 53% do total.
Segundo o Instituto de Desenvolvimento Sustentável do Nordeste Brasileiro (Idene), as exportações da região para os EUA “são fortemente concentradas em bens intermediários”, que somam cerca de 2,29 bilhões de reais, o que representa 82% do total vendido. Em seguida, aparecem os bens de consumo, com 419 milhões de reais e 15,02% de participação. Os dados evidenciam “a condição de especialização regressiva da região, com baixa incorporação tecnológica e menor geração de valor agregado local, intensificando sua vulnerabilidade ante choques externos”.
Um estudo do economista Flávio Ataliba, coordenador do Centro de Estudos para o Desenvolvimento do Nordeste do FGV–Ibre, confirma que o Nordeste e o Norte são as regiões mais afetadas pelo tarifaço, com impacto classificado entre alto e muito alto. Já o Centro-Oeste tende a ser menos atingido, devido à sua menor dependência do mercado norte-americano. Essa região tem como principais destinos de exportação a China e a Europa.
O efeito negativo pronunciado deve-se, de acordo com Ataliba, ao fato de o Nordeste e o Norte terem produção significativa de itens intensivos em mão de obra e com baixo valor agregado, em especial “em cadeias com menor capacidade de absorção interna e forte concentração em pequenos produtores e cooperativas”. O economista cita os casos do mel natural exportado pelo Piauí e as frutas embarcadas por Pernambuco e Bahia.
A articulação entre governos estaduais e federal é essencial para a eficácia das medidas de suporte ao empresariado
O Ceará é o estado com maior concentração de exportações aos EUA, 44,9% em 2024, com destaque para pescados, calçados e artigos de couro, ferro fundido e aço, mostra o estudo do FGV–Ibre. Na segunda posição, entre os mais prejudicados, está a Paraíba, com 21,64% do total e concentração em açúcar, calçados e artigos de couro. O terceiro estado nordestino mais afetado pelo tarifaço é Sergipe, com 17,1% do total, que produz sucos, resinas e óleos vegetais entre os itens mais relevantes.
Os estudos apontam um tarifaço pior no Nordeste e mais brando no Centro-Oeste, mas concluir daí que o objetivo dessa dupla discriminação teria sido colocar a maior pressão no berço político de Lula e aliviar para a região do agro, que é a maior apoiadora de Bolsonaro, parece arriscado. Não só porque o agro do Centro-Oeste não depende dos EUA, por ter como principal mercado a China, mas também porque identificar na política tarifária de Trump a intenção de prejudicar o reduto eleitoral de Lula e, ao mesmo tempo, favorecer os aliados de Bolsonaro, supõe uma racionalidade que não parece estar no DNA das políticas trumpistas.
Ao mesmo tempo, a motivação política das deliberações tarifárias de Trump é explícita e corresponde a uma mobilização do presidente dos EUA para obter a anistia de Bolsonaro no Brasil e criar dificuldades para Lula, com vista às eleições presidenciais do próximo ano.
“Atualmente, o Nordeste também depende mais da China do que dos EUA. O trabalho do Banco do Nordeste mostra que os norte-americanos compram metade do que a gente vende para a China”, sublinha a economista Tânia Bacelar, professora emérita aposentada da Universidade Federal de Pernambuco e sócia da Ceplan Consultoria Econômica e Planejamento.
Na média, prossegue a economista, a região está distante da condição do Ceará, ainda muito dependente dos EUA. “Quem está mais agoniado aqui, em Pernambuco, é o pessoal da manga. Estava na hora de colher e os EUA têm um peso muito grande. Os produtores acham que vão ter de deixar apodrecer ou então jogar no mercado interno”, diz Bacelar.
No caso do Nordeste, não é só a indústria que está sob ataque. “A agricultura mais moderna e uma parte da tradicional também estão sendo afetadas. A produção de uva e de manga é a agricultura estruturada que a gente tem. Muito boa, que vende para fora. Mas há também tubérculos e peixe fresco”, ressalta a professora. •
Publicado na edição n° 1374 de CartaCapital, em 13 de agosto de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘O maior fardo’
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