Economia

O lado nada pop do agronegócio

Atlas feito por fundações alemãs detalha impactos sociais e ambientais da atividade que é pilar da economia brasileira

Vários dos impactos registrados pelo Atlas estão ligados à natureza extrativista monocultora do agronegócio
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Por João Soares

O agronegócio ocupa papel de protagonismo no noticiário brasileiro. Por um lado, chamam a atenção os resultados do setor, que tem sido o fiador da balança comercial do país e um importante pilar do Produto Interno Bruto (PIB), o que se sobressai ainda mais num período de crise. Esse prestígio, porém, murcha quando o foco se volta para a preocupação ambiental e o respeito aos direitos trabalhistas.

Com o objetivo de oferecer um contraponto à propaganda positiva do setor, veiculada em horário nobre na maior rede de televisão do país, as fundações alemãs Heinrich Böll (ligada ao Partido Verde) e Rosa Luxemburgo (ligada ao partido A Esquerda) lançaram o Atlas do Agronegócio: fatos e números sobre as corporações que controlam o que comemos.

Trata-se de uma coleção de artigos e infográficos sobre os impactos negativos do agronegócio em várias esferas. A primeira edição do documento foi apresentada em 2017 na Alemanha, por um conjunto de organizações que atuam em prol da justiça socioambiental global. No Brasil, as duas fundações trabalharam em conjunto para traduzir, atualizar, adaptar e contextualizar informações reunidas no relatório original, com o acréscimo de artigos com relevância especial para a sociedade brasileira.

O Atlas detalha, por exemplo, como essa atividade está intrinsecamente conectada com as movimentações de multinacionais que dominam os mercados globais, num cenário de concentração cada vez maior. As fusões entre gigantes do setor são crescentes em todas as áreas da cadeia produtiva do agronegócio – sementes, agrotóxicos, terra.

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Com isso, são fortalecidos os lobbys em prol dos interesses dessas companhias, muitas vezes conflitantes com a saúde pública e a segurança alimentar mundial. O relatório destaca, por exemplo, que, apenas entre 2017 e 2018, o alto escalão do Ministério da Agricultura, incluindo o chefe da pasta, teve oito reuniões com representantes da Monsanto, sete com representantes da Bayer, quatro com representantes da Dupont e três com a Syngenta.

“São quatro empresas de sementes e agrotóxicos muito antigas que historicamente dominam o mercado. Eram sete antes das fusões feitas desde o ano passado. Elas controlam 70% da produção, comercialização e transporte de produtos agrícolas”, comenta Maureen Santos, coordenadora da Heinrich Böll Brasil.

“Elas são um braço do setor financeiro e negociam o preço das commodities no mercado futuro. No balanço anual, elas chegam a negociar um volume dez vezes superior à produção do mercado internacional. Quem dita se um alimento será usado para biocombustível ou ração animal são exatamente essas companhias”, afirmou. 

Na última terça-feira (4/9), a versão brasileira do Atlas foi apresentada ao público no Rio de Janeiro. Além de Maureen, a chef de cozinha e apresentadora Bela Gil e o representante da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) Denis Monteiro participaram do debate. Mediador da conversa, o ator Gregório Duvivier destacou que os representantes do agronegócio vêm sendo vitoriosos na disputa de narrativas nesse campo.

“Conseguiram mudar o nome das palavras pesticida e agrotóxico, e criam a ideia de que a defesa dos alimentos orgânicos é uma pauta de esquerda. A direita gosta de veneno? Claro que não. É uma pauta humanitária. Vendem a ideia de que devemos ser gratos ao agronegócio, pelos resultados econômicos, como se isso acontecesse sem isenções fiscais e políticas públicas”, criticou.

Em 2017, as exportações do setor somaram 96 bilhões de dólares, com aumento de 13% em relação a 2016. Num cenário sem a participação do agronegócio, a balança comercial brasileira teria sido deficitária em 15 bilhões de dólares. A atividade responde por 44,8% das exportações do Brasil e, nos últimos 20 anos, foi a que mais contribuiu para o crescimento do PIB do país.

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Porém, para Monteiro, o atual modelo leva à concentração de riqueza e deve ser repensado. “O lucro das empresas de agrotóxicos no Brasil é da ordem de 10 bilhões de dólares por ano. Nós poderíamos ter um modelo de desenvolvimento que distribuísse essa riqueza. Primeiro, pela democratização das terras. Depois, pelo incentivo à produção de outros alimentos que não apenas soja e carne, com investimento na agricultura familiar, que também é capaz de produzir em diversidade e quantidade”, defendeu.

“Vemos um decréscimo da participação da indústria no PIB nacional, um avanço da produção de commodities e esse impacto ambiental, que acaba sendo assumido pelas populações do campo.”

Concentração fundiária

Os números relativos à expansão da concentração fundiária apresentados no Atlas dão a dimensão dos impactos socioambientais do modelo agroexportador. Se os latifúndios brasileiros constituíssem um país territorialmente contínuo, seriam o 12º maior do planeta, com 2,3 milhões de quilômetros quadrados – área equivalente à da Arábia Saudita.

O Brasil ocupa o 5º lugar no ranking de desigualdade no acesso à terra, com 45% de sua área produtiva concentrada em propriedades superiores a mil hectares. Também nesse segmento, observa-se a forte presença de multinacionais do setor, que exploram o mercado de terras para a produção de commodities e a especulação financeira.

Como resultado do avanço do agronegócio, houve expansão significativa da atividade sobre o território conhecido como Matopiba, área de 400 mil quilômetros quadrados que engloba os estados de Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, considerada a última fronteira agrícola do Brasil e que responde por 45% das emissões de gases de efeito estufa do Cerrado.

Estima-se que 52% desse bioma já tenha sido degradado ou tenha sofrido perda irreversível. Além disso, a disputa por terras mais baratas para exploração agrícola tem intensificado os conflitos fundiários: a Comissão Pastoral da Terra contabilizou 505 na região, com impacto na vida de 236 mil pessoas.

Uma vez que vários dos impactos registrados pelo Atlas estão ligados à natureza extrativista monocultora da agronegócio, Bela Gil defendeu que as políticas públicas visem garantir uma maior variedade alimentar, incentivo a práticas agroecológicas e à agricultura familiar.

“A chave para a saúde é uma dieta diversificada, e, no cultivo, as grandes monoculturas acabam com o solo. Além disso, a transgenia é totalmente associada aos agrotóxicos, que acabam com a fauna, a flora e a diversidade. Muita gente só sabe dizer que o alimento veio da prateleira do supermercado, há um distanciamento entre produtores e consumidores. É preciso mudar isso”, comentou.

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