Economia

O capital medroso

O criador da Embraer critica a falta de dinheiro para empreendimentos de risco no Brasil e diz que a inovação é a chave do desenvolvimento

Outro rumo. Para Silva, o governo erra ao subsidiar o consumo pura e simplesmente. Foto: Lumi Zunica/ Estadão Conteúdo
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A indústria de aviação mirava a construção de grandes aeronaves para ligar metrópoles quando Ozires Silva vislumbrou no mercado regional o nicho ideal para a Embraer vir ao mundo. “Não era possível que as cidades menores não quisessem transporte aéreo”, recorda o engenheiro aeronáutico de 81 anos ao falar da criação da então estatal sediada em São José dos Campos, no interior paulista. Ozires e sua intuição levaram à criação do valente Bandeirante, de até 21 lugares, sucesso de vendas.

Graduado pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), comandou a Embraer por 16 anos. Também presidiu a Petrobras (1986 a 1989), foi ministro de Infraestrutura (1990) e voltou à Embraer para a privatização, em 1994. Operou a Varig, mas não conseguiu evitar a falência.
Apóstolo da inovação, o executivo, hoje reitor de uma universidade em Santos, analisa a aviação nacional e critica a falta de capital de risco no País.

CartaCapital: Como o senhor vê a crise da aviação e os seus desdobramentos sobre a Embraer?
Ozires Silva: Estamos diante de uma crise financeira internacional que afetou tanto as vendas da Embraer quanto das outras companhias. A Embraer tem de continuar a desenvolver aviões competitivos, e ela está firme nessa direção. Tem uma equipe de mais de 3 mil profissionais trabalhando, estudando o mercado de 2020, de 2030. A empresa tem de fazer isso mesmo, em um cenário de crise só sobrevivem os supermelhores.

CC: Investir em desenvolvimento é a receita?
OS: Sim, para todas as companhias. Veja o que aconteceu com a Apple. Estava quase quebrada quando chamaram o Steve Jobs de novo. Ele criou o iPhone, o iPad, o iPod, e hoje a Apple é a segunda companhia mais valiosa do mundo, apoiada exatamente na palavra mágica inovação. Tem de vender coisas novas, atender o consumidor no que ele deseja, com produtos mais práticos, novas capacidades, melhor desempenho. A regra agora é tirar leite de pedra.

CC: No caso da aviação, quais os nichos a ser explorados?
OS: O mercado regional tem muito a crescer. No Brasil, é um desafio muito interessante porque as grandes empresas, Gol e TAM, vão a apenas 60 cidades. É pouco. Têm muitas cidades reclamando transporte aéreo. A Embraer tem de pensar nisso, ser fiel à sua origem.

CC: Como investir em aviação regional sem a infraestrutura aeroportuária?
OS: Há um espaço grande para aviões menores. As empresas que entram hoje no mercado são da França e da República Tcheca. Mas o governo realmente faz muito menos do que precisa. São Paulo, por exemplo, precisa de um novo aeroporto, sem dúvida. É uma discussão de décadas, mas o governo não faz e não deixa fazer. O setor privado está louco para fazer, tem empresa que até escolheu a área para construir.

CC: A ampliação de Viracopos não será o suficiente para atender à demanda de São Paulo?
OS: Não tem nenhum exemplo no mundo de aeroporto a 100 quilômetros da geração de tráfego. Viracopos é mais um aeroporto do interior do estado do que da metrópole. A Grande São Paulo tem quase 20 milhões de habitantes e dois aeroportos. Nova York tem 11 aeroportos sem essa quantidade de habitantes. O Brasil tem apenas 60 aeroportos usados pelas linhas-tronco, e outros 60 que agregam o regional. É pouco.

CC: Quando o senhor saiu da Varig, a alta do dólar pressionava os custos. Quais as semelhanças com os dias de hoje?
OS: O cenário continua o mesmo em relação ao dólar, mas tem um problema a mais, o alto custo do combustível. A saída para as companhias é complicada. O preço do petróleo não deve cair nem no longo prazo em um mundo que consome quantidades imensas por dia do produto, cuja capacidade de produção cai e fica cada vez mais cara. No longo prazo teremos de lutar contra a escassez de petróleo.

CC: Como ficará o custo das passagens aéreas?
OS: A tendência clara é de subida dos preços. E as pessoas não vão parar de voar, porque o custo do automóvel também é caro. Não é uma política comercial adequada manter as tarifas baixas, tanto é que as companhias aéreas têm enfrentado prejuízos. Os aeroportos também estão ficando cada vez mais caros, e não só no Brasil, apesar de o País estar entre os mais caros nesse quesito. Isso terá de mudar. Vamos ver agora se as empresas privadas conseguem simplificar após as primeiras concessões no País. Era preciso haver tratamento tributário diferente.

CC: O senhor disse que o Brasil não vive uma crise financeira, e sim de empreendedorismo…
OS: No Brasil, o capital de risco praticamente não existe, por isso não entramos na crise financeira. Como o empreendimento precisa de capital de risco, o País não entrou em crise, mas também não se desenvolveu. Dinheiro para fazer dinheiro não é compatível para país em desenvolvimento. Olhemos a Califórnia, o estado mais desenvolvido dos Estados Unidos. No ano passado, 44% do capital de risco do país foi para lá, de modo que a Califórnia tem um padrão de vida bastante elevado e domina diversos setores, como a indústria cinematográfica, espacial, da Tecnologia da Informação, farmacêutica… Justamente por usar o dinheiro para criar valor. Aqui no Brasil você coloca o risco na empresa, no empresário, no emprego, no produto da empresa, mas não coloca em risco o dinheiro. Parte da crise atingiu a Califórnia porque o dinheiro colocado no risco foi além do limite, mas não afetou o desempenho do estado.

CC: O Brasil está longe da sua capacidade de usar o capital de risco?
OS: Muito longe. O Brasil praticamente não tem marcas no mercado internacional. Somos inundados por marcas estrangeiras e empreendimentos de risco lá de fora em todas as áreas. Você pode usar o dinheiro para criar resultados muito melhores por aqui, ter mais dinheiro para que o brasileiro com boas ideias possa investir.

CC: Qual o impacto das medidas recentes do governo federal, como as reduções de impostos e do custo de energia?
OS: São resultados imediatos. A ideia de subsidiar o consumo é incorreta, e foi o que o governo fez com a indústria automobilística. Em vez de fazer isso, poderia colocar o dinheiro no risco para investir em novos produtos. O consumidor hoje é movido pela novidade, de modo que se você entra com produtos novos no mercado, consegue o mesmo efeito. Só que com investimentos em bens de raiz, dos quais você pode desfrutar por longos anos. Ao passo que, quando se subsidia o consumo, na hora que a pessoa comprou o carro, ela esquece que pagou menos porque o IPI era barato.

A indústria de aviação mirava a construção de grandes aeronaves para ligar metrópoles quando Ozires Silva vislumbrou no mercado regional o nicho ideal para a Embraer vir ao mundo. “Não era possível que as cidades menores não quisessem transporte aéreo”, recorda o engenheiro aeronáutico de 81 anos ao falar da criação da então estatal sediada em São José dos Campos, no interior paulista. Ozires e sua intuição levaram à criação do valente Bandeirante, de até 21 lugares, sucesso de vendas.

Graduado pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), comandou a Embraer por 16 anos. Também presidiu a Petrobras (1986 a 1989), foi ministro de Infraestrutura (1990) e voltou à Embraer para a privatização, em 1994. Operou a Varig, mas não conseguiu evitar a falência.
Apóstolo da inovação, o executivo, hoje reitor de uma universidade em Santos, analisa a aviação nacional e critica a falta de capital de risco no País.

CartaCapital: Como o senhor vê a crise da aviação e os seus desdobramentos sobre a Embraer?
Ozires Silva: Estamos diante de uma crise financeira internacional que afetou tanto as vendas da Embraer quanto das outras companhias. A Embraer tem de continuar a desenvolver aviões competitivos, e ela está firme nessa direção. Tem uma equipe de mais de 3 mil profissionais trabalhando, estudando o mercado de 2020, de 2030. A empresa tem de fazer isso mesmo, em um cenário de crise só sobrevivem os supermelhores.

CC: Investir em desenvolvimento é a receita?
OS: Sim, para todas as companhias. Veja o que aconteceu com a Apple. Estava quase quebrada quando chamaram o Steve Jobs de novo. Ele criou o iPhone, o iPad, o iPod, e hoje a Apple é a segunda companhia mais valiosa do mundo, apoiada exatamente na palavra mágica inovação. Tem de vender coisas novas, atender o consumidor no que ele deseja, com produtos mais práticos, novas capacidades, melhor desempenho. A regra agora é tirar leite de pedra.

CC: No caso da aviação, quais os nichos a ser explorados?
OS: O mercado regional tem muito a crescer. No Brasil, é um desafio muito interessante porque as grandes empresas, Gol e TAM, vão a apenas 60 cidades. É pouco. Têm muitas cidades reclamando transporte aéreo. A Embraer tem de pensar nisso, ser fiel à sua origem.

CC: Como investir em aviação regional sem a infraestrutura aeroportuária?
OS: Há um espaço grande para aviões menores. As empresas que entram hoje no mercado são da França e da República Tcheca. Mas o governo realmente faz muito menos do que precisa. São Paulo, por exemplo, precisa de um novo aeroporto, sem dúvida. É uma discussão de décadas, mas o governo não faz e não deixa fazer. O setor privado está louco para fazer, tem empresa que até escolheu a área para construir.

CC: A ampliação de Viracopos não será o suficiente para atender à demanda de São Paulo?
OS: Não tem nenhum exemplo no mundo de aeroporto a 100 quilômetros da geração de tráfego. Viracopos é mais um aeroporto do interior do estado do que da metrópole. A Grande São Paulo tem quase 20 milhões de habitantes e dois aeroportos. Nova York tem 11 aeroportos sem essa quantidade de habitantes. O Brasil tem apenas 60 aeroportos usados pelas linhas-tronco, e outros 60 que agregam o regional. É pouco.

CC: Quando o senhor saiu da Varig, a alta do dólar pressionava os custos. Quais as semelhanças com os dias de hoje?
OS: O cenário continua o mesmo em relação ao dólar, mas tem um problema a mais, o alto custo do combustível. A saída para as companhias é complicada. O preço do petróleo não deve cair nem no longo prazo em um mundo que consome quantidades imensas por dia do produto, cuja capacidade de produção cai e fica cada vez mais cara. No longo prazo teremos de lutar contra a escassez de petróleo.

CC: Como ficará o custo das passagens aéreas?
OS: A tendência clara é de subida dos preços. E as pessoas não vão parar de voar, porque o custo do automóvel também é caro. Não é uma política comercial adequada manter as tarifas baixas, tanto é que as companhias aéreas têm enfrentado prejuízos. Os aeroportos também estão ficando cada vez mais caros, e não só no Brasil, apesar de o País estar entre os mais caros nesse quesito. Isso terá de mudar. Vamos ver agora se as empresas privadas conseguem simplificar após as primeiras concessões no País. Era preciso haver tratamento tributário diferente.

CC: O senhor disse que o Brasil não vive uma crise financeira, e sim de empreendedorismo…
OS: No Brasil, o capital de risco praticamente não existe, por isso não entramos na crise financeira. Como o empreendimento precisa de capital de risco, o País não entrou em crise, mas também não se desenvolveu. Dinheiro para fazer dinheiro não é compatível para país em desenvolvimento. Olhemos a Califórnia, o estado mais desenvolvido dos Estados Unidos. No ano passado, 44% do capital de risco do país foi para lá, de modo que a Califórnia tem um padrão de vida bastante elevado e domina diversos setores, como a indústria cinematográfica, espacial, da Tecnologia da Informação, farmacêutica… Justamente por usar o dinheiro para criar valor. Aqui no Brasil você coloca o risco na empresa, no empresário, no emprego, no produto da empresa, mas não coloca em risco o dinheiro. Parte da crise atingiu a Califórnia porque o dinheiro colocado no risco foi além do limite, mas não afetou o desempenho do estado.

CC: O Brasil está longe da sua capacidade de usar o capital de risco?
OS: Muito longe. O Brasil praticamente não tem marcas no mercado internacional. Somos inundados por marcas estrangeiras e empreendimentos de risco lá de fora em todas as áreas. Você pode usar o dinheiro para criar resultados muito melhores por aqui, ter mais dinheiro para que o brasileiro com boas ideias possa investir.

CC: Qual o impacto das medidas recentes do governo federal, como as reduções de impostos e do custo de energia?
OS: São resultados imediatos. A ideia de subsidiar o consumo é incorreta, e foi o que o governo fez com a indústria automobilística. Em vez de fazer isso, poderia colocar o dinheiro no risco para investir em novos produtos. O consumidor hoje é movido pela novidade, de modo que se você entra com produtos novos no mercado, consegue o mesmo efeito. Só que com investimentos em bens de raiz, dos quais você pode desfrutar por longos anos. Ao passo que, quando se subsidia o consumo, na hora que a pessoa comprou o carro, ela esquece que pagou menos porque o IPI era barato.

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