Não culpavam os predadores de rendas que seriam alvo da crítica às estratégias de industrialização dos países subdesenvolvidos, mas a sobrecarga democrática e de expectativas trazida pelo excesso de desenvolvimento.
O abuso de demandas salariais acima da produtividade do trabalho e a sobrecarga de serviços públicos acima da capacidade de poupar das sociedades estariam na raiz da estagflação. Com argumentos pré-keynesianos, dizia-se que a redistribuição deveria ser contida em nome da poupança e da acumulação.
Por isso, a plataforma neoliberal não envolvia apenas ampliar o papel do mercado e da competição para selecionar os melhores e punir os preguiçosos: privatização de empresas e serviços públicos, contração do gasto social, desregulamentação do mercado de trabalho e liberalização dos fluxos de capitais. Era preciso também blindar o neoliberalismo contra a democracia, caso cidadãos irracionais considerassem que a promessa do neoliberalismo demorava a chegar.
A promessa, de fato, privilegiou minorias: a globalização neoliberal gerou ciclos de euforia curta e crises longas, comandadas pela inflação e deflação de ativos como terrenos, casas, ações e moedas.
As crises geraram “décadas perdidas” de baixo crescimento, desigualdade social e crises fiscais nas periferias do capitalismo, desde os anos 1980; no Japão, nos anos 1990; nos países desenvolvidos pós-2007.
Mesmo depois de crises devastadoras, não é fácil reverter o neoliberalismo. Primeiro porque a crise é seguida por recuperações lentas, o que aumenta a dívida púbica e cria crise fiscal duradoura.
Segundo, porque a liberalização permite aos “mercados” promover fugas de capital desde economias colocadas à deriva pelas próprias crises geradas pelo neoliberalismo e, depois, impor condições para voltar.
Nessas conjunturas, grupos políticos contrários ao Estado de bem-estar social e/ou interessados em adquirir empresas estatais aproveitam a crise fiscal para, em conjunto com os mercados financeiros, exigir redução de gastos sociais e privatizações.
Isso vale, hoje, tanto para as periferias quanto para a Europa: os mercados financeiros não votam, mas vetam. Seu poder de veto é tanto maior quanto mais profunda foi a reforma das instituições ditas necessárias para assegurar a credibilidade dos investidores.
Banco Central independente de quem?
A principal delas? O Banco Central independente, como o europeu atual. Em geral, os bancos não são independentes da visão neoliberal dos mercados financeiros e interpretam a inflação pelo excesso de demanda: produto do abuso de salários, consumo e gasto público.
O argumento que a ampliação de salários e direitos sociais prejudica a poupança, a acumulação e o crescimento é pré-keynesiano e foi refutado, na última década, pela experiência de crescimento com desconcentração de renda em vários países da América do Sul, como no Brasil.
Como decisões de poupar (abster-se de consumir) não levam necessariamente ao investimento em capacidade produtiva (ao invés de entesouramento), limitar o consumo não implica preservar o ritmo de crescimento com aumento do investimento.
Investimentos precisam de mercados, e as sociedades de consumo de massas criadas pela desconcentração da renda, em condições democráticas, foram e são condição para a ampliação dos investimentos.
A proposta neoliberal é aumentar o desemprego para reduzir salários reais e o consumo, o que presumidamente elevaria a poupança e o investimento produtivo.
É verdade que a elevação de salários pode criar pressões temporárias de custo (ou quedas de margens de lucro) onde a produtividade não crescer no mesmo ritmo. Contudo, é difícil imaginar crescimento sustentado da produtividade sem investimentos, investimentos sem mercados, e mercados com a terapia de austeridade proposta pelos neoliberais.
Os proponentes do Banco Central Independente no Brasil são economistas neoliberais associados às campanhas de Aécio Neves e Marina Silva. Eles não propõem alinhar o Brasil ao Federal Reserve: em parte por causa de resistências democráticas e em parte porque os EUA emitem sem limites a moeda global, seu banco central é, na prática, uma exceção entre os independentes e é obrigado por lei a equilibrar máximo emprego, estabilidade de preços e taxas de juros moderadas a longo prazo.
O discurso neoliberal culpa empregos em expansão, salários reais e direitos sociais crescentes pelos problemas recentes de desaceleração e inflação, sem qualquer ponderação do contexto internacional ou de choques de custo independentes do nível de atividade. Isso ficou claro em recente declaração de Eduardo Giannetti, o principal interlocutor econômico de Marina.
Segundo ele, por causa dos direitos sociais da Constituição de 1988, “o Estado brasileiro não cabe no PIB e isso é um problema estrutural que demanda um diálogo de longo prazo com a sociedade toda”. Como os mercados financeiros não votam, é preciso convencer a população que a culpa da inflação é, no fundo, dela mesmo.
Vivemos no Brasil, hoje, uma disputa entre aqueles que querem continuar expandindo salários reais, direitos sociais e bens públicos e aqueles que consideram que a sobrecarga democrática gera irracionalidades econômicas que acabam prejudicando os próprios cidadãos apaixonados. Os primeiros estavam nas ruas em junho de 2013, os segundos estão em gabinetes propondo isolar a política econômica da pressão das ruas.
É possível conciliar as duas forças? Existe uma Terceira Via que concilie essas visões e interesses? Na atual conjuntura brasileira, nada é mais irreal que uma nova política que prometa conciliar os interesses daqueles que lutam pela expansão dos direitos de cidadania e os que defendem um Banco Central Independente. Estes, como aqueles, não vão se contentar com vinte centavos.
*Pedro Paulo Zahluth Bastos é professor associado (Livre Docente) do Instituto de Economia da Unicamp e ex-presidente da Associação Brasileira de Pesquisadores em História Econômica (ABPHE)
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