Economia

Nosso agronegócio é sustentável?

Um debate com Marcos Sawaya Jank, da “Folha de S.Paulo”, sobre o cenário brasileiro

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Já mencionei a barafunda que hoje se faz com o termo sustentabilidade. Virou carne de vaca fraca, quase de joelhos. O tema, quando corretamente abordado, sem vieses políticos ou comerciais, é de extrema importância. 

A Folha de S.Paulo pensa que tem dois colunistas de agronegócios, Ronaldo Caiado e Marcos Sawaya Jank. Tem apenas um. O primeiro é um político de péssima cepa que nunca tratou do tema desde a sua estreia. 

Marcos, sim, é um especialista equilibrado. Muito mais jovem do que eu, lembro, há mais de 20 anos, tê-lo contratado para uma série de palestras à equipe de vendas de uma empresa de fertilizantes em que eu trabalhava. 

Na sua coluna de 29 de abril, “Erros grosseiros no Índice de Sustentabilidade de Alimentos”, ranking de 25 países divulgado pela unidade de inteligência da britânica The Economist, calculado em base a critérios que levam em conta desde perdas e desperdício de alimentos, até agricultura sustentável, passando por saúde e nutrição, o Brasil foi colocado nas últimas posições (20º). 

É o que Marcos contesta: “Fomos puxados para baixo por indicadores conceitualmente equivocados ou de mensuração altamente questionável”. 

Em alguns pontos terá razão, noutros não. Onde acho que erra? Quando segue linha frequente e conveniente aos líderes do agronegócio, confederações e federações da agropecuária, associações de classe dos fabricantes de agroquímicos e a bancada ruralista no Congresso, que usaram os mesmos argumentos para fazer passar o novo Código Florestal. 

Sigamos: 

MJ: “Fomos punidos pelo uso elevado de fertilizantes e agroquímicos. Ora, corrigir e adubar solos e combater pragas e doenças deveria dar nota alta, e não baixa, principalmente em zona tropical, onde se plantam duas safras por ano”; 

Verdade, mas foi merecida a nota baixa devido aos usos excessivos, desnecessários, forçados nas doses pelos fabricantes concentrados em grandes complexos multinacionais, com poder de divulgação massiva e, muitas vezes, mentirosa.

A pesquisa hoje reconhece a quantidade de nutrientes retida no solo, indisponíveis, e as várias opções orgânicas, naturais e minerais que podem reduzir as aplicações químicas e manter a produtividade das lavouras, reduzindo o custo por hectare. O mesmo vale para pragas e doenças. Agrotóxicos podem ser eliminados ou, pelo menos, reduzidos com o uso de controladores biológicos. 

Num caso e noutro o bolso do agricultor agradeceria e a Economist Intelligence Unit (EIU) seria mais condescendente com o Brasil. 

MJ: “(…) seriam sustentáveis os países que têm maior área relativa ocupada com produção orgânica. O contrassenso é evidente: como a produtividade da agricultura orgânica é notoriamente menor do que a da agricultura convencional, ela fatalmente acabará demandando maiores extensões de terra, leia-se desmatamento adicional, além do impacto do maior custo do alimento final”

Sim, mas não. Primeiro: experimentos que comparam vantagens dos tratamentos convencionais em relação aos orgânicos não as mostram assim tão “notórias”. Segundo: a expansão de áreas de plantio, no Brasil, não deveria implicar desmatamento, dada a disponibilidade de espaços agricultáveis. São suficientes para décadas de exploração e, concomitante, proporcionaria tempo para desenvolvimento de inovações tecnológicas de menores custos e impacto ambiental. 

Não foi a preocupação com a sustentabilidade que fez nossa agricultura economizar área através da produtividade, mas o bolso dos produtores. Novas fronteiras são distantes, mal servidas pela logística, e de condições edafoclimáticas duvidosas. Daí os altos riscos e investimento para expandir áreas. Considere-se ainda a especulação imobiliária primitiva.  

No mesmo tema: 

MJ: “(…) não aparece nenhuma referência ao percentual da área de cada país preservada com florestas, onde somos campeões mundiais”. 

Ora, ora. Sabemos que os demais países já terminaram a obra que nunca deveria ter começado aqui. Se o que temos devemos aos portugueses, lembremos que, campeões mundiais de área preservada com florestas, mas também em desmatamento. 

Acerta Marcos Jank, no entanto, nos seguintes pontos: a) o absurdo de considerarem a agricultura brasileira como protecionista e altamente subsidiada; b) o uso não diversificado de nossas terras; c) negar como benéficas as produções de rações animais e biocombustíveis; d) o fator nutrição e saúde ser avaliado pela população do país dividida pelo número total de restaurantes das cadeias McDonald’s, KFC e Burger King. 

Suas críticas mais se fortalecem quando aponta uma das principais empresas que vendem carboidratos no mundo, líder mundial em macarrão, como patrocinadora da avaliação, a Barilla. Trigo não é o nosso forte. 

Deixo apenas uma lembrança singela. A mesma desconfiança vale para estudos e pesquisas que garantem sustentabilidade aos agroquímicos quando patrocinados por Syngenta, Monsanto, Bayer, Basf, Dow/Dupont, enfim, os membros da Associação Nacional de Defesa Vegetal, Andef. 

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