Economia

No jogo econômico, a China goleia o Brasil

No comércio bilateral, a China ataca com a indústria e o Brasil se defende com commodities

Xi Jinping, o presidente chinês, em Pequim, no dia 9 de julho: a visita dele deveria ser usada para rever o comércio entre os dois países
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O presidente da China, Xi Jinping, acompanhado de 200 empresários, programou visita ao Brasil a partir deste domingo 13 para assistir à final da Copa do Mundo, estreitar os laços econômicos com o País e participar da VI Cúpula do Brics, bloco composto também por Russia, Índia e África do Sul. Os governos de Jinping e de Dilma Roussef comemoram o volume recorde de comércio, de 83,3 bilhões de dólares em 2013, e as perspectivas de expandi-lo.

Para o Brasil, melhor seria, porém, rediscutir os termos de troca com a China. Produtos primários, de alta volatilidade e baixo valor agregado, continuam a dominar as exportações brasileiras. Soja, minério de ferro, petróleo, celulose e açúcares responderam por mais de 87% do valor no ano passado.

O inverso ocorreu nas exportações chinesas. Máquinas, aparelhos, materiais e peças elétricas e mecânicas, produtos químicos orgânicos, automóveis, tratores, de valor agregado elevado e geradores de empregos bem remunerados, compuseram cerca de 60% das vendas ao Brasil. Chama a atenção a presença de produtos tradicionalmente fabricados por indústrias locais, entre eles aparelhos de ar condicionado, lâmpadas elétricas, motores, torneiras, veículos, peças para veículos, carrinhos para crianças e bicicletas.

O problema não é o predomínio das commodities nas vendas brasileiras, nem o dos manufaturados nas da China, mas a quase inexistência de exportações de itens produzidos pela ampla e diversificada indústria nacional. Há uma especialização radical das pautas, com clara desvantagem para o País. Cada item importado representa investimentos, fábricas e empregos subtraídos da economia brasileira. O impacto negativo é proporcional à extensão e à variedade da pauta de industrializados chineses, composta também por transformadores elétricos; aquecedores elétricos de água; aparelhos e partes para telefonia, telegrafia, rádio e televisão; fios, cabos, motores, geradores, bombas e compressores de ar, guindastes, fornos industriais ou de laboratório, válvulas, partes e acessórios para veículos, motocicletas, reboques e tratores, entre outros produtos.

O aumento dos investimentos chineses no País, para um total de 68 bilhões de dólares entre 2007 e 2012 e a sua diversificação parece reproduzir o padrão observado na balança comercial. As inversões antes voltadas quase exclusivamente para assegurar o suprimento de commodities, agora abrangem setores como o de infraestrutura e transportes, mas o desequilíbrio em favor da China se mantém, como mostra o caso dos trilhos de ferrovias.

A fabricação de trilhos no Brasil pela Cia Siderúrgica Nacional cessou na década de 1980, considerada perdida para a economia. O governo detinha o controle da empresa e das ferrovias. A retomada de iniciativa do Estado no setor ocorreu com a política de privatização generalizada da década de 1990, inclusive da CSN e da malha ferroviária, focada no reforço do caixa do Tesouro. Em 2004 começou-se a planejar um novo marco regulatório. O Programa de Investimentos em Logística do atual governo prevê a estruturação da rede ferroviária completa necessária ao escoamento da produção nacional (prevê-se a concessão de 10 mil quilômetros de ferrovias neste ano), mas não foi acompanhado de um plano de preparação da indústria nacional para atender a demanda hoje suprida por trilhos fabricados na China com minério de ferro importado do Brasil. Neste ano, as importações deverão atingir 146 mil toneladas, 20% acima de 2013.

As siderúrgicas brasileiras alegam não existir escala suficiente para justificar a produção local. Fosse a CSN ainda uma empresa estatal, poderia tomar a decisão de produzir trilhos e as siderúrgicas privadas certamente acompanhariam o movimento. Como ocorreu na crise mundial de 2008, quando o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal baixaram os juros por determinação do governo e foram acompanhados pelos bancos privados. A decisão permitiu ao País prosseguir na trajetória de crescimento após um breve período recessivo de dois meses.

A subutilização da indústria nacional é um dos problemas da importação de trilhos. Outro é a má qualidade ou inadequação do produto chinês, ao contrário daquele produzido no passado pela CSN. Situação semelhante ocorreu com vagões comprados da China.

Empresas como a chinesa CNR, a GE e a Alstom levam o naco mais valioso das encomendas para ferrovias, metrôs e monotrilhos. Ao Brasil, restou fabricar vagões para minérios, de valor agregado muito menor, pelas indústrias Randon Implementos, Maxion e a Usiminas.

Não foi sempre assim. A Cobrasma, que operou até 1998, fabricava vagões de carga e para passageiros, de subúrbios ou de longo curso, trens-unidade elétricos, carros de metrô, veículos leves sobre trilhos (VLT) e aparelhos de mudança de vias. Foi uma das mais importantes empresas brasileiras (seu proprietário, Luis Eulálio de Bueno Vidigal, presidiu a Fiesp) e, não houvesse a degradação da indústria brasileira em decorrência da perda da terceira revolução industrial e da crise da dívida, entre as décadas de 1970 e 1980; da abertura comercial com câmbio valorizado e juros altos nos anos 1990; e da manutenção dos juros altos e real valorizado a partir de 2003, provavelmente teria se atualizado e haveria uma chance de ser mundialmente competitiva. A sua diversificação sugere um potencial considerável. A Cobrasma dividia com outra grande empresa, a Mafersa, o mercado de composições ferroviárias brasileiro.

Não se percebe uma mudança significativa no horizonte. O anúncio da assinatura de um memorando de cooperação sino-brasileira na área de ferrovias durante a visita de Xi Jinping menciona apenas parcerias entre empresas para disputar concessões no País. A China Railway Construction Corporation buscará parceiras no Brasil  para disputar a concessão do trecho entre Lucas do Rio Verde, no Mato Grosso, e Campinorte, em Goiás. A China Railway Engineering Corporation pretende participar do projeto de uma ferrovia do Maranhão até o Peru. Do lado chinês, viriam capital, investimento e conhecimento tecnológico e das parceiras brasileiras, experiência em atuar em regime de concessão. Como as partes mais  rentáveis de um empreendimento do ramo são a construção e a venda de material ferroviário, a vantagem ficaria novamente do lado chinês também nesses investimentos em logística e transportes. A relação confirma uma consideração do ex-ministro Delfim Netto, colunista de CartaCapital: o negócio da China só existe para os chineses.

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