No Brasil, o campo nunca parou

Qual, então, o motivo para a ênfase atual ao “agronegócio sustentável”?

Seria por que, depois de derrubar um governo democrático, este o único feito a ser mostrado, apesar das vitórias nada terem a ver com o governo Temer?

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Desde 3 de maio de 2013, esta coluna procura analisar as atividades agrárias brasileiras e mundiais, quando vistas “assim do alto” e com a lupa do social.

São quatro anos e meio neste site de CartaCapital, para dizer que “O campo não para”, a exemplo do título que a Folha de São Paulo, usou em caderno publicado 17 de setembro, a propósito de um “Fórum Agronegócio Sustentável”.

Não poderiam ser mais óbvios: “o agronegócio brasileiro se descola do resto da economia e aproveita bom momento para apostar em novas tecnologias e continuar em alta”.

Bem, para se “descolar” da economia em geral, não precisa estar em grande forma.

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Nem mais descarados, também, quando ao pretenderem usar a lupa, generalizam avanços sociais, partículas mínimas do universo rural. O empoderamento feminino, exemplificado no comando de mulheres em fazendas; o avanço tecnológico que amenizará a exaustão do trabalhador rural; as máquinas agrícolas “inteligentes” e as empresas start-ups agrotech.


Exemplos ridículos, coisa de rufiões patrocinados corporativamente diante das mazelas ainda existentes no campo.

Seguem ao que lhes convém: viés positivo na questão da venda de terras a estrangeiros; carne fraca já se fortaleceu; cavalo tá bom, logística tá ruim; proteção ao ambiente tá boa, seguro rural tá ruim. Um claro cardápio ruralista, com mais de 20 depoimentos de personalidades sorridentes e otimistas.

Que bom! Mas não.

Primeiro, prezados leitor e leitora, no Brasil, o campo nunca parou. Pelo contrário, foi como o país se formou e cresceu, o que nos fez atrasar a corrida para a industrialização, chegar tardiamente ao capitalismo produtivo, e nos enredarmos durante a globalização para, finalmente, ajoelhar aos pés dos mercados financeiros e do rentismo.

Qual, então, o motivo para a ênfase atual ao “agronegócio sustentável”?

Seria por que, depois de derrubar um governo democrático, este o único feito a ser mostrado, apesar das vitórias nada terem a ver com o governo Temer?

Ou, assanhados pela destruição neoliberal, esperança de que estando tudo esburacado, institucionalidade, economia, sobretudo nos setores de indústria, comércio e serviços não financeiros, comprometendo emprego, renda, e aparelhos públicos e privados de saúde e educacionais, também as atividades agrárias primárias e de valor agregado fossem à pindaíba? Nunca se sabe aonde a psicopatia pode chegar.

O fórum, seminário, caderno, sei lá, o “siri recheado e o cacete” (obrigado, mais uma vez, Bosco e Blanc), recebeu verbas publicitárias de governos estaduais, Banco do Brasil, APEX, e patrocínios de Bayer, Aérea Azul, Siemens.

Tudo em inteligente artimanha dos irmãos Frias, o Estúdio Folha -projetos patrocinados. Merecem. Afinal, por quantos anos urdiram a trama golpista?

A pergunta que não deve calar é por que o ensaio artístico dedicou poucas linhas à agricultura familiar? Qual o motivo de nenhuma linha sobre a situação dos assentamentos de sem terras, dos conflitos indígenas (o governo do Mato Grosso do Sul é um dos patrocinadores), das comunidades quilombolas, da entrega de grande área da floresta amazônica, dos preços dos alimentos que, por falta de consumo, exterminam a produção hortícola?

Apesar de uma página inteira do Banco do Brasil, nada foi dito sobre a falta de acesso de pequenos agricultores aos financiamentos, penhoradas que estão suas terras e tomados os equipamentos.

Termino com a impressão de que nenhum dos patrocinadores da Folha aceitará patrocinar minhas colunas em CartaCapital.


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