Economia
Não há razão para otimismo
Os indicadores não apontam recuperação da economia,
afirma Pedro Paulo Zahluth Bastos, novo colunista do site de CartaCapital
Professor associado do Instituto de Economia da Unicamp, Pedro Paulo Zahluth Bastos acaba de se unir ao time de colunistas do site de CartaCapital. Sua verve e clareza, expostas na entrevista a seguir, estarão a serviço da interpretação correta dos indicadores econômicos e do combate às mistificações correntes no debate público. Confira as avaliações de Bastos, que escreverá semanalmente, sobre o pensamento ortodoxo e as reformas do governo Temer e suas propostas para a retomada do desenvolvimento.
CartaCapital: O senhor tem acompanhado o debate entre os economistas ortodoxos a respeito da eficiência da taxa de juros para controlar a inflação? Como definiria essa discussão?
Pedro Paulo Zahluth Bastos: A discussão é caracterizada pela preguiça dos economistas neoclássicos brasileiros em olhar os dados e tentar basear seus argumentos em evidências. Para todos, o que vale é defender o argumento de que a inflação resulta em última instância do desequilíbrio fiscal. Para a maioria, importa também defender a política de juros elevados que faz do Brasil, há muito tempo, uma anomalia internacional, o que explica a reação apaixonada à crítica mal direcionada feita por André Lara Resende ao Banco Central.
CC: Por quê?
PPZB: O argumento de que a inflação tem relação com o aumento da dívida e o déficit público não respeita os dados nem para o caso brasileiro nem para as economias desenvolvidas. Nestas, o déficit público explodiu por causa da crise financeira global, os bancos centrais entupiram os bancos privados de liquidez barata, e ao contrário do esperado a inflação baixa despencou. Aqui, o déficit explodiu em 2016, mas a inflação apresentou nítida tendência de queda. O modelo teórico dos ortodoxos justifica a elevação de juros para reduzir o gap entre o produto efetivo e o potencial, ou entre a taxa de desemprego corrente e a taxa de desemprego que, na visão deles, não gera inflação, por limitar ganhos salariais. No Brasil desde 2015, o emprego despencava, enquanto o Banco Central não parava de elevar os juros nominais e, depois, aumentar os juros reais, o que, aliás, era um motivo central tanto da depressão quanto do aumento da dívida pública. E não uma reação a isto.
CC: O governo, com apoio de boa parte da mídia, tem tentado emplacar um discurso otimista a respeito da recuperação da economia. Os indicadores permitem tal otimismo?
PPZB: Ainda não. Os emplacamentos de automóveis em fevereiro despencaram mais de 8% em relação a janeiro. A taxa de desocupação dos trabalhadores chegou a 12,6% no trimestre encerrado em janeiro e se aproxima de 13 milhões, ou mais 879 mil desempregados em relação ao trimestre concluído em outubro de 2016 e mais 3,3 milhões em relação a janeiro de 2016. Em dezembro, as vendas no varejo recuaram 2,1%. O ritmo de queda pode ter diminuído, mas a economia ainda não se recupera. O BC tem tentado diminuir o estrago, mas o risco de inadimplência continua a travar o crédito bancário e pode, no limite, ameaçar bancos menores, sobretudo se grandes construtoras começarem a quebrar em dominó. O real forte barateia o pagamento de dívidas externas das empresas, mas ao mesmo tempo expulsa exportadores do mercado global. Se o governo federal cortar gastos e forçar os governos estaduais a fazê-lo neste ano, a recuperação vai atrasar ainda mais e, quando começar, será muito lenta.
CC: Quais medidas poderiam estimular a recuperação?
PPZB: É fundamental retomar programas e projetos paralisados e concluir obras em meio caminho, pela rapidez do impacto econômico. A estratégia política dos golpistas não era apenas fazer o ajuste fiscal, mas paralisar o legado do ciclo político anterior, esperando que a população o esquecesse até 2018. Isto fracassou. Além disso, um pool de bancos públicos deve ser mobilizado, ao mesmo tempo em que se atraem instituições privadas para avaliar e alongar dívidas conjuntamente. Tecnicamente, fazer empréstimos sindicalizados. A redução dos spreads só é possível com uma ação conjunta dos bancos públicos. A renegociação das dívidas, sobretudo de empreiteiras e construtoras, é de alta prioridade, pois sua falência implicará em novas quebras de fornecedores menores, aumento do desemprego e desnacionalização. Isso passa por acelerar acordos de leniência e reverter o caráter anti-nacional da Lava Jato.
“É fundamental retomar programas e projetos paralisados e concluir obras em meio caminho, pela rapidez do impacto econômico”
CC: E o que mais?
PPZB: Além de alongar as dívidas das empresas, é fundamental alongar a vigência do seguro-desemprego, desde junho de 2015 limitado a quatro ou cinco parcelas na primeira solicitação, mais quatro na segunda e mais três na terceira. O desemprego de longo prazo instalou-se no País, e não podemos produzir mendigos ou algo pior por falta de opção. A renegociação da dívida com estados e municípios é fundamental para assegurar crescimento e base parlamentar, que o sucesso das demais políticas assegurariam com empresários e trabalhadores. Deve-se garantir gastos correntes e conclusão de obras paralisadas, o que exige reverter a emenda constitucional do teto de gastos federais e sua imposição nos contratos com os estados.
CC: E o que fazer para deter o processo de desindustrialização?
PPZB: Os economistas ortodoxos não se importam com a especialização produtiva. Desconhecem as evidências de que o crescimento da renda per capita está associado ao grau de complexidade da economia, ou seja, ao aumento da capacitação produtiva e da diversificação das redes internas na indústria de transformação e serviços elaborados. O Atlas da Complexidade Econômica elaborado em consórcio entre a Universidade de Harvard e o MIT tem um cipoal de evidências que os neoclássicos não podem refutar, mas não podem dizer que desconhecem.
CC: Os desenvolvimentistas entendem?
PPZB: Novos-desenvolvimentistas, como Luiz Carlos Bresser-Pereira, entendem os efeitos da complexidade industrial, mas não dão importância ao peso das filiais estrangeiras na matriz industrial brasileira e à transformação tectônica da indústria global associada à industrialização chinesa. Com isso, continuam a defender um crescimento orientado por exportações, em uma economia mundial cujo comércio passou a crescer abaixo do PIB mundial e que é abarrotada por produtos asiáticos baratos. Assim, desprezam inteiramente a importância do mercado interno, não só para integrar populações excluídas e reduzir a heterogeneidade social e regional quanto para estimular o investimento industrial. Sem mais proteção do mercado interno e negociação séria com as filiais estrangeiras que se tornam, cada vez mais, importadoras e maquiladoras, e sem um planejamento do crescimento do mercado interno, com grande investimento público, não há saída para a indústria no Brasil neste novo mundo de superprodução asiática e preços industriais cadentes.
CC: O que representam o fim da política de conteúdo nacional e as mudanças nas regras do pré-sal?
PPZB: A meta fundamental do bloco no poder depois do golpe é substituir um modelo de crescimento orientado para o mercado interno e para a inclusão social, por outro orientado prioritariamente para o mercado internacional. Para isso, tem o projeto de vender o Brasil barato, atrair sócios ricos para parceiros locais subordinados, sem qualquer estratégia soberana. Daí a proposta de reduzir custos salariais diretos e indiretos e atrair grandes corporações com um “ambiente de negócios” propício, e não com um mercado interno pujante e um governo capaz de negociação soberana da inserção internacional do País. Na década de 1990, a despeito da mão de obra barata da maioria da população, o Brasil não conseguiu concorrer com China e México, e hoje teria que disputar com Vietnã e Bangladesh também.
CC: Na contramão, certo?
PPZB: A desnacionalização de grandes empresas privadas, de ativos estratégicos como o campo de Carcará e da infraestrutura pública deve ser evitada, por conta de impactos estruturais negativos sobre balanço de pagamentos, custo-Brasil, equilíbrio fiscal, capacidade de planejamento e efeitos de encadeamento produtivo e tecnológico. Os investidores estrangeiros tendem a concentrar suas atividades de capacitação tecnológica em seu mercado de origem, inclusive em sinergia com fornecedores locais que tem também interesse em adquirir capacitação no mercado doméstico. A revisão da exigência de conteúdo local mínimo vai no sentido de reduzir encadeamentos produtivos e tecnológicos locais, aproximando o setor de petróleo e gás de um enclave, como ocorre em vários países africanos ricos em petróleo, mas carentes de tecnologias. Não é o caso do Brasil, que domina tecnologias world class na exploração de petróleo em águas profundas. A venda de ativos da Petrobrás, aliás, transfere a custo barato tecnologias cuja aquisição envolveu grande esforço de qualificação tecnológica local, para concorrentes que não contribuíram para financiar este esforço de qualificação.
“As reformas constitucionais
visam proteger o neoliberalismo contra reações democráticas futuras”
CC: Qual medida do governo Temer o senhor considera a mais nociva?
PPZB: É difícil elencar uma apenas. Além da entrega de campos ricos do Pré-Sal a preço de banana para petroleiras internacionais, a tragédia é o conjunto de mudanças na Constituição. As reformas constitucionais visam proteger o neoliberalismo contra reações democráticas futuras, a partir de um processo político que não podemos deixar de chamar de golpista. Dentro do plano de perenizar o golpismo neoliberal, a emenda constitucional 95, do teto do gasto, ex-PEC 241 e 55, é até agora a mais nociva, mas o plano integral envolve, como se sabe, eliminar a Consolidação das Leis do Trabalho e a Seguridade Social, com a reforma trabalhista e da Previdência social. Hoje, o projeto da elite brasileira e o do novo PMDB é levar o Brasil de volta ao século XIX. Não surpreenderá se a legislação e a fiscalização dos casos de trabalho escravo venha a regredir décadas, ao mesmo tempo em que se planeja vender terras a estrangeiros, como nos áureos tempos da monocultura cafeeira.
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