Economia

Não há crise no agronegócio brasileiro

A situação econômica é grave, mas não se pode render aos exageros cansativos

Embarque de soja no Porto de Paranaguá: não há crise no agronegócio
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Em recentes Andanças Capitais notei profundos temores e dúvidas entre aqueles que mexem com agropecuária e agronegócio (há diferenças).

Plantadores, rebanhistas, vendedores de insumos e máquinas, analistas de tradings envolvidas em commodities agrícolas, mostram-se desconfortáveis.

Pudera! É incessante o bombardeio das folhas e telas cotidianas sobre o estado terminal da economia nesta Federação de Corporações. Fossem dados ao ócio e diante de tal enxame abelhudo, se recolheriam à espera da volta das vacas gordas e seus gases poluentes.

A se confirmar projeção do Ministério da Agricultura e IBGE, o valor bruto da produção agropecuária, em 2015, deverá atingir o recorde de 478 bilhões de reais.

Partindo de 2006, crescimento de 7% ao ano, o que permitiria a certos segmentos anos sabáticos. Deitados em redes sombreadas por frondosas mangueiras, longe de arados, colheitadeiras e balcões de lojas, esperariam o desastre passar.

Até lá o governo legalmente eleito teria sido destituído, a Petrobras privatizada e o ajuste fiscal completado, depois de cortar benefícios trabalhistas, aumentar impostos de setores produtivos e poupar o rentismo e as grandes fortunas.

Calma. Segure um instante sua volúpia comentarista. Considero, sim, grave a situação econômica e reconheço-a causada por imperícias de pilotagem do governo, nos dois últimos anos. Apenas faço ouvidos moucos a exageros e martelares cansativos.

Conserto há, “até que nem tanto esotérico assim” (Gilberto Gil). A não ser que você se guie apenas pelo assombro da mídia convencional, seja economista-chefe de instituição financeira interessada no aumento dos juros “para controlar a inflação”, ou partilhe dos sobressaltos de Maílson da Nóbrega, temeroso de ver batido seu recorde inflacionário.

Donde, então, as dúvidas?

Parte vem dos comparativos apresentados em balanços, especialmente de bancos, número de fusões e aquisições entre empresas, entrada de capital especulativo permitida por furiosa arbitragem, índices ainda baixos de desemprego.

Parte vem da própria atividade. Maior área plantada, 200 milhões de toneladas de grãos produzidos, investimentos em máquinas e equipamentos já pagos, compras e arrendamentos de terras nas novíssimas fronteiras, desastre brando nos preços das commodities agrícolas apesar da grande safra norte-americana já colhida, adimplência que deixa longe a quebradeira de 2005.

Ah, mas e o clima? Bem, este algum dia deixou de ser expectativa ou problema para a agropecuária?

O dólar? Penso: se eu soubesse, poderia estar rico. Ou preso. Uai, o câmbio é um preço relativo da economia. Hoje em dia, flutuante, beneficia setores, prejudica outros, mas propicia meios de planejamento e proteção. Passamos anos nos queixando que o real sobrevalorizado sucateava a indústria manufatureira e exportadora. Passaremos outros tantos nos queixando dos seus efeitos na inflação e nos custos dos insumos.

“Já que 75% dos fertilizantes são importados, devo aumentar meus estoques”, pergunta o amigo de Petrolina (PE).

Apostar em estoques não é muito saudável na gestão de empresas. Pode dar certo, mas também dar em quebra. Em momentos assim é preferível estar líquido (juro que não me refiro à fatal cachaça Caribé (48%), de Januária/MG).

Sugiro ouvir o que dizem e como agem os vendedores da indústria. Costumam esconder segredos recônditos que, geralmente, deixam escapar.

Em 2014, o Brasil importou 25 milhões de toneladas de adubos. Recorde e 10% acima do ano anterior. Prevendo para 2015 demanda menor pela queda nos preços das commodities agrícolas, os grandes fabricantes, fortemente concentrados e até cartelizados, já no segundo semestre do ano passado, iniciaram manobras para restringir a oferta e manter estáveis os preços.

Sendo altamente dependente de potássio e nitrogênio, o agro nacional já pode contar com CEO russos, norte-americanos e canadenses, acionando seus Whatsapp para combinarem a dominação.

Agrotóxicos e sementes transgênicas? O quê? Vixe! Esqueçam, relaxem e gozem como sempre o fizeram. Dolarização não é o maior problema, os cartéis sim.

No ano passado, o Valor publicou coluna (19/11) de Martin Wolf, principal articulista de economia do Financial Times, com o título “A maldição da baixa demanda global”. Sacaram? Pensam que é somente conosco o fuzuê?

Esse fator tem feito menos vigoroso o capitalismo, mas ainda não chegou ao agro brasileiro. Quando chegar, creio, será bem menos maldito.

Como cautela e caldo de galinha não fazem mal a ninguém, vamos pensar em formas de prevenir tais armadilhas.

Na próxima, se eu não mudar de ideia.

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