Economia
Na bandeja
A demissão de Jean Paul Prates estava decidida fazia tempo. Magda Chambriard é próxima das petroleiras privadas


O descontentamento de Lula com a demora na execução de um conjunto de demandas consideradas fundamentais para fazer a companhia retomar a autossuficiência em derivados de petróleo, concretizar a transição energética e funcionar como motor do crescimento econômico foi o motivo, não explicitado, da demissão de Jean Paul Prates da presidência da Petrobras, na segunda-feira 24. Ele deixou o cargo após divergências em série com o presidente da República e os ministros de Minas e Energia, Alexandre Silveira, seu superior hierárquico, e da Casa Civil, Rui Costa, ambos interessados em aumentar sua influência nos rumos da empresa.
O ponto culminante das desavenças foi a diferença entre as posições de Silveira, favorável à retenção da totalidade dos 44 bilhões de reais de dividendos extraordinários do primeiro trimestre para investimentos futuros, e de Prates, que defendia a distribuição de 50% desse valor aos acionistas, posição que prevaleceu mais tarde, influenciada pela visão do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, mobilizado pela necessidade de o governo recuperar receitas para cumprir as metas fiscais. Com o desfecho, o Tesouro receberá cerca de 6 bilhões referentes aos dividendos.
O volume atual de distribuição de dividendos chega a ser chocante. Apenas em 2022 e 2023, a Petrobras desembolsou mais de 290 bilhões de reais com dividendos, acima de Shell e Exxon, que têm receitas e patrimônios mais de duas vezes superiores. A geração de caixa da estatal é mais da entregue por Shell, Esso, British Petroleum, Chevron e Total.
O descompasso entre o governo e Prates aumentou desde o embate em relação à questão-chave dos investimentos para ampliar a oferta de gás
No bilhete de despedida encaminhado aos empregados da estatal, Prates diz que sua participação na empresa foi encerrada antes do tempo e revela a presença de Silveira e Costa no anúncio da sua demissão: “Minha missão foi precocemente abreviada na presença regozijada de Alexandre Silveira e Rui Costa”. Indicada por Lula após consultas ao ex-presidente da Petrobras, Sergio Gabrielli, à ex-presidente Dilma Rousseff e ao presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, a sucessora de Prates, Magda Chambriard, foi sugerida para o cargo pelo PT do Rio de Janeiro, com apoio do deputado André Ceciliano.
A julgar apenas pelos currículos, a nova titular do cargo parece reunir maior número de requisitos para dirigir a empresa no sentido pretendido pelo governo. Prates, ex-integrante da assessoria jurídica da Petrobras Internacional (Braspetro), é senador, advogado e consultor empresarial e tem grande experiência em negociações internacionais com empresas e instituições financeiras. Chambriard, funcionária de carreira da Petrobras, na qual chegou a ocupar a posição de diretora de produção e presidente da ANP no governo Dilma, é engenheira formada pela Coordenação dos Programas de Pós-Graduação em Engenharia (Coppe) da UFRJ, reconhecido centro de excelência de nível internacional. Recebida em março pelo Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, o Ineep, para um seminário interno sobre política de conteúdo local e o papel da Petrobras na retomada da indústria naval brasileira, Chambriard “fez um debate do ponto de vista técnico muito qualificado”, relata Mahatma Santos, diretor-técnico da instituição.
O impulsionamento da Petrobras no rumo da autossuficiência e da transição energética é peça central tanto da retomada da economia, estagnada entre 2015 e 2022, quanto da reindustrialização do País em bases sustentáveis. Consolidada entre as maiores empresas petrolíferas do mundo, a companhia criou, na gestão Prates, uma diretoria de transição energética, ocupada pelo respeitado especialista Mauricio Tolmasquim. Entre as realizações de Prates figura também a inauguração de uma política de preços que pôs fim à dolarização da gasolina e do diesel vendidos no mercado interno.
Desafetos. Prates reclamou da demissão realizada na “presença regozijada” de Silveira e Costa – Imagem: Ricardo Botelho/MME
Hoje, a empresa está, porém, muito mais voltada para atender aos interesses do mercado do que para a execução da estratégia determinada pelo governo Lula. No comando dessa visão está o diretor-financeiro, Sérgio Caetano, historicamente muito próximo de Prates e com perfil de gestor de fundo de investimento. Nos corredores da sede da Petrobras, repete-se uma história, negada por Caetano, de que ele teria dito que não vai “desagradar em momento nenhum ao mercado”. Essa retrospectiva alimenta a expectativa de que a chegada de Chambriard deverá ser seguida da substituição do encarregado da área financeira, entre outros executivos.
“Havia a expectativa de a Petrobras ser usada como instrumento de política pública mais potente, neste momento de reconstrução da estrutura de instrumentos de ação pública do governo na economia. Acho que tardaram a entrar no plano estratégico da empresa, e algumas demandas não foram concretizadas”, sublinha Santos. O descompasso entre os objetivos do governo e os passos de Prates aumentou, segundo o especialista, desde o embate entre ele e o Ministério de Minas e Energia em relação à questão-chave dos investimentos para a expansão da oferta de gás no Brasil, um projeto estruturante com grande poder indutor do crescimento e da reindustrialização do Brasil. Havia expectativa também quanto à retomada das obras do segundo trem da Refinaria Abreu e Lima (RNEST).
Outro motivo de acúmulo de tensões foi o aparente abandono do processo de desinvestimento. A empresa tentou renegociar com o Cade os termos de compromisso de cessação de conduta (TCC) para refino e gás natural, um indicativo da intenção de encerrar a política de desinvestimentos antes adotada. “Existia uma expectativa, inclusive por parte dos trabalhadores, de maior celeridade na retomada das fábricas de fertilizantes e das refinarias privatizadas”, ressalta Santos.
Em 2022 e 2023, a Petrobras desembolsou mais de 290 bilhões de reais com dividendos, acima de Shell e Exxon, que têm receitas duas vezes superiores
Em artigo publicado na edição de novembro da revista Brasil Energia, a nova presidente da Petrobras critica a ausência, no atual plano de negócios da empresa, de investimentos na prospecção em terra e de planos para compras locais: “Na exploração e produção, apesar de ter sido cancelada a venda do Polo Bahia, importante para a economia da região, nada se menciona em relação a investimentos nas bacias terrestres maduras, como também não se fala no fomento à construção de bens e serviços no Brasil. Fala-se da entrada em produção de 14 novas plataformas no quinquênio, mas não se menciona a possibilidade de construção de pelo menos uma pequena parte dos mais de 40 barcos de apoio que serão necessários para a operacionalização da produção nessas plataformas. Falta de expertise em um país que já fez mais de duas centenas de barcos de apoio?”
Chambriard chama atenção também para o fato de que, no Rio de Janeiro, mais de dez estaleiros encontram-se ociosos, enquanto o estado necessita seriamente alocar sua mão de obra produtiva. A construção de um petroleiro pode alocar cerca de 2 mil pessoas. A de um barco de apoio simples, mais de mil. A se considerar, para além disso, os empregos indiretos e induzidos decorrentes dessas atividades, pode-se pensar que a construção de 25% dos barcos que serão necessários para apoiar as novas plataformas a operar no quinquênio já seria um bom alívio para o Rio.
Por certo, a indústria local sobrevivente aplaudiria essas palavras de Chambriard, ainda mais se forem concretizadas, mas os caminhos para vincular a companhia aos interesses do País inclui outros desafios, também espinhosos. Será necessário enfrentar também o bunker de representantes do mercado financeiro, do bolsonarismo e do lavajatismo no interior da empresa. Além disso, o governo anterior produziu muitas amarras para a atuação da empresa a partir da Lava Jato, desde a Lei das Estatais aos regramentos internos, que dificultaram muito os investimentos.
Quando se tolhem os investimentos, por definição a companhia vai gerar muito caixa, porque o pré-sal é altamente rentável e o nível de produção vai aumentar até 2030. Como os custos são baixos, haverá uma geração de caixa enorme, acompanhando o ciclo do pré-sal. •
Publicado na edição n° 1311 de CartaCapital, em 22 de maio de 2024.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Na bandeja’
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