Economia

Na agropecuária, o futuro será ruralista

No primeiro momento, agricultura familiar e preservação ambiental serão relativizados para disfarce. Depois, sacrificadas no altar do capitalismo

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Poderia citar como fontes o IBGE, IPEA, FGV. Mas não. Prefiro o insuspeito jornal Folha de S.Paulo que apoiou o golpe contra a presidente eleita Dilma Rousseff. Seu instituto de pesquisas, Datafolha, usou dados do 2º semestre de 2013 para anunciar que “O Brasil é pobre”. Nenhuma novidade para seus leitores, afinal a Folha, havia 10 anos passara a tornar regra manchetes negativas sobre o país.

De fato, nossa distribuição de renda sempre foi perversa e concentrada numa elite secular. Ainda mais hoje em dia, quando mais valem os rendimentos financeiros e patrimoniais. Mas, em se tratando apenas de trabalho, na época, 66% das famílias brasileiras auferiam até R$ 2.034,00 mensais, enquanto apenas 1% delas ganhava entre R$ 14 e 34 mil.

A partir de 2014, as crises política e econômica pioraram os níveis de emprego e renda, alargando a base da pirâmide. Com o golpe e a volta do projeto neoliberal, provavelmente, não mais teremos base, mas um ponto distante, talvez a 241 quilômetros do caminhar de cada brasileiro que um dia pensou escalar a pirâmide.

Mas não é a isso que hoje aqui venho. Estivéssemos algumas décadas atrás, os alto-falantes do Maracanã (ADEG) anunciariam: “No Flamengo, sai o ‘Rancho da Goiabada’ e entra o do ‘Cashmere & Trufa’.

Num primeiro momento, agricultura familiar e preservação ambiental serão relativizados para disfarce; mais tarde, servirão para sacrifício no altar do capitalismo jabuticaba. Isto, que já se prenuncia em saúde e educação pesará ainda mais em outros retrocessos. Se em economia o futuro é neoliberal, na agropecuária ele será ruralista.

Agradeço à jovem Débora Dillon, leitora da coluna, engenheira ambiental e gestora de agrossistemas sustentáveis. De Caxias do Sul (RS), colaborou com este texto.

Não é de hoje que a banda “Ronaldo Caiado e seus Berrantes” luta no Congresso contra decisão de 2010 da Advocacia Geral da União (AGU) de limitar a compra de terras a empresas de capital estrangeiro majoritário. Não que seja difícil driblar a determinação. Basta a bola ser de meia alaranjada. Nem a esse trabalho, porém, os ruralistas se querem dar, preferem-na oficial.

Estenderão o mesmo à flexibilização na aprovação de registros de agrotóxicos pelo Ministério da Agricultura, à intromissão do Congresso nas decisões do INCRA e da FUNAI sobre assentamentos para reforma agrária e demarcação de terras indígenas, legislação trabalhista rural, e reparação aos passivos ambientais por eles criados.

O que faria, por exemplo, a Teachers Insurance Association of America, fundo de pensão de professores americanos, comprar fatia da participação da COSAN na empresa RADAR, gestora de propriedades agrícolas que administra 270 mil hectares de terras em 555 propriedades de nove estados (SP, GO, PI, MT, MS, MA, MG, TO, BA) do Brasil? Pesquisar os efeitos do caroteno de cenouras em dentes de coelhos é que não será.

Há graves acusações, inclusive fora do Brasil, de que o fundo é frequente comprador de terras griladas, sobretudo nos estados do Maranhão e Piauí.

O deputado federal Newton Cardoso Jr. (PMDB-MG), em entrevista ao InfoMoney se mostrou severo: quer limitar a apenas (!) 100 mil hectares as aquisições estrangeiras. Defende o setor florestal, mas sugere que 10% dessas áreas sejam destinadas à reforma agrária, o que o fará o novo Robin de Sherwood. O ministro da Agricultura, Blairo Maggi, sabiamente, achou exagerada a proposta do deputado. Crê demasiados os 10% para a reforma agrária.

Interessante, também, é matéria da publicação Ciência Hoje, revelada pelo pesquisador Jean Remy Davée Guimarães, do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho, da UFRJ, mostrando a insistente permanência dos pesticidas nos solos por sua baixa mobilidade.

Quantas vezes já sugerimos aqui o uso de matérias orgânicas capazes de se contrapor a isso? O pesquisador também critica a inocuidade dos relatórios divulgados pela ANVISA sobre os índices de pesticidas em hortaliças, frutas e legumes, sempre associados nos meios urbanos ao descuido dos agricultores por usarem doses excessivas ou inapropriado descarte de embalagens.

“Como se os agrotóxicos já não estivessem na água, no solo, no ar, em sedimentos de animais e plantas”, diz Jean Remy.

Taí um assunto que sempre voltará a esta coluna. Mesmo que eu mude de ideia.

 

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