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Mundo virtual, crise real

A onda de demissões nas Big Techs não arrefece e as empresas pedem socorro a Washington

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Sucesso na pandemia, a Zoom Video se adapta aos novos tempos - Imagem: iStockphoto
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A onda de demissões nas gigantes do setor de tecnologia, que teve início em outubro do ano passado, não tem dado sinais de trégua. De lá para cá, a dispensa de trabalhadores da categoria vem ocorrendo num ritmo crescente. Somente em 2023, de acordo com o rastreador Layoffs FYI, 336 Big Techs dispensaram mais de 101 mil trabalhadores em todo o mundo.

Em 7 de fevereiro a Zoom Video, popularizada durante a pandemia do ­Covid-19, afetada pelo retorno dos trabalhadores aos escritórios, anunciou a demissão de 15% de sua força de trabalho, além de cortar os salários do alto escalão da empresa. Outra gigante da computação que tem mais de 130 mil funcionários, a Dell, confirmou um dia antes que vai cortar 6,5 mil trabalhadores.

Desde o ano passado, a Amazon tem rea­lizado rodadas de corte. Se, em setembro de 2022, a companhia havia mais do que dobrado a sua equipe corporativa em comparação com o mesmo mês de 2019, contratando mais de 500 mil trabalhadores adicionais, agora a previsão é de que até dezembro mais 18 mil serão dispensados.

A Meta, novo nome adotado pelo ­Facebook, também confirmou que pretende demitir mais de 11 mil trabalhadores ou cerca de 13% de sua equipe até o fim do ano. A Alphabet, controladora do Google, comunicou no início do mês que planeja cortar 12 mil empregos e o Spotify reduzirá seu grupo em 6%.

A primeira gigante a dar sinais de que o pior estava por vir foi a Microsoft. Em 17 de outubro, a empresa demitiu mais de mil empregados de uma só vez. Em janeiro, anunciou que o número de dispensados em 2023 chegará a 10 mil. No Twitter, a maneira como os 5 mil funcionários foram dispensados indignou até o mais miserável dos capitalistas. Poucos dias depois de Elon Musk adquirir a plataforma por 44 bilhões de dólares, a empresa fez o corte sem nem ao menos enviar uma nota de dispensa. A equipe de 7,5 mil funcionários foi reduzida a 2,7 mil da noite para o dia. A maior parte dos relatos revela que os empregados simplesmente foram desconectados de suas contas. Sem conseguir acesso aos e-mails da empresa, muitos descobriram a demissão em massa pela imprensa ou no burburinho que tomou conta da própria rede social. A atuação amadora destoa do discurso “as pessoas são nosso ativo mais importante”, chavão na maior parte das companhias do Vale do Silício.

Em novembro, ao ser questionado sobre as demissões no All-In Podcast, Musk riu antes de responder que a equipe precisava estar “pronta para trabalhar duro”. Segundo ele, o esforço não fazia parte da “cultura anterior” da empresa. O investidor em tecnologia David Friedberg, que participava do mesmo podcast, elogiou a decisão de Musk e afirmou que o magnata estabelecia um novo padrão, mostrando a “todo o Vale do Silício que é possível cortar fundo e obter lucro rapidamente”.

O fim do confinamento, a alta dos juros globais e o risco de recessão afetam o faturamento no Vale do Silício

Os dirigentes da Zoom preferiram adotar outra tática. Após discorrer sobre a trajetória de sucesso da companhia, que em dois anos triplicou de tamanho durante a pandemia, o diretor-executivo Eric Yuan informou, em um texto publicado no blog da corporação, que 1,3 mil funcionários iriam receber no prazo de 30 minutos um e-mail de demissão intitulado “(IMPACTO) Saindo do Zoom: o que você precisa saber”. “Sua dedicação e seu talento serão recursos incríveis para qualquer empresa”, mas, “à medida que o mundo faz a transição para a vida pós-pandemia, vemos que a incerteza da economia global e seus efeitos sobre os nossos clientes significam que precisamos dar uma olhada dentro de nós mesmos, para nos redefinirmos para enfrentar o atual ambiente econômico.”

Professor da Universidade da Flórida e especialista em gestão de recursos humanos, Wayne Hochwarter lembra do boom de contratações das gigantes do setor de tecnologia durante a pandemia. Uma resposta para atender às demandas que eram novas naquele momento e, por consequência, as possibilidades de obter mais lucro – e lucro mais rápido. O problema é que, à medida que a pandemia diminuiu e as taxas de juro começaram a subir, as vendas despencaram. “O que a Covid-19 fez foi levar as organizações a se reestruturarem e se remodelarem. Elas contrataram trabalhadores esperando maiores necessidades e, quando essas necessidades não se materializaram, tiveram de dispensar”, explica. “Não estou muito preocupado que as demissões em tecnologia tenham um impacto enorme na economia, porque muitos dos trabalhadores demitidos encontram novos empregos rapidamente, e muitos provavelmente veem isso como uma bênção, dada a forma como todos foram tratados, especialmente no final.”

Hochwarter pondera, no entanto, que a dispensa de funcionários sempre pode ser feita de forma mais humana. “Às vezes, gente inteligente faz coisas estúpidas. Essa realidade traz à tona a noção de que, às vezes, o pessoal da tecnologia não tem as habilidades para entender o elemento humano no trabalho.”

Saber tratar seus funcionários no momento de dispensá-los está, no entanto, longe da principal preocupação das companhias. Em 3 de fevereiro, quatro dias antes do discurso do Estado da União, a Câmara de Progresso (um grupo do qual fazem parte Amazon, Alphabet, Apple e Meta) enviou uma carta na qual pede ao presidente Joe Biden que ofereça um plano de recuperação do setor de tecnologia, “para ajudar a evitar uma piora do ciclo econômico e manter a competitividade dos Estados Unidos em tecnologia durante a atual crise”. A carta cita a estimativa de 200 mil demissões no setor de tecnologia em 2022, queda no financiamento de empreendimentos globais e fechamento de muitas startups de tecnologia.

Biden, crítico fervoroso da maneira nebulosa como as Big Techs lidam com os dados sigilosos dos usuários, especialmente no que diz respeito a informações de menores de idade, optou por permanecer em silêncio. Para Hochwarter, o governo não deve atender às demandas das empresas. “Atualmente, há bastante governo se intrometendo nos negócios. Isso ocorre entre os funcionários e a organização e entre os funcionários e a indústria. O pessoal de tecnologia não deve ter dificuldade em encontrar empregos que ofereçam benefícios proporcionais às suas competências e habilidades.”  •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1247 DE CARTACAPITAL, EM 22 DE FEVEREIRO DE 2023.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Mundo virtual, crise real “

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