Economia

MP 995: Quais setores da Caixa podem parar nas mãos da iniciativa privada?

Entenda a Medida Provisória editada por Bolsonaro em agosto e criticada por entidades e partidos

Agência da Caixa Econômica Federal em Brasília. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
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Está em análise no Supremo Tribunal Federal (STF) uma ação que quer suspender um processo de “esquartejamento” da Caixa Econômica Federal, conforme as palavras usadas por partidos da oposição para definir a Medida Provisória 995/2020, assinada pelo presidente Jair Bolsonaro em 7 de agosto.

Entidades afirmam que a MP tem o objetivo de privatizar a Caixa, porque dá os primeiros passos para a venda de setores valiosos do banco estatal.

O governo federal não pode privatizar estatais sem a autorização do Congresso Nacional. Com a MP 995, no entanto, Bolsonaro teria uma brecha para vender partes da empresa sem precisar passar pela votação de deputados e senadores, segundo creem os opositores do presidente.

CartaCapital reuniu, a seguir, os tópicos mais importantes para compreender a polêmica em torno da MP 995 e dos setores que podem passar a ser controlados pela iniciativa privada.

O presidente Jair Bolsonaro e o presidente da Caixa Econômica, Pedro Guimarães. Foto: Isac Nóbrega/PR

A MP privatiza a Caixa Econômica?

De imediato, a Medida Provisória não privatiza a Caixa Econômica.

A Medida Provisória (MP) é um modelo de decreto presidencial que entra em vigor assim que assinado pelo presidente da República. Porém, sua validade termina em alguns meses. Para que o teor da MP não perca a vigência, ele precisa ser votado na Câmara e no Senado dentro do prazo de alguns meses.

A MP em questão tem três artigos. O mais importante é o primeiro. Segundo o texto, Bolsonaro autorizou as subsidiárias da Caixa Econômica a “constituir outras subsidiárias” e a “adquirir controle societário ou participação societária minoritária em sociedades empresariais privadas”.

Por que a oposição acusa a MP de privatizar a Caixa?

As entidades dizem que Bolsonaro editou a MP para burlar uma decisão do STF de 2019.

A decisão proibiu o presidente de privatizar a Caixa sem o aval do Congresso, mas liberou a venda das subsidiárias. As subsidiárias são as empresas que têm nome e registro próprios, mas respondem a uma “empresa-mãe”.

A oposição acusa o governo de autorizar a venda de partes da Caixa para dar os primeiros passos para a privatização. Como a venda das subsidiárias está liberada pelo STF, a ideia seria autorizar a venda das partes mais lucrativas e deixar com o Estado apenas aquilo que dá menos lucro, segundo a oposição.

Quais são as subsidiárias da Caixa que podem ser vendidas?

Criada em 1861, a Caixa Econômica ganhou cinco subsidiárias ao longo dos anos: a Caixa Seguridade, a Caixapar, a Caixa Loterias, a Caixa Holding e a Caixa Cartões. Além disso, tem 24 empresas coligadas.

Em entrevista ao Valor Econômico, em 22 de julho, o presidente da Caixa, Pedro Guimarães, citou a Caixa Seguridade, a Caixa Cartões e a Caixa Loterias na lista das subsidiárias que podem ter o capital aberto ainda neste ano.

Por exemplo, a Caixa Econômica tem 100% do capital social sobre a Caixa Cartões, e agora Guimarães quer entregar uma fatia a empresas privadas, num processo chamado de “Initial Public Offering” (IPO, na sigla em inglês), nome dado à primeira vez em que uma empresa receberá novos sócios realizando uma oferta de ação ao mercado da Bolsa de Valores.

Segundo o presidente da Fenae, Sérgio Takemoto, essas operações já representam o enfraquecimento da Caixa.

“Essas aberturas de capitais, para nós, que defendemos a Caixa 100% pública, são a privatização do banco e o seu enfraquecimento”, afirma.

O presidente Jair Bolsonaro, junto ao presidente da Caixa Econômica Federal, Pedro Guimarães. Foto: Reprodução/Facebook

Caixa Seguridade: o primeiro passo para a privatização

Para a Fenae, a abertura de capital da Caixa Seguridade é o primeiro passo para a privatização da Caixa Econômica Federal.

A Caixa Seguridade tem como objetivo a consolidação de todas as atividades do banco no setor de seguros, capitalização, previdência complementar aberta, consórcios, corretagem e afins. A estatal administra, por exemplo, seguros voltados para micro e pequenas empresas, para equipamentos, para frotas de veículos, entre outros.

A Caixa começou a atuar no mercado de seguros em 1967. No entanto, a Caixa Seguridade só foi constituída em maio de 2015, como uma subsidiária integral da Caixa.

O setor de seguros da Caixa é o sexto maior do Brasil, atrás das empresas Bradesco, SulAmérica, Porto Seguro, Banco do Brasil e Zurich-Santander, segundo ranking do Sindicato de Empresários e Profissionais Autônomos do ramo (Sincor), que analisou o desempenho de 79 companhias.

Segundo o Relatório de Análise de Desempenho da Caixa, publicado em 2019, o setor de seguros foi destaque na alta de receitas, registrando 299 milhões de reais no ano passado, dentro de um total de 27 bilhões de reais em receitas de prestação de serviços e tarifas.

Além disso, números da Caixa Seguridade mostram lucros consecutivos nos últimos anos.

No primeiro semestre de 2020, a Caixa afirmou que o seu setor de Seguridade deu lucro líquido de 807,9 milhões de reais, um aumento de 5,9% em relação ao mesmo período do ano anterior. Só no segundo trimestre de 2020, foram 393,9 milhões de lucro.

No total de 2019, a Caixa Seguridade teve lucro de 1,7 bilhão de reais; em 2018, foi de 1,47 bilhão; em 2017, de 1,29 bilhão; em 2016, de 1,08 bilhão.

Loterias Caixa: arrecadação abastece programas sociais

A Caixa se tornou responsável por gerir, explorar e comercializar jogos lotéricos em 1962, por decisão da União. Sob o guarda-chuva das Loterias Caixa, estão conhecidos jogos como a Mega-Sena, a Lotofácil, a Quina, a Lotomania, a Timemania, a Dupla Sena e a Loteca.

Apesar dos famosos prêmios em altas cifras, os valores arrecadados não vão só para os sortudos. Na verdade, o chamado “repasse social” é definido como a atividade fim das Loterias Caixa, com valores redistribuídos para investimentos públicos do País em áreas como Saúde, Educação, Segurança, Esportes, entre outros setores.

Somente em julho deste ano, as Loterias Caixa repassaram mais de 640 mil reais para fins sociais: 216.224 reais foram para a seguridade social; 116.366 reais, para o Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP); 97.061 reais, para setores do esporte, como o Ministério do Esporte, o Comitê Olímpico do Brasil e o Comitê Paraolímpico.

Em 2019, de uma arrecadação de 16,7 bilhões de reais, as Loterias Caixa repassaram cerca de 6,5 bilhões para fins sociais: 1,2 bilhões foram para o Esporte; 4,9 bilhões, para Cultura, Segurança, Seguridade e Saúde; e 331 milhões para o Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies).

Segundo a Fenae, a privatização da Lotex em 2019 retirou cerca de 15% dos repasses para programas sociais. A empresa operava a Raspadinha da Caixa.

“Com a MP 995, não demora para criar uma subsidiária de loterias e a edição de uma MP dizendo que as loterias não são mais exclusivas da Caixa. Deste governo privatista a gente pode esperar qualquer coisa”, afirma Takemoto, em nota.

https://www.facebook.com/LoteriasCAIXAOficial/photos/a.220487041415838/1997855290345662

Caixa Cartões: negócio de alta receita

A Caixa Cartões Holding S. A. é uma sociedade por ações de capital fechado, criada em dezembro de 2018, mas com operações iniciadas apenas em janeiro de 2020. Por ter sido fundada recentemente, a Caixa Cartões tem o desempenho menos detalhado.

Seu objetivo é gerir operações de cartões de débito, cartões de crédito, cartões para educação (universitários e pós-graduandos), cartões turismo, cartões para habitação (com linha de crédito para quem quer construir, reformar ou mobiliar uma casa) e cartões com condições especiais para empresas.

Segundo o Relatório de Análise de Desempenho da Caixa, de 2019, o setor de cartões da Caixa movimentou mais de 2,6 bilhões de reais no ano passado, de um total de 27 bilhões de reais em receitas de prestação de serviços e tarifas.

Banco digital e gestão de ativos de terceiros

Na mira de Pedro Guimarães, também estão os setores do banco digital e da gestão de ativos de terceiros. Porém, nesses dois ramos, ainda não há subsidiárias criadas.

Os olhos cresceram para o setor do banco digital com o embalo do auxílio emergencial e dos saques do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Com mais de 120 milhões de contas digitais criadas para a transação do benefício durante a pandemia, o presidente da Caixa já acredita ser “o maior banco digital do mundo” e quer formalizar a constituição de sua subsidiária. Ao Valor, adiantou que também quer abrir o capital do ramo.

Já a gestão de ativos de terceiros é um ramo da Caixa que administra fundos de investimentos, como os bens ou o patrimônio de uma pessoa física ou de uma empresa. O setor é gerenciado por um conselho liderado por Pedro Guimarães e três vice-presidentes. A área é responsável pela gestão do Fundo de Investimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FI-FGTS), ligado ao fundo que protege o trabalhador demitido sem justa causa.

Para a Fenae, a intenção da MP 995 em constituir novas subsidiárias, na prática, pode servir para criar as empresas para cada setor e, em seguida, vendê-las à iniciativa privada.

A mesma tese é apresentada na ação da oposição no STF. As legendas sustentam que há “desvio de finalidade” na autorização da criação de novas subsidiárias, porque depois a venda dessas marcas fugirá das amarras do Congresso Nacional, que só tem poder de autorização sobre a venda da “empresa-mãe”.

A ação argumenta ainda que até mesmo a criação de subsidiárias deveria ser submetida ao Congresso Nacional, com base na Lei 13.303.

“Fica claro o desvio de finalidade na constituição de subsidiárias para escapar ao controle legislativo, numa espécie de fraude ao Congresso Nacional e à recente decisão do Supremo Tribunal Federal. Ao validar esse mecanismo dissimulado e aleivoso, estamos autorizando que Bancos e empresas públicas em geral sejam primeiro esquartejadas e depois vendidas, sem qualquer anuência do povo brasileiro através da manifestação do Congresso Nacional”, diz a ação.

Privatizar é a melhor saída?

Ao jornal O Estado de S. Paulo, em 2019, o atual presidente da Caixa almejava arrecadar pelo menos 15 bilhões de reais com os IPOs dos setores de cartões, seguridade, loteria e gestão de ativos de terceiros. Esses recursos da abertura de capital serviriam para expandir o crédito imobiliário, conforme prometeu à Folha em janeiro.

Mas segundo registrou o Valor em 2016, o próprio ex-presidente do Banco do Brasil Paulo Caffarelli fez ressalvas sobre a venda de uma subsidiária, o BB Seguridade, ocorrida em 2013. O Banco do Brasil vendeu 33% de sua participação na empresa da área de seguros.

“A gente sente falta da receita recorrente da BB Seguridade”, disse o executivo. “O Bradesco, por exemplo, tem 100% de sua operação de seguridade”.

Em 2018, à IstoÉ Dinheiro, Caffarelli dizia: “A venda da BB Seguridade trouxe um bom dinheiro, mas reduziu nossa fatia das receitas. Por isso, na minha opinião, os bancos devem evitar vender suas atividades principais, ou limitar as vendas a fatias mínimas, que não estanquem a geração de resultado futuros”.

As duas frases são resgatadas pelas entidades sindicais, como o Sindicato dos Bancários e a Associação dos Gerentes do Banco do Brasil, de forma a sustentar que a venda de subsidiárias é um exemplo do que não se deve fazer.

Para a Fenae, a musculatura dos programas sociais não vai ser fortalecida pela iniciativa privada, mas sim por investimentos públicos.

“O que esse governo vem mostrando é apenas um lado: privatizar e lucrar. O governo não fala em fortalecer e investir na Caixa para que ela possa explorar essas atividades lucrativas. As decisões não podem ser baseadas em medidas de curto prazo, como faz o governo atual. Precisamos cuidar do patrimônio dos brasileiros agora e para o futuro. Ao vender as subsidiárias, o governo compromete a sustentabilidade, enfraquece a Caixa como um todo e deixa de arrecadar receitas importantes que devem ser investidas no desenvolvimento do país, na geração de emprego e renda”, afirmou Sérgio Takemoto a CartaCapital.

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