Economia
Monopólios e meio ambiente
A concentração de mercado dificulta as políticas de preservação dos biomas e de combate ao aquecimento
O estudo das relações entre estruturas econômicas e meio ambiente vive um momento bastante paradoxal. Sobre as medidas de pouco impacto prático, as compensatórias, faz-se muito alarde e ruído. Para as verdadeiramente transformadoras, como as medidas estruturais, os ouvidos parecem absolutamente moucos.
Vejamos em primeiro lugar a questão das estruturas. A esse respeito, parece que vivemos ainda na crença, difundida nos anos 1960, de que monopólios (ou oligopólios) seriam bons ou ao menos neutros em relação ao meio ambiente, se comparados a estruturas econômicas menores e mais diluídas. Segundo a conhecida e simplista tese de Buchanan (External Diseconomies, AER59, 174-177), a ineficiência alocativa dos monopólios diminuiria o impacto ambiental por criar ineficiência alocativa (menos consumo a maior preço).
Não é preciso recorrer a profundas teorias para ver a incoerência dessa proposição. O disparo gigantesco do consumo nos últimos 50 anos deve-se exatamente à capacidade dos monopólios (e só deles) de criar diferenciações (discriminação) entre consumidores, inclusive em matéria ambiental. Os mesmos que produzem bens ambientalmente corretos, ao menos na aparência, e os vendem a preços mais altos aos que podem pagar, por isso são os que obtêm reduções de custos nas versões mais baratas dos mesmos produtos, ou de similares, exatamente a partir da destruição do meio ambiente. Quanto maior poder têm, mais podem exagerar as diferenças entre os produtos, exatamente para que a discriminação seja mais eficaz, ou seja os consumidores de um não migrem para o outro. Por isso se pode dizer que o monopolista está longe de ser um amigo do meio ambiente (Mahenc – Podesta, The Monopolist Is Not The Environmentalist Best Friend – An Example, in Economic letters, Elsevier, 2012, p. 379-382).
A lógica é mais bem entendida se apenas nos concentrarmos no movimento das cadeias produtivas desde os anos 1990. O movimento dos grupos empresariais detentores de poder global é exatamente no sentido da deslocalização para países em que a lei ambiental ou é menos exigente ou é menos cumprida. O free-riding ambiental tornou-se a regra na grande disputa monopolista iniciada nos anos 1990. Paga-se barato pelo produto porque o meio ambiente ainda é tratado como insumo a ser obtido, a partir da sua destruição, a custo zero.
A produção, a partir dos anos 1990, deslocou-se para países nos quais as regras ambientais são mais frouxas
Aos argumentos históricos, econômicos e jurídicos somam-se os dados da realidade. Os maiores poluidores estão exatamente em setores monopolizados ou oligopolizados, como, por exemplo, a mineração e o petróleo. O poder lhes permite tornar opacos seus custos, pouco confiáveis são suas informações sobre compensações ambientais e maior o seu poder de discriminar entre fornecedores e consumidores.
Por outro lado, em matéria de compensações ambientais, as soluções muitas vezes contribuem para agravar o problema. Como é possível que a descarbonização funcione se o mercado de compensação criado pelos créditos de carbono incentiva o contrário, ou seja, uma situação em que se espera que os outros tomem iniciativas ambientais positivas? Assim, as compensações, além de não alterarem as estruturas, influenciam o free-riding ambiental entre empresas poluidoras e companhias ambientalmente corretas, levando a resultados insuficientes.
Outras iniciativas tecnologicamente promissoras também são limitadas por problemas estruturais no funcionamento do sistema econômico. É o caso da geoengenharia solar, espécie de capa protetora da Terra contra o calor. Tecnológica e economicamente viável, cria o sério risco de ser superutilizada por alguns países (que podem ter melhores condições econômicas e tecnológicas para fazê-lo) e não ser empregada por outros.
Os resultados dessas ações seriam potencialmente mais catastróficos do que nenhuma ação, considerando que tal tecnologia é capaz de desencadear terríveis consequências em matéria geopolítica e mesmo ambiental, se não for usada de forma cuidadosa e coordenada.
Desafio. As soluções tecnológicas atuais não serão capazes de impedir a “marcha ao precipício” – Imagem: iStockphoto
Aqui, o comportamento individualista denominado free-driving ou “condução livre” (conceito introduzido pelo famoso economista ambiental Martin Weitzman), ao contrário do anterior (free-riding), leva não à inação, mas ao aumento da produção individual ou das ações individuais sem considerar o interesse da coletividade (aqui a totalidade dos países considerados). Tanto o free-driving quanto o free-riding, feitos de forma descoordenada e não cooperativa, podem levar a consequências catastróficas para a humanidade (externalidades negativas intensas).
Nessa realidade, soluções estruturais podem parecer amargas, mas são necessárias. É possível citar algumas. A primeira consistiria em aplicar e desenvolver melhor a regulação dos bens ambientalmente sensíveis (Commons) e recursos naturais dominados por grandes estruturas econômicas. Isso implicaria a comunidade (incluindo aquelas indígenas) afetada e interessada na conservação de tais bens participando de sua gestão e de seu uso. Conforme demonstrado por E. Ostrom em seu trabalho premiado (entre outros, Governing the Commons, CUP, 2012), esta solução não é apenas teoricamente viável, mas também leva a bons resultados econômicos.
Isso pode representar um passo importante para a transformação estrutural, mas não é suficiente para atingir a magnitude da mudança necessária para impedir o aquecimento global excessivo. Por isso, é preciso deixar de lado a ideia de que os mercados são catalisadores de (no máximo) compensações e entender que podem e devem, se bem regulados, contribuir para a transformação estrutural.
Os maiores poluidores estão exatamente em setores monopolizados ou oligopolizados
Um exemplo (apenas um exemplo, não uma panaceia) das múltiplas iniciativas que devem ser imaginadas, às quais já me referi em trabalhos anteriores (Inclusion Gains in Markets for Scarce Products in SSRN), é a criação de mercados catalisadores de positive screeening (“triagem positiva”) de empresas e produtos. Criar, nas Bolsas de Valores, segmentos especiais que listem apenas empresas que realmente protegem o meio ambiente, ou seja, que não impactam ou impactam positivamente o meio ambiente, pode acarretar uma “corrida pelo positivo”, com fundos de investimento e investidores em geral começando cada vez mais a investir apenas nessas empresas. Em última análise, se bem regulado e autorregulado, pode levar ao desaparecimento dos aproveitadores ambientais, que estariam expostos nesses “novos mercados de impacto positivo”.
O mesmo pode ser dito em relação à criação de “novos preços” para os produtos em termos de custos ambientais e sociais. Imagine-se o que ocorreria se o consumidor, ao lado do valor econômico ou “valor de utilidade” dos produtos indicados nos preços tradicionais, pudesse ter acesso e ser informado sobre um “preço ambiental”, bem como um “preço social”, como medida da destruição ambiental ou sofrimento social causado pelos produtos. Nesse cenário, os consumidores estariam expostos à opção de pagar um preço econômico atrativo, sabendo que, ao fazê-lo, estariam gerando um alto preço ambiental ou social. Além de influenciar a escolha dos consumidores, essa alternativa pode justificar intervenções regulatórias ou tributárias, gerando punições ou restrições à comercialização de produtos cujos preços indicam, recorrentemente, em diferentes direções (baixo preço econômico, mas alto preço ambiental, por exemplo).
Conclusão: as soluções tecnológicas não serão suficientes para nos afastar da “marcha ao precipício” mencionada pelo secretário-geral da ONU na abertura da última COP. A “destruição criativa” de monopólios de Schumpeter nos ameaça com mais destruição do que a criação em assuntos ambientais. É preciso que o direito e as ciências sociais em geral participem e sejam ouvidos no debate, sugerindo e oferecendo saídas estruturais e colaborativas, para que novas ou velhas soluções e tecnologias possam ser implementadas e compartilhadas, sem individualismo, “carona (free-riding)” ou “condução livre” (free-driving). •
*Professor de Direito Comercial da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e professor de Direito e Desenvolvimento na Faculdade de Direito da Sciences Po (Paris, França).
PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1234 DE CARTACAPITAL, EM 16 DE NOVEMBRO DE 2022.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Monopólios e meio ambiente “
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