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Os gestores de fundos de direitos creditórios esperam um salto com a liberação a pequenos investidores

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Resiliência. O mercado resistiu às incertezas dos últimos anos e se fortaleceu, comemora Carvalho - Imagem: Acrefi e iStockphoto
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Os gestores de Fundos de Investimento em Direitos Creditórios aguardam ansiosos a atualização, pela Comissão de Valores Mobiliários, de sua Instrução 356, que criou os FIDC há 20 anos. “A CVM abriu uma audiência pública para o mercado manifestar-se sobre a reforma da regulação dos fundos e recebeu subsídios dos participantes e de entidades do mercado financeiro, em 2020, de modo que a nova instrução era para ter saído em 2021, mas foi adiada para o primeiro semestre de 2022, e agora se diz que será antes do fim do ano”, relata Luís Eduardo­ da Costa Carvalho, presidente da Anfidc, associação dos participantes, e da Acrefi, que reúne as instituições de crédito. “A mudança mais importante será permitir que investidores do varejo apliquem nos fundos de direitos creditórios, hoje só liberado a investidores qualificados, com mais de 1 milhão de reais em investimentos, e a profissionais.”

No 5º Encontro Anual da Anfidc, em 30 de agosto, o superintendente de Supervisão de Securitização da CVM, Bruno ­Gomes, adiantou que a autarquia pretende tratar de instrumentos de securitização como um todo na regra geral de fundos, com limites de aplicação. “Em relação à norma de FIDC, a proposta é mesmo abrir para o varejo, podemos refinar um requisito ou outro do que foi apresentado em audiência, em exigência de retenção substancial de riscos, se fizer ou não sentido.”

A propósito dessa liberação, admitida há dois anos para investimentos em títulos emitidos no Brasil que representam outro valor mobiliário no exterior, os BDRs, Carvalho destacou que um dos assuntos mais debatidos no evento foi a resiliência demonstrada por esses fundos ante a intensa volatilidade no mercado de crédito privado na última década. “Teve de tudo um pouco: momentos de crise, pandemia, diferentes presidentes e equipes econômicas. Se, em 2019, o mercado precisou lidar com a queda da Selic, em 2020 o problema foi o pânico causado pelo risco de inadimplência das empresas e, no ano passado, a alta da Selic, que levou a um ajuste nas carteiras. Apesar de tudo, os FIDCs mantiveram sua consistência de retornos positivos: demos uma prova ­real de solidez, de saúde financeira”, frisa o executivo, ao atribuir essa consistência à diversificação de ativos adquiridos pelos fundos para mitigar o risco de inadimplência e a volatilidade das carteiras.

Segundo a Anfidc, o patrimônio líquido dos fundos multicedente/multissacado cresceu 17,2% no primeiro semestre do ano, de 28,522 bilhões de reais para 33,466 bilhões em junho. O número de FIDCs MM também mantém crescimento expressivo: em 2018, havia 283 desses fundos, número que saltou para 388 em junho deste ano. Nesse espaço de tempo, o patrimônio líquido quase dobrou, de 18,5 bilhões de reais para os atuais 33,466 bilhões.

Os FIDCs antecipam receitas a empresas e são alternativas aos bancos

Os FIDCs investem, no mínimo, 50% de seu patrimônio em títulos de crédito de contas a receber de empresas, como duplicatas de venda de mercadoria ou de prestação de serviços. Quando a empresa faz uma venda e aceita receber o valor dessa venda em 90 dias, ela provavelmente será obrigada a antecipar o valor da duplicata de 90 dias para fazer caixa e movimentar o negócio. Os FIDCs antecipam o valor da duplicata, com um deságio, a remuneração do fundo. FDICs multicedentes/multissacados oferecem antecipação de receita basicamente para setores da indústria e de serviços, pois o comércio recorre quase integralmente ao cartão de crédito, para o qual há outros tipos de FIDCs, dedicados à antecipação de recebíveis do dinheiro de plástico. Como todo produto de crédito, o risco do investimento é o calote da dívida. Para proteger o investidor, os FIDCs normalmente oferecem cotas com riscos e rentabilidades diferentes. As cotas mais seguras – e menos rentáveis – são chamadas de sênior, enquanto as mais arriscadas e que trazem maior retorno são as subordinadas. As cotas mezanino, por sua vez, oferecem risco e retorno intermediários. A rentabilidade dos FIDCs, no geral, supera o Certificado de Depósito Interfinanceiro (CDI). Os fundos não são, porém, garantidos pelo FGC.

Segundo Carvalho, nos primeiros anos de existência dos FIDCs, as próprias empresas tomadoras de crédito desconheciam esse canal de financiamento. Estavam acostumadas a tomar empréstimos nas instituições financeiras e tinham dúvidas sobre os fundos, dissipadas com o passar do tempo e à medida que os tomadores percebiam a agilidade na aprovação e liberação do crédito, em comparação ao financiamento bancário tradicional, muito mais burocrático e, detalhe, altamente concentrado em cinco conglomerados – Banco do Brasil, Bradesco, Caixa, Itaú Unibanco e Santander. Os instrumentos alternativos ao crédito bancário tornam-se atraentes pela flexibilidade. “É muito mais fácil uma empresa obter crédito de um FIDC do que em um grande banco, que tem toda uma burocracia a ser vencida”, argumenta Carvalho.

Em termos de custos, o crédito dos FIDCs tende a ser mais caro do que o dos grandes bancos, cujo custo de captação é menor, assim como das instituições médias e pequenas. “Hoje, posso falar por mim (ele é fundador da Lecca ­Financeira), eu brigo por determinados clientes e tenho taxa para competir com os grandes bancos, mas não de uma forma geral. Quando se analisam os grandes números, obviamente o mercado de FIDC tem um custo de captação bem maior do que o dos grandes bancos. Um dos fatores que têm dado aos fundos uma vantagem competitiva é a sua agilidade, tanto na decisão de crédito quanto na execução das decisões.”

Carvalho observa que as previsões de PIB fraco e até de recessão não se confirmaram, mas adverte que todo ano de eleição é “uma incógnita”, mas este, em particular, vem entremeado de temores de que, “ocorrendo alguma mudança radical, isso possa impactar a economia de uma maneira geral”. Por isso, se do ponto de vista estritamente econômico a expectativa era de um 2023 melhor do que 2022, a campanha eleitoral traz “muitas medidas para impactar o eleitor e não se sabe exatamente de que forma o mercado vai se comportar daqui para a frente”, avalia. “Ano pós-eleição sempre pode frustrar expectativas.” •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1226 DE CARTACAPITAL, EM 21 DE SETEMBRO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Menos restrições”

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