Economia
Melhor que a encomenda
O pessimismo do início do ano deu lugar à euforia no segundo trimestre e as Bolsas globais dispararam


Os mercados financeiros globais confundiram as expectativas sombrias em 2023. As ações subiram e as obrigações reverteram as pesadas perdas sofridas no início do ano, à medida que os receios de recessão foram substituídos pela confiança crescente de que os políticos dos Estados Unidos conseguiriam uma aterragem econômica suave. Muitos dos principais índices registaram ganhos de dois dígitos durante o ano, alavancados por uma forte recuperação em novembro e dezembro, uma vez que a queda da inflação deixou os investidores mais esperançosos num corte nas taxas de juro em 2024.
No início do ano, muitos investidores esperavam uma redução dos lucros das empresas, à medida que a economia dos EUA era arrastada para a recessão pelos elevados custos dos empréstimos. Mas a recessão não veio, apesar de as taxas de juro norte-americanas terem subido para o máximo dos últimos 22 anos. Os lucros empresariais estadunidenses atingiram nível quase recorde entre julho e setembro.
Embora a geopolítica lançasse uma sombra sobre os mercados, as empresas ligadas à inteligência artificial dispararam. O alívio em face do forte crescimento dos EUA em 2023 contrariou as preocupações sobre a recuperação da China e o ritmo lento da economia europeia, que terminou o ano próximo da recessão. Segundo Ipek Ozkardeskaya, analista sênior do Swissquote Bank, 2023 não foi como o projetado. “Esperávamos que os EUA entrassem em recessão, mas registraram crescimento de cerca de 5% no terceiro trimestre. Esperávamos que a reabertura chinesa pós-Covid impulsionasse o seu crescimento e alimentasse a inflação global, mas um ano após o fim das suas medidas de zero-Covid, a China está sufocada devido à deflação inesperada e ao agravamento da crise imobiliária.”
Ações globais
O MSCI World Index, que acompanha ações de 47 países, teve um ano agitado, subindo mais de 20% desde o início de janeiro. As negociações foram voláteis, com os preços das ações a subir durante o primeiro semestre, antes de cair de agosto a outubro. Então começou uma “recuperação de tudo” em novembro, quando a queda da inflação estimulou esperanças de cortes nas taxas de juro em ambos os lados do Atlântico. Depois, em dezembro, as ações subiram após o principal banqueiro central dos Estados Unidos, Jerome Powell, alimentar a esperança de que os custos dos empréstimos tinham atingido o pico.
O índice S&P 500, indicador amplo das ações dos EUA, ganhou 25% em 2023, atingindo um máximo recorde. O Nasdaq Composite, focado em tecnologia, saltou cerca de 45%, liderado pelos “Sete Magníficos” – Alphabet, Amazon, Apple, Meta, Microsoft, Nvidia e Tesla. E o índice Nasdaq 100, de grandes ações de tecnologia, teve o seu melhor ano desde a bolha pontocom, subindo mais de 50%, para terminar 2023 num máximo recorde, impulsionado principalmente por mega-ações de tecnologia.
A inflação entrou nos eixos na maior parte do planeta e os EUA evitaram a recessão
A recuperação do mercado de ações dos EUA foi impressionante, mas desequilibrada. Cerca de 70% dos papéis do S&P 500 tiveram desempenho inferior àquele do índice durante o ano, com cerca de um terço em queda. Os mercados europeus também acumularam ganhos sólidos ao se recuperarem de um tórrido 2022. O Dax da Alemanha subiu 20%, apesar de um ano fraco para a maior economia da Europa, e o FTSE MIB da Itália subiu quase 30%.
IA e remédios
A Nvidia foi o exemplo dos investimentos em IA: o preço de suas ações mais que triplicou em 2023. A fabricante de chips relatou receitas e lucros crescentes à medida que a demanda pelos processadores de alta potência, necessários para treinar os modelos de IA mais recentes, cresceu ainda mais rápido do que Wall Street esperava.
Mesmo o aumento de 240% da Nvidia em 2023 não foi, porém, suficiente para acompanhar o ritmo da Symbotic, desenvolvedora de uma plataforma de tecnologia robótica alimentada por IA para armazéns que, segundo ela, pode movimentar mercadorias com mais rapidez e eficiência. As ações da Symbotic subiram cerca de 350% durante o ano.
Na área da saúde, os medicamentos para perda de peso atraíram a maior atenção do mercado. A Novo Nordisk da Dinamarca tornou-se a empresa mais valiosa da Europa, graças ao seu medicamento para obesidade Wegovy, que ajuda os pacientes a perder peso e também reduz o risco de acidente vascular cerebral. Outras empresas farmacêuticas tentaram competir, mas, em dezembro, a Pfizer descartou a versão duas vezes por dia do seu comprimido experimental para perda de peso, depois de descobrir que provocava uma elevada taxa de efeitos secundários, derrubando o preço das suas ações.
Os medicamentos para perda de peso dominaram as previsões de lucros no outono passado, com empresas de toda a economia pressionadas para saber se o boom com os produtos antiobesidade ajudaria ou prejudicaria suas vendas.
Tristeza bancária
Os últimos 12 meses foram um período misto para os bancos. Embora muitos tenham registrado lucros abundantes, o aumento das taxas de juro deixou-os com perdas nos títulos do governo. Alguns não sobreviveram ao ano. No início de março, o banco norte-americano focado em criptomoedas Silvergate faliu, seguido de perto pelo Silicon Valley Bank. Esta última foi a maior falência bancária dos EUA desde a crise financeira de 2008, e seguiu-se a uma corrida aos bancos cuja velocidade surpreendeu os reguladores. Dias depois, os receios sobre a saúde do Credit Suisse abalaram os mercados.
Mercadorias. O minério de ferro subiu de preço, impulsionado pelos incentivos chineses ao setor da construção civil. A soja ficou mais barata – Imagem: Wenderson Araújo/Sistema CNA/Senar e iStockphoto
Títulos públicos
Os negociantes de títulos suportaram um ano inesquecível durante a maior parte de 2023, antes que a maior recuperação de dois meses já registrada no mercado de dívida levantasse seu ânimo.
Durante a maior parte de 2023, os preços das obrigações enfraqueceram, devido às preocupações de que os principais Bancos Centrais continuariam a aumentar as taxas de juro para conter a inflação. Em outubro, os preços do Tesouro dos EUA atingiram seu nível mais baixo desde 2007, com os rendimentos (a taxa de juros das obrigações) a subirem mais de 5% pela primeira vez em 16 anos.
Tudo mudou em novembro, devido ao otimismo crescente de que a inflação estava a arrefecer e as taxas de juro seriam em breve reduzidas. Os investidores apostaram em obrigações do Tesouro, o que fez subir os preços e desencadear uma forte recuperação do mercado. O Bloomberg Global Aggregate Total Return Index subiu quase 10% entre novembro e dezembro, o melhor resultado de dois meses em dados que remontam a 1990.
Vincent Chaigneau, chefe de investigação da Generali Investments, adverte que essa onda de otimismo poderá vacilar se o Federal Reserve começar a moderar as expectativas de cortes rápidos, ou se a economia dos EUA parar subitamente. “No Natal passado, todos e suas avós temiam uma recessão”, disse. “Um ano depois, todos adoram os Cachinhos Dourados – uma aterrissagem muito suave, se houver, desinflação rápida, grandes cortes nas taxas. Cuidado com as armadilhas do consenso.”
Commodities
O petróleo teve um ano volátil, com os preços pressionados tanto para baixo, pelos receios de uma recessão global, quanto pelo temor de que as tensões geopolíticas pudessem prejudicar a oferta. No fim, o preço terminou o ano em queda de cerca de 10%, apesar dos melhores esforços do cartel da Opep para sustentá-los por meio do corte da produção. Em janeiro, o barril do Brent custava 86 dólares, mas terminou o ano cerca de 10% abaixo, a 77,50.
Na primavera do Hemisfério Norte, o preço começou a cair para 70 dólares o barril, o que estimulou a Opep a reduzir a produção, a fim de apertar o mercado petrolífero. Esses cortes levaram o preço do petróleo para 100 dólares em setembro, mas enfraqueceu nos últimos três meses, antes de uma subida em dezembro, quando ataques a navios no Mar Vermelho provocaram receios de interrupção no transporte.
Por conta da invasão da Ucrânia e o conflito em Gaza, o petróleo teve um ano volátil
Entre outras matérias-primas, os preços do minério de ferro subiram mais de 50%, por conta do apoio da China ao setor imobiliário. Os preços do cacau subiram cerca de 72%, para o seu nível mais alto em quatro décadas, à medida que a escassez global diminuía – e aumentavam os custos para os fabricantes de chocolate. Outras commodities agrícolas enfrentaram dificuldades. O preço do trigo caiu mais de 20%, o do milho, mais de 30%, e a soja perdeu quase 14%, graças ao afrouxamento dos estrangulamentos de oferta e ao aumento da produção.
Ouro
As tensões geopolíticas e a redução das taxas de inflação provocaram alta no preço do ouro em mais de 10% em 2023, melhor desempenho em três anos. No início do ano, a onça valia 1.824 dólares e terminou o ano em 2.065. Marios Hadjikyriacos, analista sênior de investimentos da XM, diz que o ouro foi impulsionado pelo dólar mais fraco e pela queda dos rendimentos reais dos títulos, bem como pelas compras de alguns Bancos Centrais. Ruth Crowell, presidente da London Bullion Market Association, afirma: “O ouro continua a ser o porto seguro preferido em períodos de incerteza e elevada volatilidade”.
Bitcoin
A maior criptomoeda do mundo saltou 150% em 2023, apesar de começar o ano ofuscado pelo colapso da exchange de criptomoedas FTX, em novembro de 2022. Ele saltou de perto de 16,5 mil dólares, no início do ano, para cerca de 42 mil. A recuperação do bitcoin foi alimentada pela especulação contínua de que a SEC dos Estados Unidos aprovaria um fundo negociado em Bolsa. Seria um marco para os investidores, permitindo que grandes instituições comprassem criptomoedas pela primeira vez.
Alguns especialistas acreditam que a aprovação de um ETF Bitcoin pode ocorrer em janeiro, com mais de uma dúzia de empresas aguardando notícias da luz verde da SEC. •
Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves.
Publicado na edição n° 1292 de CartaCapital, em 10 de janeiro de 2024.
Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome
Muita gente esqueceu o que escreveu, disse ou defendeu. Nós não. O compromisso de CartaCapital com os princípios do bom jornalismo permanece o mesmo.
O combate à desigualdade nos importa. A denúncia das injustiças importa. Importa uma democracia digna do nome. Importa o apego à verdade factual e a honestidade.
Estamos aqui, há 30 anos, porque nos importamos. Como nossos fiéis leitores, CartaCapital segue atenta.
Se o bom jornalismo também importa para você, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal de CartaCapital ou contribua com o quanto puder.
Leia também

Mercado financeiro projeta inflação de 3,9% em 2024
Por André Lucena
Otimismo do mercado financeiro com governo Lula aumenta, mostra pesquisa Quaest
Por Getulio Xavier
Bolsa fecha acima de 133 mil pontos e bate novo recorde
Por CartaCapital
Conheça os novos diretores do Banco Central, que assumem o cargo nesta terça-feira
Por CartaCapital