Economia

Malas-artes do dinheiro

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Essa aflição não é real. Na hora do vamos ver, os mercados contam com a tutela do Estado (Foto: RICHARD DREW/ap)
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Não são desprezíveis os riscos embutidos no comportamento dos mercados financeiros pós-crise, empurrados para outra bolha

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Na crise de 2008, o Federal Reserve e seus pares no mundo desenvolvido não vacilaram. Trataram de prover liquidez para conter a qualquer custo a contração do mercado interbancário e a evaporação do dinheiro das famílias e das empresas aplicado nos mercados monetários de curto prazo.

Os balanços dos bancos centrais abriram as comportas para a inundação de ativos sem preço ou reputação. O “independente” Fed utilizou trilhões de dólares para a compra de títulos podres privados.

A crise impôs aos governos manobras desesperadas de transformação de passivos privados em débitos públicos.

Os bancos centrais – uns mais, outros menos – cuidaram de absorver ativos privados em seus balanços, enquanto os Tesouros se incumbiam da emissão generosa de títulos públicos para sustentar a liquidez das carteiras de ativos dos bancos privados.

A experiência do quantitative easing demonstra a articulação estrutural e contraditória entre o sistema de crédito, a acumulação produtiva das empresas, o consumo privado e a gestão das finanças do Estado, particularmente da dívida pública.

No naufrágio financeiro, a estatização dos riscos e das perdas foi a tábua de salvação para os desatinos dos mercados privados. A crise demonstrou para os recalcitrantres do mercadismo que o dinheiro é uma instituição social, cuja natureza não pode ser deduzida das “funções-utilidade” dos agentes privados “racionais”.

Estamos falando do dinheiro como forma geral da riqueza, origem e finalidade incontornável de toda e qualquer operação mercantil entre agentes privados.

O dinheiro é fim e não meio. As relações entre as finanças públicas, a gestão monetária e o setor financeiro privado não são “externas”, de mero intervencionismo. São orgânicas e constitutivas.

Nos tempos de “normalidade”, as formas socializadas do poder privado permitem diversificar a riqueza de cada grupo, distribuí-la por vários mercados e assegurar o máximo de ganhos patrimoniais, se possível a curto prazo.

Os agentes dessas operações são as instituições da finança privada. São elas que procuram antecipar movimentos de preços e definir os instrumentos de hedge e os riscos de contraparte nos mercados financeiros contemporâneos.

Na era da finança global, a integração desses mercados submeteu o processo de “precificação” dos ativos privados e públicos denominados em moedas distintas às antecipações acerca dos rendimentos dos ativos “de última instância”, líquidos e seguros, emitidos pelo Estado emissor da moeda-reserva.

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As análises e avaliações dos efeitos do quantitative easing quase sempre ignoram a importância da expansão da dívida pública para o saneamento e recuperação dos balanços dos bancos. Salvos da desvalorização dos ativos podres que carregavam e agora empanturram o balanço dos bancos centrais, os bancos privados e outros intermediários financeiros garantiram a qualidade de suas carteiras e salvaguardaram seus patrimônios carregando títulos públicos com rendimentos reduzidos, mas valorização assegurada. Só o poder do Estado como gestor da moeda pode garantir o valor da riqueza.

A fixação do “preço do dinheiro”, forma geral da riqueza, pelo Banco Central (taxa de juros básica) tem o propósito de influenciar o movimento das taxas longas e, portanto, afetar as mudanças na margem da composição dos portfólios (estoques de riqueza financeira e reprodutiva) dos possuidores de riqueza, mudanças intermediadas pelo sistema bancário.

A taxa de juros longa exprime, em cada momento, o estado das expectativas que informa as decisões dos detentores de riqueza, temerosos entre as incertezas de criação de riqueza nova (a posse de um novo ativo reprodutivo) e a defesa da riqueza já criada mediante o deslocamento da carteira para os ativos mais líquidos.

Nos momentos de “crise de liquidez”, os portfólios se precipitam em massa para o ativo que encarna no imaginário social e na prática dos agentes privados a forma geral da riqueza. No entanto, se todos correm para a liquidez, poucos conseguem.

Na dança das cadeiras, muitos ficam sem assento.

Só o provimento de liquidez pelo Banco Central salva. Salva, mas acentua a “preferência pela liquidez” dos bancos, empresas e famílias, impulsionando as divergências entre a expansão da riqueza financeira e o gasto produtivo na formação da renda.

Um estudo do Board of Governors do Fed, publicado em novembro de 2015, ilumina esse ponto: “… em reação à turbulência financeira e ao rompimento do crédito associado à crise financeira global, corporações procuraram ativamente aumentar recursos líquidos a fim de acumular ativos financeiros e reforçar seus balanços.”

E continua: “Se esse tipo de cautela das empresas tem sido relevante, isso pode ter conduzido a investimentos mais frágeis do que o normalmente esperado e ajuda a explicar a fraqueza da recuperação da economia global… descobrimos que a contraparte do declínio nos recursos voltados para investimentos são as elevações nos pagamentos para investidores sob a forma de dividendos e recompras das próprias ações… e, em menor extensão, a acumulação líquida elevada de ativos financeiros.”

A expansão da liquidez financia a aquisição de ativos já existentes, reais ou financeiros, como a recompra das próprias ações ou o aumento de recursos líquidos a fim de acumular ativos financeiros e reforçar balanços, em vez de financiar a aquisição de bens e serviços. Novas bolhas de ativos.

As bolsas dos Estados Unidos e os rendimentos nanicos dos bônus do Tesouro fumegam os vapores que sopram às alturas os preços dos ativos.

Nas horas vagas, e nas outras também, as empresas se entregam à bulha da recompra das próprias ações e mandam bala na distribuição de dividendos com a grana do Federal Reserve.

A associação de interesses entre gestores e acionistas estimulou a compra das ações das próprias empresas com o propósito de valorizá-las e favorecer a distribuição de dividendos. A isso se juntam a febre das fusões e aquisições, o planejamento tributário nos paraísos fiscais, o afogadilho das demonstrações trimestrais de resultados e as aflições das tesourarias de empresas e bancos açoitadas com o guante da marcação a mercado.

Não são desprezíveis os riscos embutidos no comportamento dos mercados financeiros pós-crise, empurrados para outra bolha nas bolsas e nos preços elevados (e rendimentos baixos) dos bônus privados e públicos.

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