Economia

Lições da crise do preço do diesel, que ainda não terminou

A interferência desastrada de Bolsonaro no preço do combustível deve ser celebrada por diminuir o apetite dos investidores pelas refinarias

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“Devemos celebrar a desastrada intervenção de Bolsonaro nos preços do diesel. Muitas empresas estavam interessadas na compra das refinarias da Petrobras, uma vez que a estatal tem vendido derivados acima dos preços, por exemplo, do Golfo do México nos Estados Unidos. No caso do diesel a Petrobras, que é extremamente rentável, recebeu mais de 6 bilhões de reais em 2018 em subvenção econômica para se atingir o preço de paridade de importação. Era o paraíso do capital até a intervenção presidencial. Agora, as empresas devem estar com um pé atrás, pois Bolsonaro decidiu naquele episódio tratar a Petrobras como uma empresa estatal, ao contrário do presidente da empresa, Roberto Castello Branco, que a trata como empresa privada e abusa do papel dominante da companhia.”

Ao contrário do que pode parecer, a declaração acima não foi feita por nenhum líder caminhoneiro interessado em pagar o preço mais baixo possível pelo combustível, mas por um especialista no assunto, o engenheiro Paulo César Ribeiro Lima, PhD em Engenharia Mecânica pela Cranfield University, do Reino Unido, ex-consultor legislativo do Senado Federal e ex-consultor legislativo aposentado da Câmara dos Deputados. Lima refere-se à decisão tomada por Bolsonaro de cancelar na sexta-feira 12 o aumento do preço do diesel determinado pela Petrobras na tentativa de evitar nova greve de caminhoneiros. Seis dias depois disso o presidente recuou e devolveu à empresa a prerrogativa dos reajustes de derivados, mas o problema está longe de ser resolvido, mostra a reafirmação pelos caminhoneiros da intenção de greve no dia 29 depois de novo aumento do diesel pela Petrobras acompanhado de paliativos do governo aos motoristas do transporte de cargas.

“Se você interfere assim no mercado como Bolsonaro fez, e ele pode e deve fazer isso pois a empresa é estatal, é preciso entretanto partir do princípio de que a Petrobras vai investir em refino e que nós não vamos depender de importações no futuro”, explica Lima.

“A lição positiva do episódio da interferência no preço do diesel é o tratamento da Petrobras como uma estatal, o que é ótimo, porque tira o apetite das empresas de comprar as refinarias da companhia brasileira. A consequência disso é que empresa privada não vai mais investir em refino no Brasil, mas o problema é que a Petrobras também não está investindo, o que caracteriza uma situação muito difícil de resolver”, chama atenção o especialista.

Um aspecto lamentável é que “a administração da Petrobras defende que a estatal pratique um preço para o diesel acima do mercado internacional de referência e quase todos aplaudem”.

Refino

Depois que a Petrobras deixou de ser monopolista, prossegue, veio o governo Lula que investiu em refino. No governo Dilma, passou-se a controlar mais os preços do que sob Lula, mas foram paralisados todos os investimentos em refino. Temer “fez uma loucura” ao admitir que a Petrobras praticasse o preço que quisesse e não a tratou, portanto, como estatal, deixando o presidente da empresa Pedro Parente fazer o que bem entendesse com os preços dos derivados, com aumentos até diários. “No governo Bolsonaro, os ministros não sabem conceitos básicos de economia. Se uma empresa, a Petrobras, detém 98% do refino, o mercado de derivados tem que ser regulado”, sublinha Lima.

Parente começou a cobrar preços absurdos dos brasileiros pelos derivados, acima do mercado internacional. “Aí certamente haveria investimento externo, pois com preços acima do mercado do Golfo dos Estados Unidos o Brasil seria um paraíso para as empresas estrangeiras comprarem as refinarias da Petrobras.”

O apetite das empresas pelas refinarias continuou mesmo depois da queda de Parente porque a Petrobras passou a receber subvenção econômica do governo, que durou até dezembro. Quando a subvenção cessou, contudo, a estatal voltou a cobrar preços acima do principal mercado internacional. Mais recentemente, no caso da gasolina, houve uma alta muito forte nos Estados Unidos, não acompanhada pela empresa pública. Assim, atualmente a Petrobras está vendendo gasolina por um preço abaixo do Golfo dos EUA. A decisão de Bolsonaro, de não deixar o preço do diesel subir, foi tomada em um momento no qual o preço do diesel voltaria ao Preço de Paridade de Importação. “A administração da Petrobras mente no caso do óleo diesel, quando afirma que pratica Preço de Paridade Internacional, pois o que a empresa pratica é Preço de Paridade de Importação. No caso da gasolina, está praticando momentaneamente preços abaixo da Paridade de Importação, o que também está em desacordo com a ‘política da empresa’”, detalha Lima.

Um susto na turma

Mesmo que o presidente tenha voltado atrás na decisão pessoal de aumentar o preço do diesel, “já deu um susto na turma, que agora está ressabiada porque a ação do presidente foi muito diferente da retórica dele. O fato é que, segundo a política da Petrobras, os preços no Brasil devem ser mais altos que no Golfo dos EUA para um diesel refinado no Brasil e produzido com petróleo nacional, o que não faz, tecnicamente, o menor sentido”, analisa Lima.

“Eu defendo que haja regulação do mercado, por decreto ou por lei, pois o abastecimento nacional de combustíveis é uma atividade de utilidade pública, nos termos da Lei nº 9.847/1999. A imensa maioria dos brasileiros é pobre, não pode estar sujeita a preços mais altos que nos EUA ou à volatilidade dos preços internacionais e do dólar. Propus isso no governo Dilma, mas não foi feito e acredito que Bolsonaro e Guedes também não farão e aí vai continuar a loucura: sem regras claras, ninguém sabe o que vai acontecer, não há investimento privado nem da Petrobras em novas unidades de refino. Os investidores querem as refinarias construídas pela estatal. O cenário é esse”, dispara o especialista.

“O que o ministro da Economia Paulo Guedes e o presidente da Petrobras, Castello Branco, querem é vender cada refinaria, duto ou terminal para uma empresa diferente e assim se teria, segundo eles, um mercado competitivo que permitiria chegar ao preço de equilíbrio do mercado concorrencial. É o que eles têm na cabeça, imagino. O parâmetro poderia ser o Golfo do México nos Estados Unidos, onde há múltiplos agentes. Só que para chegar a essa condição pode demorar 30 anos e a importância do petróleo poderá até ser muito menor que hoje. A tendência é cartelizar e eu acho que a situação idealizada por eles não acontecerá nunca no Brasil. O governo poderia, entretanto, estabelecer esse parâmetro por decreto em vez de esperar décadas para se chegar a uma situação que talvez nunca ocorra. Uma política tributária adequada poderia viabilizar as importações e até investimentos em refino no Brasil. Soluções existem, mas o caos vai continuar”

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