Economia

Latino-americano, brasileiro e nordestino: o legado de Celso Furtado

O Estado e parte da sociedade que temos hoje é o mesmo que Furtado enfrentou no início da década de 1960 como ministro de Jango

Celso Furtado: seu pensamento continua atual
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O mês de novembro é simbólico para os furtadianos, merece ser lembrado sempre que se fala de Projeto Nacional de Desenvolvimento. O décimo e o vigésimo dia de novembro de 2004 compreendem o intervalo entre o último texto de Celso Furtado, publicado no Jornal do Brasil“Para onde caminhamos?” – e o dia de seu falecimento.

Celso Furtado, pensador latino-americano, brasileiro e nordestino. Sua origem não será apenas um acidente do destino, um fato sem maior relevância. Pelo contrário, será o diferencial a determinar a direção do seu legado, teórico e vivido.

Uma vasta obra, cerca de 30 livros traduzidos para mais de dez idiomas, e atuação marcante como homem público – idealizador e superintendente da Sudene (1958-1964), (o primeiro) Ministro do Planejamento (1962-63) e Ministro da Cultura (1986-88). Obra e vida dedicadas a identificar, refletir, derivar e implementar estratégias para superar a armadilha do subdesenvolvimento brasileiro. 

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Fonte de inspiração para economistas e cientistas sociais desde a década de 1950, principalmente a partir do seu livro mais famoso, publicado em 1958. “Inclinei-me a pensar que ter escrito um livro como Formação Econômica do Brasil, que poderia ajudar a nova geração a captar a realidade do País e identificar os verdadeiros problemas deste, representara o melhor emprego de meu tempo”, declara Furtado em A Fantasia Desfeita, de 1989.

Nesta obra, o autor demonstra como a estrutura de produção brasileira e as instituições sociais marcaram a formação de um país desigual regionalmente, concentrador de riqueza e poder, em que as elites rurais e urbanas sustentam sua posição privilegiada a partir da política econômica, socializando as perdas durante as fases adversas do ciclo econômico.

Em 2017, após um ano do golpe jurídico-parlamentar, véspera de um ano eleitoral envolto de incertezas – que incluem a dúvida sobre a própria ocorrência de eleições – retrocedemos décadas na construção da democracia e do desenvolvimento. A ponte para o futuro, na verdade, nos levou de volta para o passado, em que aquelas mesmas elites detentoras do Congresso reforçam seu poder também no Executivo para realizar reformas que apontam para o caminho inverso aos avanços do período da redemocratização, e até mesmo daquele que se pretendia com o Plano Trienal de Furtado em 1962.

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Aí estamos, em pouco mais de um ano de impeachment, diante realmente da desnacionalização dos nossos recursos naturais, depredação do meio-ambiente, subordinação nas relações exteriores, precarização do trabalho, sucateamento dos bens e serviços públicos, cerceamento da educação, cultura e liberdade, opressão das mulheres e negros, dentre outras atrocidades.

Em termos de conservadorismo e autoritarismo, talvez o Estado e parte da sociedade esteja mesmo no início da década de 1960. Para nossa tristeza, não temos mais Celso Furtado para refletir e apontar caminhos a fim de se construir uma nação verdadeiramente desenvolvida, e indivíduos genuinamente emancipados.

Por outro lado, para nossa sorte, temos seu grande legado para continuar a nos inspirar e a nos encher de esperança e a presença de muitos de seus discípulos e amigos, como a querida professora Maria da Conceição Tavares, para reavivar nossa coragem: não há retrocesso que nos impeça de continuar a lutar. 

 

 

* Professoras dos Bacharelados de Ciências Econômicas e de Relações Internacionais da UFABC. Fernanda é atualmente coordenadora do Bacharelado de Ciências Econômicas da UFABC e vice- coordenadora do Núcleo de Estudos Estratégicos em Democracia, Desenvolvimento e Sustentabilidade (NEEDDS) e do grupo de pesquisas em Cadeias Globais de Valor da UFABC (CGV). Cristina realiza pós-doutorado na Technische Universtitat Berlim/ EU Marie Curie IPODI (International Post-doc Initiative) e coordena o grupo CGV.

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