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La garantía soy yo

As mistificações do “técnico” Banco Central e de seu presidente, o “catedrático” Roberto Campos Neto

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Imagem: Edilson Rodrigues/Ag.Senado
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Indiferente ao clamor contra os juros excessivos, o Copom confirmou na quarta-feira 3 a taxa básica de 13,75% ao ano, mas mostra dificuldade crescente para justificar de modo aceitável a insistência em manter o indicador no mais alto nível do mundo. Quanto mais o Banco Central se diz técnico, mais evidente se torna a fragilidade dessa afirmação. Exemplos da precariedade do suposto arcabouço técnico do BC afloraram na longa, e tensa, exposição do presidente da instituição, Roberto Campos Neto, no Senado, na quinta-feira 27.

O ex-executivo de bancos privados iniciou o discurso com a afirmação de que o sistema de metas de inflação funcionou em todos os países. Não há, contudo, evidência empírica robusta na literatura de que países com regime de metas de inflação tiveram desempenho melhor em termos de nível e volatilidade do produto e da inflação em relação aos demais, diz o economista Luiz Fernando de Paula, professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro e coordenador do Grupo de Economia e Política do ­Iesp/Uerj. “É verdade que os países que adotaram o regime de metas conseguiram reduzir a inflação, mas, na realidade, a tendência de queda vinha de antes da implementação de tal regime”, ressalta.

O BC recusa-se a explorar a flexibilidade embutida no regime de metas de inflação

O BC toma decisões técnicas, repisou seu presidente, com a certeza de que com essa ressalva lhe é permitido resvalar no arbítrio, como mostrou, e cabe ressaltar, em recentes interferências no raio de ação do BNDES. “Campos Neto reafirma constantemente que o BC toma decisões técnicas. Contudo, sabemos que existem inúmeros debates sobre os critérios adotados nos modelos econômicos. Para facilitar a conferência de resultados e a replicação, a publicação de artigos científicos requer a disponibilização de dados, códigos e especificações usados para estimativas e projeções. O BC divulga explicações sobre o seu modelo, mas não disponibiliza os códigos utilizados nem a descrição dos parâmetros e critérios utilizados nos diferentes cenários projetados”, compara o economista João Romero, professor do Cedeplar, da Universidade Federal de Minas Gerais. É fundamental, sublinha, que o BC comece a divulgar esse material, como forma de elevar a transparência das suas projeções, sobretudo no contexto de independência. Essa divulgação facilitaria não só a replicação das projeções, mas possibilitaria estimar cenários alternativos com o mesmo modelo. É crucial, entre outros pontos, que a instituição indique quais os benefícios de 1 ponto porcentual a menos de juros em termos de crescimento, desemprego e impacto fiscal. Ao mesmo tempo, é preciso indicar também o custo esperado em termos de elevação da inflação de cada ponto porcentual de redução dos juros. Só assim ficará clara a relação custo-benefício de uma possível queda na taxa. Esses dados ainda não foram apresentados com clareza, ressalta o professor da UFMG. A suposta boa técnica, conclui-se, além de não parar em pé, só consegue se manter com algum prestígio porque o BC simplesmente sonega os dados necessários à aferição do seu padrão de qualidade.

Em outro ponto do depoimento, Campos Neto disse que os dados mostram que o sistema de metas de inflação faz cair a taxa rapidamente em uma banda muito mais estreita. É meia verdade, mostra De Paula nas considerações a seguir. “Não há dúvida, a menor inflação gera vantagens em termos de crédito, mais investimento, melhora no salário real, mas a questão fundamental é quão eficaz tem sido a política de juros implementada pela atual administração do BC e qual a taxa de sacrifício, em termos de perda de produto e emprego, tal política tem gerado. O professor prossegue: “Esta é a questão relevante, pois o BC tem elevado mais a taxa de juros básica do que seus congêneres no mundo, e a inflação brasileira medida pelo IPCA, de 4,7% acumulado em 12 meses em março de 2023, mesmo após a reoneração parcial dos impostos sobre os combustíveis, está abaixo dos EUA (5%), Zona do Euro (6,9%) e México (6,9%). Há um problema na dosagem da taxa de juros”.

Em queda. O preço do petróleo refluiu e puxou para baixo os índices de preços. Mas o BC continua reticente – Imagem: Renato Luiz Ferreira

O presidente do BC destacou, contudo, que a inflação no Brasil hoje está abaixo da média do mundo desenvolvido e do mundo emergente, com exceção da Ásia, que tem países de inflação mais baixa e que, em alguns momentos, houve descolamento do sistema de metas, em geral para trocar crescimento por um pouco mais de inflação, como ocorreu também na Argentina e na Turquia. “Tenho muita resistência em aceitar comparações entre Brasil e Argentina, com o argumento de que o Brasil pode se tornar a Argentina. Em geral, quem faz a comparação é por ignorância ou má-fé, ou combinação dos dois, pois a realidade das duas economias é completamente distinta”, dispara De Paula. A Argentina, afirma, tem uma pauta de exportações menos diversificada que a brasileira, um nível de reservas cambiais relativamente menor, inserção internacional limitada e um sistema financeiro atrofiado. Desse modo, qualquer crise no balanço de pagamentos, como ocorre agora, se expressa numa maior demanda por dólar por parte dos argentinos e uma aceleração inflacionária, que não é o caso do Brasil.

O fato de o País ter, hoje, uma inflação abaixo de vários países desenvolvidos deixa explícita a rigidez excessiva da atuação do BC, destaca Romero. O Brasil exibe os maiores juros reais do mundo. Isso indica que, mesmo com metas de inflação inferiores, os Bancos Centrais de outras nações têm sido mais parcimoniosos na elevação dos juros, possivelmente por entenderem que o mundo ainda se recupera de diversos choques de oferta, da pandemia, da guerra na Ucrânia e da elevação de preços de combustíveis, argumenta ­Romero. “Este fato desmonta o argumento da atuação técnica do BC brasileiro, pois imagino que Campos Neto não esteja querendo dizer que os Bancos Centrais de EUA e Europa não têm atuado de forma técnica por permitirem inflação mais elevada e juros menores, mesmo com meta mais baixa. Em resumo, essa constatação torna muito difícil aceitar as justificativas do presidente do BC para a manutenção da Selic em seu elevadíssimo patamar atual.”

O BC recusa-se a explorar a flexibilidade embutida no regime de metas de inflação

Para o economista Paulo Gala, professor da FGV de São Paulo, o regime de metas de inflação é o pior existente, exceto todos os outros e não há nada melhor para colocar no lugar. “Ocorre que a margem de manobra desse regime é muito grande. Temos hoje 1,5% de teto e de piso da banda, que poderia ser utilizado. O Banco Central não precisa se comportar de maneira binária, só baixando juros quando a inflação convergir para a meta”, dispara Gala. “Ele poderia acertar a situação da política monetária ao longo do tempo. Se a inflação tende a convergir para a meta, não precisa de uma política monetária tão restritiva. Acho que eles vão acabar por cortar os juros no segundo semestre.”

A chave, prossegue Gala, é o fato de o regime de metas de inflação carregar essa flexibilidade embutida. Cabe à diretoria do Banco Central utilizar essa possibilidade, e é claro que isso está sujeito à interpretação por parte da diretoria e do presidente, mas a margem de manobra está colocada, o sistema comporta. “Temos uma meta para este ano de 3,35%, para o ano de 3%, com uma margem de tolerância de 4,5%. O mercado espera para o ano que vem uma inflação de 4%, abaixo dos 4,5% do teto da banda. Portanto, acho que seria perfeitamente possível começar a cortar juros no segundo semestre usando esse arcabouço. Esta é a questão mais importante, na minha opinião.”

Para atender aos interesses do Brasil, Campos Neto e o Banco Central não precisam, portanto, ser sensíveis à devastação socioeconômica aprofundada no governo anterior, mas apenas técnicos. •

Publicado na edição n° 1258 de CartaCapital, em 10 de maio de 2023.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘La garantía soy yo ‘

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