Economia
Justiça social
Os ricos, mal tributados, devem pagar a conta da isenção de IR, defende Dario Durigan, da Fazenda


A lei para isentar de imposto de renda quem ganha até 5 mil reais inquieta alguns parlamentares pelo que tem na outra face: a taxação compensatória de 141 mil brasileiros que embolsam acima de 50 mil por mês. O Congresso é sempre sensível à causa dos endinheirados, além de ser ele próprio parte dessa categoria. Deputados e senadores ganham 46 mil mensais. Aprovarão a promessa de campanha de Lula tal qual o desenho preparado pelo Ministério da Fazenda? Ao elevar a isenção de 3 mil para 5 mil em 2026, o governo beneficia 10 milhões de contribuintes e abre mão de 25 bilhões de reais de receita anual. Esta quantia precisa ser compensada por outra fonte, para que o orçamento não seja cortado na área social e para que o terrorismo fiscal do “mercado” não tumultue a economia. O governo até topa discutir alternativas com o Congresso, desde que o princípio da “justiça tributária” seja preservado. A conta tem de ir para os ricos, afirmou o secretário-executivo da Fazenda, Dario Durigan, em entrevista ao repórter especial André Barrocal no programa Poder em Pauta. A seguir, os principais tópicos da conversa. A íntegra está disponível no canal do YouTube de CartaCapital.
Timing da lei
A gente já arrumou a casa do ponto de vista fiscal. Tanto que agora a gente não vai abrir nenhum flanco de impacto para a Receita Federal. O nosso debate é de justiça social. Tendo arrumado a casa, tendo melhorado o ambiente de negócio, tendo melhorado a vida das pessoas, a gente quer fazer justiça nesse terceiro ano para, dentro desse mandato do presidente Lula, entregar essa reforma da renda, que é histórica.
“Um país menos desigual” é bom para todos
Justiça social
Nosso País carrega injustiças históricas. Não estamos falando de injustiça dos últimos anos, mas dos últimos séculos. Não é uma tarefa simples, sendo responsável com a população, com os impactos na economia, fazer uma mudança que corrija de uma vez por todas, e de maneira abrangente, o problema da má distribuição de renda no Brasil. Mas eu diria que um mínimo a gente consegue, é esse o grande objetivo da proposta. Quando a gente tem um país menos desigual, a vida de quem é mais rico também melhora. É difícil dizer que um milionário tem que seguir pagando menos imposto do que um PM ou uma professora.
Isenção parcial
Seria muito injusto se quem ganhasse até 5 mil reais pagasse zero (de imposto) e quem ganhasse 5.010 voltasse a pagar (imposto) cheio dentro da tabela progressiva. Imagina que um trabalhador ganha hoje 4,8 mil, aí o patrão vem e diz: “Olha, vou te dar um aumento para 5,1 mil no ano que vem”. O trabalhador vai dizer: “Não, eu vou passar a ganhar menos, porque eu vou começar a pagar imposto de renda quando hoje eu não pagaria”. A classe trabalhadora aumentou seu salário no Brasil nos últimos dois anos, tanto do ponto de vista dos acordos coletivos, quanto dos dissídios. A gente quer que ela siga aumentando. E para isso, a gente zera (o imposto) até 5 mil reais e cria essa escadinha dos 5 mil aos 7 mil reais.
Responsabilidade. Manter em ordem as contas públicas é parte da solução, diz – Imagem: Washington Costa/Ministério da Fazenda
Só isentar, não
É importante dizer, e eu vou fazer isso com toda deferência ao Congresso Nacional, que a gente acredita em responsabilidade fiscal, que é basicamente ter as contas em ordem. A gente precisa organizar as contas públicas, porque, diferentemente do que se viu na última década, a gente precisa organizar o País para gerar perspectiva de futuro, as pessoas têm que ter prosperidade, e a gente vai começar isso com responsabilidade fiscal. Quem está defendendo fazer isenção e ponto vai causar desfalque no SUS, no Farmácia Popular, no Pé-de-Meia… Porque o Estado não vai se financiar e vai deixar de poder fazer política pública. Não é o que a gente quer.
Quem paga a conta
O nosso intuito, o intuito do presidente Lula, era tributar os milionários. Imagine que um milionário que tivesse uma renda anual de 1,1 milhão de reais tivesse que contribuir com 10% e alguém com renda anual de 990 mil reais não tivesse que pagar nada mais… A gente teria um descompasso, você teria um incentivo para uma maquiagem de: “Não, eu tive uma renda de 990 mil, de 980 mil, não de 1 milhão”. Então a gente criou uma escadinha (de taxação) que começa com 50 mil por mês, para evitar a burla, o planejamento tributário, a maquiagem. O imposto será de 0,5% no começo dessa escadinha. Vai ter que pagar até 10% quem ganha 1,2 milhão por ano. O grande objetivo era alcançar quem ganha 1,2 milhão por ano.
“O trabalho no Ministério da Fazenda foi apresentar a melhor solução possível”
Rico “injustiçado”?
Ao contrário. De fato, o que nós temos é uma situação límpida, cristalina de injustiça flagrante. O ministro (Fernando) Haddad tem dito, e vou repetir. Muita gente tem orgulho de dizer que o Brasil está entre as dez maiores economias. Agora, ao mesmo tempo, a gente não consegue ficar em paz quando vê a nossa economia entre as mais desiguais. E um elemento da desigualdade é tributar pouco a alta renda. É imperativo que a gente exija mais dos mais ricos. Essa contribuição vai permitir ter, por exemplo, um SUS atuante em momentos de pandemia, policial, professor, assistente social minimamente bem remunerados. Parece-me um clamoroso absurdo dizer que essa tributação mínima dos mais ricos é injusta.
Taxar dividendos
Não estamos falando em tributação de dividendos, mas em tributar a alta renda. Pode ter uma pessoa de classe média, uma pessoa mais simples, que entrou lá no mercado de ação, está investindo e recebe o dividendo de uma empresa. Esse dividendo pago a quem não é super-rico não será tributado. Por isso que nossa proposta não se confunde com tributação de dividendo. Mas, se eu não mexo na isenção do dividendo, não pego o super-rico. De outro lado, se eu só digo “vou tributar dividendo”, eu tributo todo o dividendo do País. O que estamos fazendo é dizer o seguinte: “Olha, não tem escapatória. Ganhou essa renda no País e é milionário, tem que contribuir com 10%”. Para garantir que isso seja efetivo, faço uma retenção na fonte de dividendo pago em alto valor no Brasil. Se uma empresa brasileira paga dividendo de mais de 50 mil reais, ela tem que reter 10%, para que a nossa proposta funcione. Quando o dividendo é pago para o exterior, e aí não importa se é para pessoa física ou jurídica, esse dividendo, e também não importa o valor, tem que ter tributação de 10% na fonte, sob pena de todo mundo sair do Brasil e querer receber o dividendo lá. Poderia ser uma prática da alta renda, que tem mais facilidade de se mobilizar em territórios diferentes do mundo, para burlar a regra brasileira. Com a retenção na fonte do dividendo pago acima de 50 mil reais no Brasil e pago para o exterior, a receita vai ter que devolver parte desse crédito no ajuste anual de imposto de renda.
Confiança. Motta, presidente da Câmara, está aberto ao diálogo, acredita Durigan – Imagem: Douglas Gomes/Republicanos na Câmara
Futuro no Congresso
Estou muito confiante de que a gente vai aprovar essa medida. A primeira coisa a ser feita é abrir um diálogo com o Congresso, esclarecer as dúvidas e pedir que os relatores desse tema sejam relatores que tenham liderança no Congresso, que conheçam minimamente do tema, sejam comprometidos com justiça social, não com qualquer coisa diferente disso, e que tenham experiência com o tema tributário. A relatoria é fundamental. O presidente Hugo (Motta) deu uma declaração nesses dias de que, assim que voltar do Japão com o presidente Lula, vai indicar quem será relator na Câmara e qual será a tramitação. Precisamos ter a medida aprovada antes de 1º de janeiro, aprovada ainda em 2025 para que valha em 2026.
Hugo Motta
O presidente da Câmara dos Deputados não faltou ao debate econômico que a gente fez no Congresso nesses dois anos. Vou lembrar algumas medidas: taxação dos fundos exclusivos, taxação de offshore, recomposição fiscal por empresa que recebe benefício no Estado. Ele nos ajudou em todos esses debates. Segunda coisa: no discurso (no dia da apresentação da lei), ele disse que tem compromisso com a responsabilidade fiscal. Se tem e está favorável à isenção dos 5 mil, é metade do caminho. Aí tem que discutir a compensação. O que vou dizer ao deputado Hugo Motta e aos líderes da Câmara é que o trabalho no Ministério da Fazenda foi apresentar a melhor solução possível. O nosso ponto é que a gente precisa buscar uma compensação se não exatamente nos termos que a gente mandou, ao menos nessa linha de contribuição dos mais ricos. •
Publicado na edição n° 1355 de CartaCapital, em 02 de abril de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Justiça social’
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