Economia
Ilusão de ótica
A ditadura dos juros continua e a economia depende de o PAC dar certo
A melhora significativa da economia, na comparação com o abismo em que foi lançada nos governos Temer e Bolsonaro, e o salto do PIB no primeiro e no segundo trimestres, assim como a revisão para cima das projeções de crescimento neste ano, tendem a desfocar a atenção das dificuldades da situação atual, que não devem ser subestimadas. O crescimento inesperado do PIB tem muito de efeito estatístico, apoia-se principalmente no agronegócio e no gasto público e diz pouco sobre o quadro atual e as perspectivas da economia como um todo.
“Se você junta juro alto, economia fraca, as incertezas sobre o resultado fiscal e quanto aos efeitos da reforma tributária, é uma coisa pesada. Sem o Programa de Aceleração do Crescimento, fica difícil a economia crescer”, alerta José Francisco Lima Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator. O País já cresceu o que tinha para crescer neste ano, porque o agro já entregou a produção, a indústria caiu e os serviços estão zerando. “O PIB foi puxado por ilhas de crescimento, que ocorreu em nichos. É muito difícil olhar para a indústria e ver um ambiente virtuoso. Infelizmente, não tem. Caso ocorra queda do PIB da indústria de transformação, vai ser a sétima em dez anos. Há uma condição adversa para o setor industrial”, sublinha Igor Rocha, economista-chefe da Fiesp.
Os juros elevados continuam a ser a principal amarra da economia, e as perspectivas não são animadoras. “Os fortes movimentos da curva de juros mostram a deterioração das condições financeiras e quão longe estamos de uma situação que reflita expectativas favoráveis”, destaca o Boletim Economia Online, do Banco Fator. “Os juros mais longos cederam bastante, mas ainda estão em patamares proibitivos para a economia: quem aguenta pagar juros reais de 8% ao ano por dez anos?”, destaca o texto.
“A indústria começa a tomar crédito a 25% ao ano. Esquece, não tem como isso dar certo. Não tem como”, ressalta Rocha. Segundo o Fator, a perspectiva de expansão via crédito é bastante modesta e assim vai continuar, mesmo com a queda dos juros. A produção industrial começou no vermelho, com recuo de 0,3% no primeiro semestre, em comparação com o mesmo período do ano passado, o setor de bens de capital segue em contração, os licenciamentos de veículos voltaram a cair. Um quadro que não chega a ser contrabalançado pela alta do setor de bens de consumo e a deflação dos alimentos, entre outros aspectos positivos da evolução da economia.
A indústria começa a tomar crédito a 25% ao ano. “Não tem como isso dar certo”, diz Rocha, da Fiesp
Apesar de o PIB do segundo trimestre ter sido melhor do que o esperado, a composição dele não trouxe novidades, pondera Gonçalves. “Ainda teve alguma coisa de agro, mas acho que o ponto nem é esse, porque ninguém imagina que o agronegócio vai contribuir mais até o fim do ano. A indústria de transformação continua afundando. A indústria de extração, que era a que estava segurando o conjunto do segmento da indústria neste primeiro semestre, foi muito mal em julho.” Isso quer dizer que, se a Petrobras não aumentar a produção, poderá ocorrer queda na extração mineral no segundo semestre. Não é o que se espera, mas já desacelerou e depende, portanto, de a estatal produzir mais.
Quanto a serviços de utilidade pública, principalmente energia elétrica, isso mudou de patamar pelo efeito da bandeira verde da tarifa, que não vai se repetir, diz o economista. Ou seja, daí não vem crescimento também. Construção é onde pode ocorrer algum dinamismo, mas isso está na conta. Quando se vê a indústria de transformação caindo, o setor elétrico sem crescer e a extração mineral crescendo menos, significa que o conjunto da indústria vai cair. “Ou seja, o agro vai cair, a indústria vai cair. Do lado de serviços, é o que se vê há alguns trimestres. O mercado de trabalho continua criando vagas e a renda continua crescendo, só que isso num ritmo cada vez menor, que caminha para zero”, chama atenção Gonçalves.
A piora do setor de serviços é lenta, mas persistente. O conjunto das situações apontadas acima sugere que, no segundo semestre, “se não acontecer nada, se a economia não crescer e não cair, estará muito bom”.
A economia vai crescer de 2,5% a 3% este ano, apontam as projeções dos economistas com as maiores taxas de acerto nas suas estimativas. “O que me preocupa é se, no fim do ano, a economia estará desacelerando ou em contração. Porque isso será a cara do ano que vem, a passagem para 2024. Esse é o risco que vejo. Efeito de queda de juros, que reverta as tendências apontadas, não consigo identificar”, ressalta Gonçalves.
Movimentos. O aumento da produção da Petrobras aliviaria o cenário. Adquirida pela chinesa State Grid, a CPFL é a maior empresa de energia elétrica da América do Sul
O ritmo estabelecido para a queda dos juros está mais para uma redução demorada das taxas do que para um declínio rápido. “O que está aí no mercado me parece que é um meio-termo. Não acho que a Selic cairá abaixo de 9%. O ritmo da queda da inflação é lento e isso é usado como justificativa. Eu posso não concordar, mas é o argumento dominante e o pessoal do mercado gosta desse argumento.”
A oposição entre a redução de juros e o orçamento com a expectativa de déficit para o ano que vem é outro ponto para justificar cautela, dentro do raciocínio do mercado. O ritmo com que o resultado fiscal se comporta não vai resultar em grande melhora nas expectativas.
“Os juros tendem a cair no ritmo lento atual. Caíram 50 pontos, mas em termos reais, olhando para a inflação esperada, ainda estão em 8%. Essa taxa, em um processo de queda de juro, é muito alta. Esse ritmo não proporciona um alívio tão forte assim. Um alívio forte, na lógica dos agentes do mercado, precisaria ter um juro real não de 8%, mas de 4,5%, ou 4%. Isso quer dizer que ainda restariam 4 pontos para cair. Seriam oito quedas de meio ponto porcentual cada uma. É isso o que o mercado enxerga. Uma queda lenta. É muito difícil crescer dessa maneira”, ressalta o economista do Fator. O que sobra é o PAC.
“O novo PAC tem elementos positivos, eu gosto da nova roupagem do programa. Acho que houve um aprendizado com o que aconteceu ao longo do tempo. Ele tem por base projetos mais bem estruturados, o que é bom. Traz a convergência com a iniciativa privada, o que é muito positivo”, chama atenção Rocha, que destaca a evolução significativa dos órgãos de controle e de fiscalização, no aprendizado quanto à infraestrutura e à melhora na estruturação dos projetos. “Ao fazer convergir investimentos públicos e investimentos privados, de forma bastante pragmática, tal como está sendo apresentado, o PAC tem boas perspectivas para dar certo. Claro que a gente só vai saber o resultado do jogo quando ele for jogado. Mas, pelo menos até agora, pelas intenções que estão sendo postas, está parecendo fazer sentido”, acrescenta o economista da Fiesp.
O PAC tem uma característica interessante, destaca Gonçalves, que é trabalhar primeiro com crédito e garantias em lugar de gasto público. É possível manter a participação do governo no programa, em cerca de 50 bilhões de reais por ano, mais financiamento para o setor privado fazer investimentos, obras de infraestrutura e a Petrobras, que deverá voltar a investir. Ele reúne estatais e setor privado, no que se refere a Parcerias Público-Privadas, principalmente. “Há ainda algumas joias em rodovias e portos e tem bastante espaço para PPPs urbanas. Em mobilidade urbana, tem muito gringo de olho. Caso se consigam 250 bilhões de reais em investimento por ano, através do PAC, haverá alguma chance de, minimamente, manter a economia em torno de 2% de crescimento”, prevê.
O novo PAC combina melhor os investimentos público e privado
Até as empresas privadas “se convencerem e tomarem coragem”, mas será preciso avançar na queda dos juros e na reforma tributária. “Não dá para imaginar que as empresas brasileiras, que vão fechar o orçamento neste mês ou no próximo, e as empresas estrangeiras, que já fecharam o orçamento para o ano que vem, tenham contemplado grandes projetos sem saber como será a tributação. Seria meio esquisito”, ressalta Gonçalves.
Cabe destacar a existência de complicações adicionais. Em 2008 e 2009, os efeitos da crise das hipotecas subprime, nos EUA, foram rapidamente debelados no Brasil porque os bancos públicos atuaram com firmeza para baixar os juros. Hoje, essa capacidade está reduzida, porque a capitalização dos bancos públicos está no arcabouço fiscal.
Parte do financiamento do PAC está no Orçamento, parte virá de crédito via BNDES. Ainda que o Tesouro não entre para capitalizar o banco público, ele pode trazer dinheiro do exterior. O histórico de investimentos chineses estratégicos relevantes em infraestrutura na América Latina, a exemplo da compra, pela State Grid, da CPFL, a maior empresa de energia elétrica da América do Sul, permite imaginar que a China tende a desempenhar um papel importante, tanto no investimento direto quanto no crédito.
A presença da ex-presidente Dilma Rousseff à frente do Banco dos BRICS significa, ao menos para uma parte do mercado, uma ponte de facilitação do financiamento chinês. Quanto ao capital privado para infraestrutura, aposta-se em um regime de investimento privado de parceria, isto é, em que o risco não seja todo do setor privado. Um exemplo considerado bem-sucedido é o do Metrô de São Paulo, com linhas que se pagam. Uma ressalva é que o setor privado costuma ser muito mais operador do que investidor, faz mais operação e manutenção.
De todo modo, isso promove atividade econômica e gera investimento. “Outro ponto são as garantias. É possível ter garantias do Tesouro, para o setor privado, ou para projetos de parceria, e essa conversa eu sei que está andando”, destaca Gonçalves. “Não é caixa, não tem que pôr o dinheiro lá. Dá-se uma garantia e, se o projeto é bom, não será necessário executar a garantia. Esta é que é a ideia. O passo decisivo é esse. Se isso ajudar a economia a andar, temos chance. Mas não se trata de algo simples”, sublinha o economista. •
Publicado na edição n° 1277 de CartaCapital, em 20 de setembro de 2023.
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