Economia

Ideologia e interesses levaram a erro de diagnóstico da crise fiscal

Economista do Bard College, dos EUA, acredita que governo brasileiro e ‘mercado’ evitam discutir dívidas de empresas para não debater juros

“Falta de confiança” é a premissa da austeridade adotada pelo ex-ministro da Fazenda Joaquim Levy. Ideia permanece com Henrique Meirelles
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O governo tem um diagnóstico errado das razões da crise econômica e por isso adota uma terapia equivocada desde o início da política de austeridade fiscal com Joaquim Levy na gestão Dilma Rousseff, com prejuízos para o PIB e o brasileiro em geral. O recente anúncio de rombos fiscais extras pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, entusiasta da austeridade, reforça que o País vai pelo mau caminho. 

Essa é a opinião de Felipe Rezende, professor associado de Economia e Finanças em um instituto de Nova York, o Levy Economics, do Bard College. “É uma crise diferente das demais da nossa história. Há esgarçamento dos balanços das empresas, por queda de demanda, e aumento do endividamento financeiro”, diz. “É muito mais grave do que falta de confiança.

O diagnóstico correto, segundo Rezende, esbarra em razões “ideológicas”, comerciais e no fato de que a maior parte dos economistas em ação no governo e no “mercado” foi treinada em escolas alinhadas aos interesses do capital financeiro, o grande beneficiado do erro analítico.

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“Falta de confiança” é a premissa da austeridade adotada desde Levy. Por este raciocínio, o governo gastava demais, o que criou buracos fiscais. Daí o “mercado” passou a fazer análises pessimistas e a desconfiar do rumo da dívida pública, o que encareceu o dólar e causou inflação. Empresas e famílias então cortaram investimentos e compras, afetando o PIB. A austeridade quebraria esse círculo vicioso ao interromper a “gastança” que deu origem a tudo.

Para Rezende, não foi nada disso. O que aconteceu foi que as empresas endividaram-se demais e não conseguiram gerar caixa para pagar empréstimos. De 2002 a 2015, informa o BIS, uma espécie de Banco Central mundial, o endividamento de empresas e famílias no Brasil subiu 226%. Já a geração de caixa das firmas, o Ebitda, cresceu apenas 10%. “A lucratividade das empresas caiu e para ajustar seus balanços elas cortaram os investimentos”, afirma o economista.

A tesourada nos investimentos acentuou-se a partir de 2014, segundo o professor, que estudava o fenômeno desde 2012. No primeiro trimestre de 2017, a taxa de investimento na economia caiu pela 12a vez consecutiva, de acordo com o IBGE. Não por acaso as novas projeções fiscais de Meirelles indicam que a arrecadação do governo está nos piores patamares deste século.

O fenômeno do endividamento não entra nos discursos e nas análises da equipe econômica, ao menos em público. Mas acaba de entrar no de duas entidades do setor industrial. Estudos recém divulgados pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) e o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI) identificaram situações parecidas.

Segundo a CNI, a geração de caixa de metade das empresas pesquisadas é inferior às despesas financeiras delas. Em 2010, isso ocorria em apenas 30% dos casos. Até 2014, oscilou de 33% a 35%. A projeção da entidade é que até o fim de 2017, 40% delas ainda estejam nesta condição. A CNI cobra do governo uma solução emergencial para o endividamento das empresas.

O peso dos juros foi tanto para as indústrias endividas, que de 2010 e 2016 elas transferiram para o sistema financeiro em média 2% do PIB ao ano por meio do pagamento de juros e dívidas. É o que aponta o estudo do IEDI.

Para Felipe Rezende, é esse enriquecimento do sistema financeiro via juros que impede que o diagnóstico correto da crise fiscal seja feito pelo “mercado” e a Fazenda. Levy tinha larga passagem pelo mundo das finanças e era diretor da área de gestão de recursos do Bradesco quando virou ministro de Dilma. Meirelles fez carreira no BankBoston e é um queridinho do “mercado”.

“O Brasil está hoje no pior dos mundos”, diz Rezende. “O incentivo da atividade econômica por meio de cortes de juros pelo BC tem alcance limitado, pois as empresas seguem endividadas, sem condições de investir. Ao mesmo tempo, o governo faz cortes no orçamentos e não investe. Não há de onde vir estímulo ao crescimento.”

A variável chave, comenta o professor, aquela que pode quebrar o círculo vicioso em que o Brasil está metido, é o gasto público. Mas este foi demonizado nos últimos anos. Outro problema que o País precisa resolver.

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