Economia

Hipocrisia Fiscal Eleitoral

À direita e à esquerda, candidatos prometem equilibrar as finanças do Estado e ao mesmo tempo ampliar os gastos, mas ninguém explica como

Durante a campanha, não há austeridade de promessas
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Em meio à tragédia do Museu Nacional, candidatos se apressam em assumir promessas genéricas de defesa do patrimônio público para, em seguida, reafirmar o compromisso com os cortes de gastos públicos.

Nada mais hipócrita. Essa é uma pequena amostra da marca dessa eleição: a simultânea defesa da emenda do teto de gastos e da expansão dos serviços públicos, como se a austeridade fiscal fosse um remédio milagroso sem efeitos colaterais.

Campeão de hipocrisia fiscal, o austero Henrique Meirelles, pai do teto de gastos que desvincula o piso constitucional da educação pública das receitas de impostos, propôs em seu programa “uma verdadeira cruzada pela qualidade do ensino público no Brasil”. Haja desfaçatez.

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Meirelles é o candidato do fracassado discurso ideológico do “pacto pela confiança” (nome do seu programa de governo) que repete desde 2015, como um disco arranhado, que o ajuste fiscal vai recuperar a confiança e gerar crescimento. Na hipocrisia desse discurso, os cortes de gastos são uma necessidade técnica e não uma escolha social.

Alguém deveria perguntar a Geraldo Alckmin: “Candidato, a aritmética é simples, a emenda constitucional 95, que o senhor defende, vai impor uma drástica redução do governo federal (cujo gasto deve passar de 19% para 12% do PIB  em 20 anos). Para viabilizar esse projeto econômico, quais as categoria de funcionários públicos o senhor vai demitir? Quais as transferências sociais vai cortar e quais os programas sociais vai extinguir? Em suma, qual parte do Estado você vai desconstruir, candidato?”

É também o caso de dizer para a Marina Silva que a sua ênfase na preservação do meio ambiente esbarra na realidade do ajuste fiscal que ela defende. Como mostram os dados de Camila Gramkow no livro “Economia para poucos”, o orçamento discricionário do Ministério do Meio Ambiente encolheu em torno de 30% de 2014 para 2017, enquanto isso a taxa de desmatamento na Amazônia voltou a crescer depois de mais de 10 anos de queda.

Como proteger o meio ambiente se o ministério responsável e suas autarquias não tem recursos para abastecer um automóvel nem para pagar o pessoal que faz a fiscalização? Os cortes de gastos públicos são sinônimo de mais desmatamento, mais chances de desastres ambientais, como o de Mariana em 2015, ou de queimadas como a da Chapada dos Veadeiros em 2017. Sim, a austeridade degrada o meio ambiente.

Na insanidade fundamentalista também há contradição. Paulo Guedes precisa explicar como ele vai implementar a proposta estapafúrdia de “militarização do ensino” do seu candidato, e abrigar as dezenas de milhões de crianças – da pré-escola, dos ensinos fundamental e médio – em escolas militares que custam em torno de três vezes mais para os cofres públicos.

Aliás, o anacronismo de Guedes remete à ditadura neoliberal de Pinochet que criou um “apartheid educativo” com escolas públicas sucateadas e um sistema privado subsidiado e desregulamentado.

Apesar de defender a revogação do teto de gastos, o campo progressista não está livre da hipocrisia fiscal, principalmente quando se aventura a prometer reduções rápidas do déficit público, preservando gastos e investimentos.

É preciso mostrar as contas do aumento da arrecadação ou assumir o gradualismo, algo que seria razoável depois de anos de ajuste fiscal contraproducente, se não fosse o ambiente de terrorismo fiscal que se instaurou no Brasil.

Certo está o Partido Novo, apelidado de “PSDB personalité”, que escapa da hipocrisia ao trazer as novidades do “laissez-faire”, diretamente do século XIX. Na lógica do “novo”, o Museu Nacional estaria privatizado e seu acervo não queimaria, pois teria sido vendido ao exterior. 

* Pedro Rossi é professor do Instituto de Economia da Unicamp e organizador do livro “Economia para poucos: impactos sociais da austeridade e alternativas para o Brasil”

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