Economia

Haddad recebe evangélicos e diz que buscará entendimento jurídico sobre isenções

‘Vamos entender o que a lei diz e vamos cumprir a lei’, disse o ministro; evangélicos dizem que ato será restabelecido com ajustes

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ao lado do deputado Marcelo Crivella (Republicanos-RJ), bispo da Universal. Foto: Victor Ohana/CartaCapital
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O ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), confirmou a manutenção da ordem que suspendeu um Ato Declaratório Interpretativo sobre a lei de isenção de impostos a pagamentos feitos a líderes religiosos, até que haja um entendimento do Tribunal de Contas da União sobre como a legislação deve ser interpretada.

Segundo o petista, esse exame será “rápido”. A análise deve ser realizada em parceria com a Advocacia-Geral da União e com membros da Frente Parlamentar Evangélica. Segundo o petista, ainda há dúvidas sobre qual o potencial do ato de, de fato, ampliar benefícios às igrejas.

“Como há dúvida em torno da extensão de benefícios que podem ser indevidos, o papel da Receita é buscar o entendimento do Tribunal e da Advocacia-Geral para cumprir a lei”, destacou o ministro nesta sexta-feira 19. “Receita Federal não faz lei, ela cumpre lei.”

Para Haddad, a própria lei interpretada pelo Ato Declaratório “dá margem a mais de uma interpretação”.

“Não podemos conviver com uma lei tributária que não dá clareza para o auditor. Então, não foi uma revogação, nem uma convalidação. Foi uma suspensão. Vamos entender o que a lei diz e vamos cumprir a lei.”

‘É preciso dizer: a interpretação correta é essa. Assim que a AGU ou o TCU disserem que a orientação correta é essa, cumpre-se’, disse Haddad.

As declarações ocorreram após uma reunião de Haddad com os deputados Silas Câmara (Republicanos-AM), presidente da Frente Parlamentar Evangélica, e Marcelo Crivella (Republicanos-RJ), bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus. O encontro ocorreu no Ministério da Fazenda em Brasília.

Segundo Silas Câmara, a suspensão do Ato Declaratório Interpretativo não cortou nenhum benefício já garantido por lei às igrejas. O deputado frisou que a o ato é apenas regulatório. A jornalistas, o parlamentar disse ter expectativas de que o ato seja restabelecido com ajustes.

“Não existiu nenhuma quebra de princípio em termo de leis [com a suspensão. O ato só regulava, só esclarecia”, afirmou. “O ato não gera benefício. Estamos questionando a queda de um ato regulatório que esclarecia para o órgão fiscal como fazer a abordagem da lei. Sem o ato, termina dando liberdade para qualquer pessoa aplicar a lei do jeito que quiser.”

À imprensa, Crivella defendeu o governo federal e negou que haja uma postura “contra as igrejas”.

“Vamos deixar bem claro: não há nenhuma perseguição do governo com relação à lei que foi aprovada, que dá, sim, imunidade com relação à folha de pagamentos de pastores, que não são contratados, que não têm carteira assinada. Eles são como os padres, vocacionados”, disse o deputado.

Ato foi suspenso em 15 de janeiro

A polêmica teve início com a decisão do secretário especial da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, de suspender, em 15 de janeiro, a eficácia do Ato Declaratório Interpretativo nº 1, de 29 de julho de 2022.

O ato suspenso havia sido publicado pela Receita no último ano do governo de Jair Bolsonaro (PL).

Em tese, o Ato Declaratório Interpretativo não cria uma nova lei. A peça serve para uniformizar um entendimento sobre uma determinada lei, para evitar interpretações divergentes entre os auditores, que são os profissionais que fiscalizam irregularidades.

Nesse caso, o Ato oferecia uma interpretação sobre um artigo da Lei 8.212/1991, que prevê benefícios tributários às igrejas. A decisão do atual governo de suspender o Ato não revoga o que está vigente nessa lei.

O artigo em questão garante isenções de impostos previdenciários a líderes religiosos. Esses tributos, em geral, são cobrados pelo governo em cima dos salários de outros trabalhadores.

Essa garantia ocorre ao não considerar os pagamentos feitos aos pastores como remuneração.

“Não se considera como remuneração direta ou indireta, para os efeitos desta Lei, os valores despendidos pelas entidades religiosas e instituições de ensino vocacional com ministro de confissão religiosa, membros de instituto de vida consagrada, de congregação ou de ordem religiosa em face do seu mister religioso ou para sua subsistência desde que fornecidos em condições que independam da natureza e da quantidade do trabalho executado”, diz a Lei 8.212.

Conforme disse Haddad, o atual governo já considera que essa lei gera margem para diversas interpretações. Com o Ato Declaratório Interpretativo de Bolsonaro, não está claro se a interpretação oferecida é a correta para esse dispositivo.

Esse Ato é objeto de processo no Tribunal de Contas da União, que avalia “a legalidade e legitimidade da ampliação de isenção de impostos para remuneração recebida por pastores” por meio desse mecanismo.

O processo está sob a relatoria do ministro Arolde Cedraz e ainda não foi concluído.

Área técnica do TCU considera vícios formais

De acordo com uma nota da área técnica do TCU no âmbito desse processo, de dezembro de 2023, a Receita não respondeu à Corte se o Ato ampliou ou não a isenção da contribuição previdenciária prevista na lei. O que a área técnica do TCU observou foi a presença de “vícios formais” na emissão do Ato.

De acordo com a nota, ao “potencialmente” reduzir a incidência da contribuição previdenciária, o ADI pode, em teoria, ser considerado um ato de improbidade administrativa, “ao conceder benefícios administrativos ou fiscais sem seguir as formalidades legais”.

Segundo o Artigo 150 da Constituição, qualquer isenção só poderá ser concedida por meio de lei.

“O ato é juridicamente nulo ou anulável. Se nulo, inexistente ou nunca efetivamente incorporou de fato ao ordenamento jurídico, tratando-se de um documento sem efeito prático. Caso o ADI RFB 1/2022 tenha gerado efeitos concretos, é necessário desfazê-los, sempre salvaguardando a boa-fé daqueles que, de alguma forma, se beneficiaram dele sem má intenção”, diz a nota interna do TCU.

Além disso, o documento diz que, de acordo com a Receita, “os valores envolvidos que estão suspensos ou em cobrança somam um total de aproximadamente 300 milhões de reais, sendo que quase 285 milhões de reais estão com exigibilidade suspensa”.

CartaCapital fez uma série de questionamentos à Receita sobre o ato suspenso, entre eles, quais benefícios de fato foram ampliados e qual o tamanho da renúncia fiscal gerada. A reportagem não obteve retorno.

Em reação à suspensão do Ato, na quinta-feira 18, a bancada evangélica rechaçou a possibilidade de o Ato ter ampliado isenções de Imposto de Renda e disse que a revogação só trata da contribuição previdenciária.

Para o advogado Eduardo Natal, o ato parece viciado por falta de atendimento a requisitos formais.

O tributarista reforça que a discussão recai sobre quais valores recebidos pelos líderes religiosos são qualificados ou não como “prebendas”, ou seja, as remunerações não tributadas que são repassadas a padres e pastores para que exerçam as funções de presbíteros.

“Está bem claro que a questão é de limite de isenção de contribuição previdenciário sobre os valores pagos aos pastores. O que nós temos como objeto é a cobrança de impostos sobre o que não se configuraria como prebenda. Eventualmente, outros valores que não sejam caracterizados na qualidade de prebendas não seriam isentos”, explica o especialista.

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