Economia

Governo diz que reforma da Previdência não aumenta desigualdade

Estudos da reforma, diz a Secretaria Especial de Previdência e Trabalho, têm base em modelo internacional

Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil
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Em resposta à reportagem Pesquisadores descobrem trapaça do governo em cálculos da reforma da Previdência, a Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia enviou uma carta com esclarecimentos à redação de CartaCapital. Segue a íntegra do documento:

NOTA OFICIAL

Comprometida com a verdade e com a transparência, a Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia esclarece que a reportagem “Pesquisadores descobrem trapaça do governo em cálculos da reforma da Previdência”, publicada pela revista CartaCapital, baseia-se em análises de baixa qualidade técnica e profundo desconhecimento da legislação previdenciária brasileira. O texto é fundamentado em estudos de Pedro Paulo Zahluth Bastos, Ricardo Knudsen, André Luiz Passos Santos e Henrique Sá Earp, que contêm erros graves e omitem informações essenciais à compreensão do tema.

Os autores dos estudos reproduzidos pela revista tentam fabricar um superávit artificial da aposentadoria por tempo de contribuição, sistema que permite benefícios precoces a pessoas que ganham mais. Também excluem da análise vários benefícios da Previdência ou subestimam seus custos, com o intuito de desvirtuar o debate técnico.

Infelizmente, determinados grupos buscam manter privilégios com dissimulações de que os pobres serão mais afetados. O Brasil gasta 14% do seu PIB com previdência e parte da assistência e continua se mantendo como um dos países com elevada e inaceitável desigualdade, exatamente porque a sua principal transferência de renda tem componentes regressivos. Atualmente, 47% da renda previdenciária no Brasil é recebida pelos 15% mais ricos da população. O déficit crescente da previdência social é financiado por recursos oriundos dos impostos pagos pela população, que recaem sobre o consumo dos mais pobres, que também são prejudicados pela redução da capacidade estatal de investir em outras políticas públicas essenciais. Não deixa de ser surpreendente que essas resistências se apresentem publicamente, embora de forma dissimulada e equivocada, como defesa dos mais pobres, quando, na verdade, trata-se de defesa corporativista de manutenção de subsídios para os maios ricos.

A Secretaria Especial de Previdência e Trabalho reafirma que baseou suas análises atuariais da Nova Previdência em um modelo reconhecido internacionalmente, que segue os padrões utilizados por renomadas instituições como o Banco Mundial e a Organização Internacional do Trabalho. As informações foram amplamente divulgadas, inclusive com a publicação de microdados, notas metodológicas, memórias de cálculo e respostas de requerimentos de informações no site da Secretaria de Previdência (http://www.previdencia.gov.br/a-previdencia/politicas-de-previdencia- social/transparencia-nova-previdencia/) desde o final do mês de abril. Diante disso, a Secretaria esclarece ponto a ponto as informações a seguir:

1 – A Nova Previdência não aumenta a desigualdade, pelo contrário. Os ajustes buscam equiparar as regras do regime geral com os servidores públicos. O fim da aposentadoria por tempo de contribuição, após as regras de transição, equipara as idades dos trabalhadores que ganham menos – e hoje se aposentam em média aos 65,5 anos, se homem, e 61,5 anos, se mulher – dos trabalhadores que ganham mais e conseguem acessar o benefício dez anos mais cedo. O benefício dos trabalhadores de baixa renda seguirá subsidiado, já que o valor recebido após a aposentadoria é superior à soma de toda contribuição trazida a valor presente.

2 – Pela proposta aprovada na Câmara dos Deputados, o tempo mínimo de contribuição para acesso a aposentadoria é de 15 anos para homens e mulheres que estão no mercado de trabalho (aqueles que contribuíram ao menos uma vez para a Previdência). Trata-se do mesmo critério da atual regra de aposentadoria por idade para homens e critério semelhante à realidade das mulheres que se aposentam por idade atualmente. Não está correta a afirmação da revista de que os aposentados por idade contribuem em média apenas cinco meses por ano. Os dados oficiais revelam que cada segurado contribui em média nove meses por ano. Para se atingir o tempo citado na matéria, de 36 anos para completar 15 anos de contribuição e 48 anos para completar 20 anos de contribuição, o segurado teria que passar entre 16 e 21 anos adicionais sem contribuir. Uma afirmação que não tem nenhuma sustentação.

3 – Os estudos divulgados pela revista cometem uma série de erros para fabricar um superávit artificial na aposentadoria por tempo de contribuição. Primeiramente, ignoram o impacto da chamada regra 85/95, que permite a aposentadoria sem incidência do Fator Previdenciário desde 2015.

4 – A leitura do estudo revela que os autores não têm conhecimentos básicos da legislação previdenciária brasileira. A título de exemplo, para o valor do benefício de um homem com 65 anos de idade e 35 anos de contribuição, os autores afirmam que o fator previdenciário seria igual a 1. Contudo, a legislação estabelece que “segurado que preencher o requisito para a aposentadoria por tempo de contribuição poderá optar pela não incidência do fator previdenciário no cálculo de sua aposentadoria, quando o total resultante da soma de sua idade e de seu tempo de contribuição” atender à regra 85/95 progressiva. Para um homem com 65 anos de idade e 35 anos de contribuição, o fator previdenciário não é 1, como afirmado. Pela tabela atual, o fator seria 1,022, ou seja, aumentaria o valor do benefício.

5 – Outra omissão extremamente grave do ponto de vista técnico é que as contribuições não financiam apenas as aposentadorias programadas, mas também outros benefícios (de risco) como, por exemplo, aposentadoria por invalidez, auxílio-doença, salário- maternidade e pensão por morte. Desconsiderar a pensão por morte representa uma omissão em torno de 2% do PIB, ou 23,2% do total da despesa do RGPS. Somando-se todos os benefícios de risco, estamos falando de 41,4% do gasto previdenciário total que foi ignorado pelos referidos estudos.

6 – Há outras falhas importantes nos estudos. Nem todas as empresas pagam 20% sobre a folha de salários como contribuição patronal para a Previdência. É o caso daquelas optantes pelo Simples e as do setor rural, cuja contribuição é sobre o faturamento (na prática, menor que a contribuição tradicional). Para profissionais liberais que prestam serviços a pessoas físicas, como contadores, advogados, consultores, arquitetos e outros que são contribuintes individuais, não há contribuição patronal, e sua contribuição total é de 20%. Essa omissão representa ignorar importantes renúncias fiscais, que no caso do Simples, deverá representar algo em torno de R$ 29,4 bilhões, em 2019, além de R$ 2,4 bilhões referentes ao Microempreendedor Individual (MEI).

7 – Os estudos também denotam erros nos parâmetros demográficos utilizados. Os dados de sobrevida para cálculo do fator previdenciário são a média para ambos os sexos, conforme a legislação estabelece. Contudo, para o correto cálculo dos benefícios não pode ser usada essa média, mas sim a sobrevida estimada. Por exemplo, para um homem de 55 anos, a expectativa de sobrevida não é de 26,4 anos, mas sim de 24,2 anos. Pode parecer um detalhe, mas, mais uma vez, percebe-se falta de conhecimento sobre a legislação previdenciária e sobre demografia, o que é indispensável para a realização correta dos cálculos. No entanto, também deveria ser prevista a geração de pensão, levando-se em conta o tempo médio de duração das pensões, que é de 16 anos, e o percentual médio dos segurados homens que deixam pensões (67,4%). Isso representa 10,8 anos a mais de recebimento do benefício. Além disso, deveria ser deduzida da receita de contribuições um percentual para cobrir o recebimento de auxílio-doença, de acordo com a média verificada de gastos com esse benefício, bem como para cobrir um seguro para aposentadorias por invalidez, que representa em torno de 16% dos gastos com aposentadoria.

8 – Os estudos não levam em conta a previsão, na proposta da Nova Previdência, de regras de transição, o que tem impacto relevante nos cálculos atuariais. O erro é considerar a mesma expectativa de sobrevida atual para fazer o cálculo para um homem de 65 anos, sem levar em conta as regras de transição. Por outro lado, caso a comparação da regra atual fosse necessariamente com a nova regra permanente (que é compulsória apenas para os que irão ingressar no mercado de trabalho), o estudo deveria considerar que é esperado incremento da expectativa de sobrevida no futuro, o que não foi feito.

9 – Cálculos básicos mostram a completa distorção dos resultados apresentados. Considerando uma mulher de 62 anos, que é a idade mínima de aposentadoria pela nova regra permanente proposta, mas com transição e 15 anos de contribuição pelo salário mínimo, tendo em vista que se espera uma menor densidade contributiva dos mais pobres, não é difícil demonstrar um importante subsídio. Uma mulher, em 2017, tinha expectativa de sobrevida de 22,5 anos, bem acima da contribuição mínima de 15 anos que foi mantida na proposta de reforma atual. Portanto, com a expectativa de sobrevida atual, já se cria uma situação em que uma mulher pobre recebe por mais tempo que contribuiu, denotando o elevado subsídio para os mais pobres. Mesmo se cabível aplicar uma taxa de juros muito elevada para “capitalizar” as contribuições, o seu valor presente não chegaria nem à metade do valor esperado do fluxo de benefícios da aposentadoria por idade. Esse subsídio se mantém com taxa de juros elevada, mesmo sem considerar os demais benefícios de risco, os ganhos reais do salário mínimo e o incremento da expectativa de sobrevida. Fica claro que os pobres irão manter elevado nível de subsídio com a Nova Previdência. Ademais, não haverá alterações na previdência rural e nos critérios de acesso do Benefício de Prestação Continuada (BPC/Loas).

10 – Em outra tabela dos estudos, por exemplo, novamente é utilizada a sobrevida do fator, que é a média para ambos os sexos. Contudo, os cálculos atuariais deveriam ser feitos com a expectativa de sobrevida estimada das mulheres. A expectativa de sobrevida de uma mulher de 52 anos não é de 28 anos, mas de 30,9 anos. Ou seja, mais que a contribuição atualmente exigida de 30 anos. De uma mulher de 62 anos, não é de 20,9 anos, mas de 22,5 anos. Evidencia-se a falta de conhecimento básico de demografia e de atuária por parte dos autores do estudo, o que torna os cálculos imprecisos e errados.

11 – Em dezembro de 2018, 86,9% das aposentadorias por idade eram de até um salário mínimo, ante 20,7% nesse valor entre as aposentadorias por tempo de contribuição. Isso comprova que aqueles que ganham menos têm maior probabilidade de se aposentarem por idade.

12 – Os estudos não apresentam nenhuma simulação pela regra 85/95 progressiva, regra atualmente em vigor na legislação e que gera um aumento no valor do benefício completamente desproporcional, provavelmente com a intenção deliberada de fabricar um suposto equilíbrio das aposentadorias por tempo de contribuição. No caso das mulheres, mesmo com a exigência de 30 anos de contribuição, a idade média de aposentadoria, em 2018, ficou em 52,7 anos, com uma expectativa de sobrevida de 30,9 anos. Qualquer pessoa que entenda o mínimo de atuária saberia que, para uma relação dessas, a alíquota para gerar o equilíbrio atuarial teria que ser elevada para ser factível. O estudo busca esconder essa realidade, para manter os subsídios para aqueles que têm maior renda, sob a farsa de estarem protegendo os mais pobres.

13 – Os supostos defensores dos mais pobres, que defendem a aposentadoria por tempo de contribuição com idades precoces, na realidade estão defendendo a manutenção da desigualdade que existe atualmente com a idade média de aposentadoria urbana, que está na casa dos 61 anos no Norte e dos 60 anos no Nordeste (ou seja, nas regiões mais pobres), enquanto no Sul essa idade média é de 56 anos e no Sudeste de 58 anos. Os que defendem a aposentadoria por tempo de contribuição são aqueles que querem manter a desigualdade segundo a qual a idade de aposentadoria urbana é de 55 anos em Santa Catarina, de 62 anos em Roraima e de 61 anos no Piauí e no Maranhão. Vale ressaltar que não existe aposentadoria por tempo de contribuição nos países com menor nível de desigualdade no mundo, mas apenas em 13 países que não são bons exemplos em termos de práticas previdenciárias nem em combate à desigualdade, como Irã, Iraque, Argélia e Egito.

14 – Pelos microdados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), os segurados empregados que se aposentaram por tempo de contribuição tinham uma renda média de R$ 6.230 e 56% deles se aposentaram sem rescisão contratual. Ou seja, continuaram trabalhando no mesmo serviço e acumulando renda do trabalho e da aposentadoria, sendo que uma parcela deles ainda conta com previdência complementar. Pagar aposentadorias precoces para os trabalhadores de melhor qualificação, maior estabilidade no mercado formal de trabalho, que não são idosos e com plena capacidade laboral acaba aumentando a desigualdade.

15 – Os municípios são altamente beneficiados pela proposta da Nova Previdência, pois com a economia gerada haverá mais espaços para investimentos em todo país, proporcionando efeito positivo no emprego e renda. Além disso, todos os benefícios previdenciários concedidos continuarão sendo pagos sem nenhuma redução no valor, então é falsa qualquer ilação de que haveria menos recursos circulando na economia local. E, com a proposta do Senado de reincluir na discussão da “PEC paralela” os Estados e Municípios, aqueles que contam com regimes próprios terão a possibilidade de aliviar seu caixa, altamente comprometido com despesas de pessoal e previdência.

16 – Completamente diferente do que descreve a revista, todos os cálculos que basearam o impacto fiscal foram realizados pelo modelo descrito no anexo IV.5 da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que contempla a evolução das quantidades, dos preços e dos valores de dezesseis grupos de espécie de benefícios previdenciários e assistenciais, dos quais doze são previdenciários, sendo sete modalidades de aposentadorias e três modalidades de auxílios, o salário-maternidade e pensões. Também são modeladas as despesas com quatro modalidades de benefícios assistenciais. Parte-se da projeção das quantidades de benefícios (estoques), a qual se dá por meio de estimativas da dinâmica do fluxo de entradas (concessões) e saídas (cessações) de benefícios do sistema, as quais, por sua vez, refletem a transição demográfica em curso no país. Em seguida, é projetada a evolução dos preços fundamentais para o comportamento da despesa previdenciária, ou seja, dos rendimentos médios de diversos subconjuntos populacionais bem como dos valores e dos reajustes dos benefícios. Por fim, são projetados os valores, referentes ao cômputo das despesas e receitas, bem como das massas salariais de subconjuntos populacionais e crescimento do PIB.

Causa estranheza o fato de que a matéria e os estudos por ela referidos se prendam a uma simulação cujo objetivo foi demonstrar os elevados subsídios dados aos que se aposentam mais cedo para afirmar uma suposta e inverídica “falsificação nas contas oficiais”, ao invés de se dedicar a uma análise séria e isenta da metodologia que embasa as projeções de resultados da previdência social, que acompanha todos os anos a Lei de Diretrizes Orçamentárias e que foi devidamente explicitada e detalhada na página “Transparência Nova Previdência” desde o mês de abril, quando foram iniciados os debates da PEC nº 06/2019 na Comissão Especial da Câmara dos Deputados.

A Secretaria Especial de Previdência e Trabalho reafirma a convicção de que os modelos elaborados por seu corpo técnico são robustos, ao mesmo tempo que reconhece que aperfeiçoamentos são possíveis. Prova disso é que no mês de agosto implantou grupo de estudos no âmbito do Observatório de Previdência e Informações do CNIS, para o qual foram convidados pesquisadores e estudiosos da matéria, com a abertura de duas consultas públicas para debater e melhorar a robustez dos modelos, tendo criado grupos de estudos formados por especialistas na área de previdência e atuária de diversas instituições, como a FIPE/USP, FIA/USP, FGV/IBRE, PUC-Rio, IPEA, Instituição Fiscal Independente, ANFIP, Consultoria de Orçamento da Câmara dos Deputados, Consultoria Legislativa do Senado e Instituto Brasileiro de Atuaria. Em breve, as conclusões desses grupos serão submetidas a discussão com todos os interessados, que poderão se manifestar e fazer propostas, que serão discutidas pelos grupos antes da apresentação do resultado final.

A transparência e a discussão com a sociedade são fundamentais em um tema tão complexo e que interessa diretamente a todos os brasileiros. Nunca nos furtamos ao debate nem a críticas, mas não admitimos distorções mentirosas como as publicadas na tendenciosa reportagem e nos referidos estudos, sobretudo sem pedido de comentário do governo, como ditam as boas práticas do jornalismo.

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