Economia

Gente é para brilhar e não morrer de fome

Com disse Caetano Veloso, em 1977, o bem-estar social deve ser política de estado, independente do partido no governo. Mas no Brasil as soluções vêm de cima e nos esquecemos dos de baixo

Economistas discutem modelos econômicos, ajustes e sacrifícios de forma total e se esquecem das mazelas do povo
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Nas discussões sobre economia é cada vez mais ausente o tema do bem-estar social. Se gente fosse elemento químico e constasse da tabela periódica poderia ter o símbolo G, assim como cobre tem Cu. Quem confundisse e optasse pelo contrário sairia das normas da simbologia, mas não da Economia.

Não sei se idade, profissão, rodas que frequento, ou simples falta de sorte, me fazem amiúde estar em meio a tais polêmicas. Não deve ser diferente com vocês no trabalho, redes sociais, blogosfera e vacas sagradas das folhas e telas cotidianas.

Duvido que alguma conversa comece por “você não imagina a pobreza que vi na região de Jaupaci”. Antes de explicar onde fica Jaupaci, que nada importa, ouviremos: “claro, o mainstream ainda não chegou até lá”.

Vêm, então, lições de como acertar o País. Modelo, setores público e privado, tripé, ajuste fiscal. Para isso nos escolarizamos, treinamos com o afinco exigido por um Dunga, e adquirimos o direito de esquecer os de baixo. As soluções sempre vêm de cima.

E assim seguimos terçando armas sobre PIB potencial, taxa neutra de juros, câmbio fixo ou flutuante, produtividade do trabalho, carga tributária, produção primária e valor adicionado, taxas de arbitragem, enfim, sempre de forma totalizante, ignorando se isso irá melhorar ou ferrar a gente trabalhadora. Que não se ofenda a senhora comentarista que passou no vestibular da renda.

Senhores sombrios vivem a discutir o melhor remédio para o Brasil. Nacional-desenvolvimentismo, neoclassicismo ou neoliberalismo leve e solto. Os poucos caminhos deixados às nações no sistema capitalista, que outro não há, e sempre selvagem que, deixem de besteira, em outro estágio nunca estará.

Nação de pouco mais de 8,5 milhões de quilômetros quadrados de terras e rios inanimados, corporificados em único “gigante pela própria natureza”, a quem devemos dar de mamar apenas legislações inócuas e planilhas econométricas, até fazê-lo rico para, futuramente, tratar bem os serezinhos humanos que nele teimam em circular.

Repito, há décadas, me esfolam com receitas de como conduzir os destinos do País. Se despovoado de pobres. Ouço muito mais do que falo, embora péssimo aprendiz.

Como a todos isso parece impossível, se metes lá uma cunha sobre o modelo econômico e sugeres distribuição melhor de renda, logo ouves: preguiça, Nordeste, mal gosto cultural, acomodação trabalhista, perfil dos portugueses que aqui vieram colonizar, corrupção (sempre alheia), Constituição de 1988, impunidade, tetas do Estado no Bolsa Família.

Se o indivíduo que levou a cunha tiver acesso à Globo News e, portanto, se achar melhor que a escumalha, dirá que o Brasil só sairá dessa pela educação. Não terá lido uma estatística evolutiva ou histórica, mas citará América do Norte, Europa, Tigres Asiáticos e Gueixas Tigresas.

Fica provado: um país de deseducados só pode se ferrar. Não sabe fazer “lição de casa”. Tudo o que ganharam de maneira atabalhoada, agora, irão devolver: consumo das famílias, dinheiro na poupança, emprego com carteira assinada, inflação sem crescimento de renda.

Pelo menos até 2018, quando teremos novas eleições. Pouco importa se assim é desde o século XVI, meus senhores. Faltam apenas pouco mais de três anos para o nosso chá das cinco horas. Acompanham-no biscoitinhos econométricos.

Andanças Capitais

“Gente é pra brilhar, não pra morrer de fome”. Quando Caetano escreveu essa canção, em 1977, estava na fase mais “Odara” de sua produção artística. Ainda assim, qualquer partido político no Brasil, de esquerda ou não, a adotaria sem perceber que ela foge de qualquer chavão político.

Brilhar é mais do que comer, embora aqui nem mesmo isso.

A Comunidade Santa Bárbara, no Paraná, fica na BR-277, entre os municípios de Cascavel, de potente economia, e Catanduvas, de potente penitenciária.

Lá chegamos em Andanças Capitais para uma reunião com agricultores, propriedades médias de 90 hectares, a grande maioria plantada com grãos. Leve conversa (sem o detestável Power-Point) de como podem lucrar mais nos 90 hectares em média que plantam em família.

Conhecendo-os, em seu centro comunitário, os leitores poderão achá-los pobres, sem brilharecos do bobo consumo, porém, certamente sem fome.  Pãezinhos, salada de tomate e cebola em vinagre de vinho, e excelente churrasco de bisteca. O frio intenso e a gripe não me afastaram do chope.

Bom público. Uma concordância atestada pelo que faz Filó, a cachorrinha da minha família. Um dos presentes mostrou, sob o chinelo, machucado no pé, curado somente depois que deixou uma de suas ovelhas lamber por longo tempo suas feridas. Um chiste. Outro colono, matreiro, ao ouvir de uma camponesa sobre um fiscal que insistia que ela precisava fazer o CAR (Cadastro Ambiental Rural) da propriedade dela, e ela retrucava que ainda tinha prazo, aconselhou: “Ué dona Jussara, faça como o Levy, ajuste o fiscal”!

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