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Galípolo e o furacão

O mercado força o aumento dos juros, pois o Brasil teima em crescer

Galípolo e o furacão
Galípolo e o furacão
Campo minado. O futuro presidente do BC, em fase de beija-mão no Senado, precisa evitar a acusação de leniência com a inflação – Imagem: Raphael Ribeiro/Banco Central do Brasil
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A alta vigorosa do PIB, 1,4% no segundo trimestre, a segunda maior do planeta, é boa notícia, mas aumentou a chance de os juros, hoje em 10,5% ao ano, voltarem a subir na próxima reunião do Copom, no dia 17, ainda que a expansão da economia signifique também elevação da arrecadação e melhora da situação fiscal do governo, alvo de pressão ininterrupta do sistema financeiro. Economistas ouvidos por esta revista consideram inevitável a elevação da taxa básica em ao menos 0,25 ponto, não por causa da situação da economia, mas por motivos políticos, isto é, o cerco total ao governo Lula pela Faria Lima e o fato de a definição dos juros e o Banco Central estarem no olho do furacão, com a indicação de um novo presidente, Gabriel Galípolo, que não é considerado um representante do mercado.

Na terça-feira 3, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ressaltou o fato de o orçamento fechado em junho prever um aumento do PIB em 2,5% e que o resultado do trimestre levou a uma revisão da estimativa para 2,7% a 3%, e qualquer valor acima da projeção original implica uma elevação de receitas fiscais.

Para o economista José Augusto Gaspar Ruas, professor da Facamp, as condições políticas apontam para uma pequena elevação dos juros como o mais provável. A próxima reunião ocorrerá sob gestão compartilhada de Galípolo e Roberto Campos Neto e dada a pressão nas últimas semanas, prossegue Ruas, qualquer diferença, por menor que seja, entre as interpretações do que eles vierem a falar, pode ser muito prejudicial para o futuro presidente do BC. “Acredito que o Galípolo tentará alinhar-se ao máximo a Campos Neto, nesse período, para a transição ser o mais suave possível. Elevar a taxa de juros e mostrar proximidade com o atual presidente talvez seja o mais indicado para o momento. É preciso levar em conta que o último mês foi de muita instabilidade no mercado cambial. Claro que isso não está associado apenas a fatores domésticos, pois o ­aspecto internacional é o eixo fundamental, mas reduzir essa instabilidade passa a ser decisivo”, sublinha o professor da Facamp.

É muito importante para o BC, acrescenta o economista, tentar estabilizar e levar a um ponto um pouco mais baixo a taxa de câmbio, para reduzir a pressão inflacionária. Isso porque a pressão cambial chancela a pressão inflacionária, com repasse dos preços internacionais para o mercado doméstico e, com isso, força a elevação da taxa de juros. Agir agora na taxa de juros provavelmente provocará uma valorização do real, essa valorização impede a inflação de aparecer no fim do ano e garante ao próximo presidente do BC um início de mandato, em 2025, em condições de continuar a trajetória de redução da taxa, partindo do pressuposto de que os EUA também cortarão os juros, se não em setembro, logo adiante.

Segundo Luiz Fernando de Paula, professor de Economia da UFRJ, o provável aumento dos juros na próxima reunião do Copom “parece precipitado, pois a inflação acumulada está dentro da meta com a banda e não há sinais consistentes de aceleração”. O mais razoável, diz, seria deixar estável e esperar um pouco mais o comportamento da inflação. “Acho que o Copom tenderá a ser unânime, pois o novo presidente indicado não vai indispor-se agora”, prevê De Paula.

Reduzir a instabilidade do câmbio passa a ser crucial

A decisão sobre a taxa de juros é, contudo, muito mais política do que técnica, acentua o economista José Paulo Guedes Pinto, professor da UFABC. Tecnicamente, diz, a inflação está sob controle, as expectativas inflacionárias são moderadas, a situação fiscal apresenta alguma melhora, embora ainda distante do ideal, e o crescimento econômico está aquém do desejado. Além disso, as taxas de juros nos EUA podem baixar em um futuro próximo, possivelmente em resposta a um início de recessão global. “Em teoria, o BC deveria considerar uma redução significativa na taxa. No entanto, devido à influência da base rentista, que se beneficia do financiamento do Tesouro Nacional e tem grande poder político, e à falta de sinais de confronto por parte do governo com esse setor, o mais provável é que as taxas subam.”

Para Rafael Ribeiro, professor de Economia do Cedeplar–UFMG, os principais fatores que justificam a decisão provável de aumento dos juros pelo Copom são domésticos: a desancoragem das expectativas de inflação futura e o aquecimento do mercado de trabalho. “As expectativas de inflação futura esperada pelo mercado estão divergindo da meta para os próximos anos e começam a ultrapassar a banda superior. Nesse contexto, elevar a taxa básica de juros agora pode sinalizar ao mercado o compromisso do BC com o combate à inflação futura”, sublinha. Além disso, acrescenta, os dados mais recentes da PNAD mostram forte aquecimento do mercado de trabalho, com desemprego em baixa e ganhos salariais. Na avaliação do BC, o produto corrente está acima do produto potencial, uma indicação de expectativas de aumentos salariais e, por consequência, de elevação nos preços. O aumento na Selic controlaria a demanda agregada por meio da redução do crédito e do consumo, diminuindo as pressões inflacionárias. No mercado externo, entretanto, a expectativa é que o Banco Central norte-americano reduza as taxas de juros em resposta à desaceleração da economia. Isso favoreceria o aumento dos fluxos de capitais em direção aos países emergentes, estabilizando o câmbio e, portanto, a inflação no País, prossegue Ribeiro.

O investimento, realizado historicamente no Brasil em um cenário de juros altos, mostra alguns sinais de recuperação neste ano, principalmente aquele induzido pelo consumo e pelo bom desempenho do mercado de trabalho, em relação a 2023, e há também uma tentativa de recuperação do investimento autônomo em infraestrutura. “É provável que esta recuperação de investimentos seja seguida de aumento da taxa de juros, mas creio que essa subida não vai interromper a recuperação dos investimentos”, enfatiza o economista Saulo Abouchedid, professor da Facamp. Segundo ele, o papel do ­BNDES e os investimentos em infraestrutura “acabam influenciando mais do que o movimento da taxa básica”. •

Publicado na edição n° 1327 de CartaCapital, em 11 de setembro de 2024.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Galípolo e o furacão’

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