Economia

Facada no Sistema S fere de morte cultura e qualificação profissional

O modelo tem problemas, mas cumpre papel essencial na qualificação profissional; CNI fala em 1,5 milhão de vagas a menos no Sesi e Senai

Torneio de Robótica promovido pelo Sesi em Taguatinga (DF)
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Paulo Guedes quer ‘meter a faca’ no Sistema S. Em reunião com executivos da Firjan, o superministro de Bolsonaro falou em cortar pela metade o repasse ao sistema que concentra 11 entidades dedicadas à formação profissional e a uma gama de serviços de bem-estar social.

Ainda durante a campanha, ventilou-se que o sistema seria totalmente reformulado. A equipe de Guedes fala agora em acabar com a contribuição obrigatória, a exemplo do que ocorreu com o imposto sindical. Ele explicou que, se os patrões não cooperarem, a derrama será maior: “se tiver a visão do Eduardo Eugênio [presidente da Firjan], corta 30%; se não tiver, corta 50%”.

Um diretor do alto-escalão da Fiesp ouvido por Carta Capital duvida que as negociações corram de forma tão pacífica. “Ele [Guedes] foi muito desastrado na forma de lidar, é um de pouco caso incrível. Podemos até discutir o corte despesas, mas não de investimentos”.

Diz ainda que a medida é impopular não só entre empresários. “Haverá resistência, afinal somos os únicos reconhecidos como serviço público de qualidade. Quem faz cultura é o Sesc, não tem poder público.”

De fato, as entidades S formam mão-de-obra qualificada e preenchem lacunas profundas no acesso à cultura e educação e afeta milhões de pessoas. Uma pesquisa recente do Ibope/CNI aponta que em média 75% da população considera ótimo ou bom o serviço do Senai/Sesi.

O número de matrículas nos cursos profissionalizantes do Senai chega a 2,3 milhões, segundo dados internos. No Sesi, há 1,2 milhão de alunos na educação básica, cujo total de escolas em todo o Brasil passa dos 500. As unidades do Sesc têm 4,6 milhões de beneficiários.

Caso o plano vá adiante, a Confederação Nacional das Indústrias (CNI) fala no corte de 1,1 milhão de vagas no Senai, fechamento de centenas de escolas no Sesi e até o fim da atuação desses serviços em alguns estados.

O Sistema S nasceu na década de 40 como parte do plano varguista de industrialização do País. A ideia era e oferecer cursos técnicos e serviços sociais ao trabalhadores da indústria (Senai e Sesi), comércio (Senac e Sesc). O escopo cresceu e passou a incorporar transportes (Sest e Senat), agronegócio (Senar), cooperativas (Sescoop) e agências de fomento ao comércio exterior (Apex) e Desenvolvimento (ABDI) e empreendedorismo (Sebrae).

Boa parte dessa receitas vem da contribuição compulsória na folha de pagamento de indústrias e empresas de comércio e serviços. Essa taxa varia de 0,2% a 2,5% conforme o setor. Só neste ano, a Receita Federal repassou às entidades cerca de 20 bilhões de reais.

Há ainda receita de aplicações financeiras e cobrança de alguns serviços. Em 2017, as principais entidades receberam juntas receita superior a R$ 32 bilhões, segundo relatório da CGU.

Mais da metade desse montante vai para as quatro entidades que mais investem em educação e formação profissional. O Sesc recebe a fatia mais generosa (5 bilhões), seguido por Sebrae (3,3 bi) e Senac (2,8 bi) e Senai (1,4 bi).

Só o Sesc de São Paulo recebeu neste ano 2,4 bilhões, mais da metade do orçamento geral do Ministério da Cultura no mesmo período. A capital paulista ganhou duas filiais e mais duas unidades —  no Campo Limpo e Parque Dom Pedro — devem sair do papel até 2022.

Protagonista de alguns embates com o Sistema S, Fernando Haddad, acha que a ideia de Guedes é passe para o desmonte da educação, sobretudo a profissionalizante. “O sistema tinha que passar por uma nova fase de reformas, na linha do que havia sido proposto em 2008. Estamos caminhando para trás. ”

Haddad esteve à frente do Ministério da Educação em reformas importantes. Em 2005, o presidente Lula recomendou que ele abrisse um inquérito para saber como as federações estavam usando o dinheiro.

A equipe que cuidava do caso descobriu que boa parte dos cursos eram cobrados, muitos deles tão caros quanto em entidades particulares. O TCU viria a revelar, em 2008, que 85% das 1,2 milhão de vagas do Senac eram pagas.

Na época, o governo exigiu que ⅔ da arrecadação fosse destinado à cursos e atividades gratuitas a estudantes e trabalhadores de baixa renda.

Também ficou estabelecida uma carga horária mínima, para a impedir que fossem abertos cursos de curtíssima duração em temas como reúso doméstico de casca de frutas e embalagens para presente.

Ficou de fora uma segunda parte da reforma, que combinasse esses projeto ao ensino médio. Durante a campanha, ele propôs que as entidades S e os Institutos Federais garantissem o contraturno de um ensino médio federalizado.

Abrindo a caixa preta

Mantida com dinheiro público, mas administrado como entidade de direito privado, o Sistema ainda é pouco transparente. A verba é descontada do salário, mas vai direto para o caixa das entidades patronais, sem passar pelo Congresso ou pela União.

No ano passado, um relatório da Controladoria-Geral da União encontrou irregularidades em 70 contratos de patrocínios do Sesi de Minas Gerais – no total, foram identificados 78 processos com falhas médias e graves desde 2011.

A verba também é utilizada para a manutenção desses ‘sindicatos’. Pagou, por exemplo, o portentoso prédio da Fiesp na Avenida Paulista. Outro problema é o uso das federações como fonte de poder aos seus dirigentes: a Firjan sustenta o mesmo presidente a quase duas décadas. E a federação paulista confunde-se propositalmente com a figura de Paulo Skaf.

Guedes compra briga com interesses poderosos. Em 2015, o ministro Joaquim Levy tentou, sem sucesso, reter 30% da arrecadação de Sistema para sanar as cotas do governo. Nessa mesma época, a Fiesp botou os patos na rua, na campanha que culminaria na queda de Dilma Rousseff no ano seguinte.

“Depende de como a sociedade vai reagir. Sobretudo os meios de comunicação, os bancos, que tem um vínculo muito forte com essas entidades patronais”, avalia Haddad.

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