Economia

Entre um tiro no pé e o dedo na ferida

Sob a pressão da conciliação corporativa e do imediatismo político, Dilma Rousseff manteve-se coerente com a sua biografia

Entre um tiro no pé e o dedo na ferida
Entre um tiro no pé e o dedo na ferida
A sede da Petrobras no Rio de Janeiro, em outubro. A estatal está envolvida em mais uma polêmica
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A divulgação na sexta-feira, quando CartaCapital já estava nas bancas, da composição do conselho de administração da Petrobras na época da decisão de compra de 50% da refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos, reforça a impressão de a presidenta Dilma Roussef ter sido induzida a erro ao aprovar a operação, conforme a matéria da revista sugere. E o foi em companhia seleta, segundo critérios empresariais. Jorge Gerdau Johanpeter, integrante do conselho em 2006 e hoje, acompanhou a presidenta na explicação de ter recebido um relatório falho. Elaborado pelos ex-diretores Néstor Cerveró, destituído antes de regressar da Europa, para onde viajou na véspera da eclosão do escândalo, e Paulo Roberto da Costa, preso pela Polícia Federal na semana passada, o parecer omitia aspectos essenciais. Conhecidas fossem tais particularidades, a exemplo da obrigatoriedade de a Petrobras comprar os 50% restantes em caso de desavença entre os sócios, o voto vencedor certamente teria sido contrário à operação, a julgar pelas declarações recentes de ex-conselheiros, alinhadas à da presidenta. O relatório defeituoso de Cerveró e Costa embasou o voto unânime dos conselheiros em favor do negócio.

Jorge Gerdau Johannpeter disse a O Estado de S. Paulo que a transação de Pasadena foi feita com base em avaliações técnicas de consultorias de reconhecida experiência internacional, com pareceres apontando para a validade e a oportunidade do negócio. Gerdau preside o conselho de administração do Grupo Gerdau, uma da poucas organizações empresariais brasileiras com presença significativa na economia global, líder no segmento de aços longos nas Américas e uma das principais fornecedoras de aços longos especiais do mundo, com operações industriais em 14 países nas três Américas, na Europa e na Ásia e ações listadas nas bolsas de valores de São Paulo, Nova York e Madri.

Claudio Haddad, também conselheiro em 2006, preside o Insper (Instituto de Ensino e Pesquisa) e o conselho do grupo Ibmec, mantenedor das Faculdades Veris e Ibmec. Integra o conselho de administração da BM&FBovespa e do Instituto Unibanco entre outros. Foi diretor do Banco Central e do Banco Garantia.

Fábio Barbosa, companheiro de conselho de Haddad, Gerdau e Dilma, presidiu os bancos ABN/AMRO, Real, Santander e a Febraban. Hoje preside o Grupo Abril.

Haddad e Barbosa mencionaram no final da semana passada a apresentação, pelo Citibank, de uma ‘fairness opinion’ recomendando a operação em termos de preço, coerência com os objetivos estratégicos da Petrobras e as condições do mercado.

No seu disse-que-disse habitual, a imprensa afirmou ter o ex-presidente Lula avaliado a declaração de Dilma a respeito dos problemas do relatório preparado por Cerveró e Costa como um “tiro no pé”. Assessores de Lula desmentiram.

Pressionada pela auto-defesa corporativista da Petrobras e por considerações a respeito da inconveniência de denunciar o relatório indutor de erro em pleno ano eleitoral, a presidenta, inflexível às pressões do PMDB na recomposição ministerial recente, de modo claro decidiu por se manter coerente com a sua própria história. Mesmo tendo como efeito colateral o desbaratamento da união corporativa em torno de episódios tão graves quanto numerosos relacionados a corrupção e congêneres.

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