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Em busca de parceiros após sair da UE, Reino Unido busca novo acordo bilateral com Brasil

O apoio britânico à entrada do Brasil na OCDE é um gesto de boa vontade

Em busca de parceiros após sair da UE, Reino Unido busca novo acordo bilateral com Brasil
Em busca de parceiros após sair da UE, Reino Unido busca novo acordo bilateral com Brasil
O maior entrave são as “jabuticabas“ da legislação brasileira, diz Vitelli, da Britcham – Imagem: Felipe Mariano
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Livre das limitações impostas pela União Europeia, o Reino Unido pós-Brexit está em campanha mundo afora por novos acordos comerciais bilaterais que lhe permitam encontrar substitutos para os antigos parceiros europeus – e o Brasil é um alvo preferencial, como indica o apoio britânico à entrada do País na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, assegura a presidente da Câmara Britânica de Comércio e Indústria (Britcham), Ana Paula Vitelli. “Muita coisa já vem sendo discutida no que tange às melhorias e ampliação das oportunidades Brasil-Reino Unido e, nesse sentido, a entrada na OCDE colocaria o País numa posição muito mais competitiva em termos de comércio global”, relata Vitelli, em entrevista a CartaCapital, da qual também participou a titular do Comitê de Comércio e Investimentos Internacionais da Britcham, Renata Sucupira.

“Temas como mineração, tecnologia, agronegócio e energias renováveis contribuem para a construção de uma pauta geradora de oportunidades para ambos os países”, avalia Vitelli, que vê muito espaço para incrementar as relações comerciais e de investimentos entre os dois paí­ses, cujo fluxo de comércio é da ordem de 5,3 bilhões de dólares por ano, na média, o que coloca o Reino Unido como 8º parceiro comercial do Brasil e 16º como destino das nossas exportações, embora seja a 4ª economia do mundo.

Sucupira adverte, porém, que, para integrar a OCDE, o Brasil vai ter de eliminar o chamado “efeito jabuticaba”, ou seja, a ausência de uniformização de procedimentos. “Tudo no Brasil tem uma coisa que é diferente, uma situação diferente, um tratamento diferente. Isso, eu diria como quem atua no comércio exterior, é o maior impedimento”, explica ela. Assim, acrescenta Sucupira, a entrada na OCDE tende a impulsionar reformas como a tributária e a implementação do acordo de facilitação de comércio da Organização Mundial do Comércio para desburocratizar importações e exportações. “O Brasil – insiste ela – precisa oferecer segurança e uniformidade nos procedimentos para a sua inserção nas cadeias globais de valor.”

O apoio britânico à entrada do Brasil na OCDE é um gesto de boa vontade

Vitelli chama atenção para a questão da bitributação, como o primeiro passo para qualquer acordo comercial com o Reino Unido, mesmo que seja algo mais modesto do que a pretensão brasileira de um Tratado de Livre Comércio de escopo bem mais amplo do que os britânicos estão propondo. O Brasil é um dos países com menor número de acordos para evitar a bitributação do mundo, com entendimentos envolvendo apenas 33 países, em comparação a 110 da China e 60 do México (como se vê no gráfico). Para os britânicos, a questão principal reside na tributação sobre transferência de tecnologia. “Tecnologia vai ter de entrar (num eventual acordo sobre bitributação), o Brasil vai ter de fazer isso em algum momento, se quiser atrair investimentos para o seu desenvolvimento na área”, observa Sucupira.

Nesta seara, a Câmara tem se debruçado prioritariamente na discussão “mais ampla” da reforma tributária, em vez de aspectos tributários específicos da proposta de acordo comercial Brasil-Reino Unido. O motivo é a relevância da reforma tributária para o ambiente de negócios em geral, não só em termos domésticos, como visando colocar o Brasil num patamar de competitividade global. “As discussões na Câmara têm caminhado nessa linha, de concentrar as ações na reforma tributária, trazendo stakeholders (grupos de interesse) para conversas que possam dar encaminhamento mais adequado no sentido de gerar um ambiente de negócios que seja mais competitivo, não só para as empresas que estão baseadas no Brasil, como no de atrair novos investimentos de empresas que têm interesse em vir para o Brasil e, também, de as empresas britânicas instaladas no País aumentarem os fluxos de investimentos aqui”, detalha Vitelli.

De qualquer forma, segundo ela, as negociações estão numa fase de “ajustes”, envolvendo também questões extratarifárias, como as barreiras não comerciais de acesso ao mercado, a exemplo das restrições fitossanitárias que constituem uma reclamação recorrente do agronegócio brasileiro – o qual, aliás, é responsável por metade das exportações do Brasil para o Reino Unido. Nesse quesito, as dirigentes da Britcham observam que, com a saída­ de Londres da União Europeia, abriu-se uma possibilidade para se negociarem as barreiras sanitárias de forma mais específica e com maior flexibilidade.

Fonte: Confederação Nacional da Indústria

“Abriu-se um novo momento para a discussão de barreiras sanitárias”, diz Sucupira, enfatizando que a disposição britânica em relação ao Brasil é muito grande em termos de “flexibilidade do olhar dessas negociações, porque sabemos como isso funciona na União Europeia.” Vitelli chama atenção para o fato de que o Reino Unido importa 80% dos alimentos que consome. Como o agronegócio é o carro-chefe comercial do Brasil, a sinergia está posta. “Mas pode aumentar”, ressalta a presidente da Britcham, recordando as discussões promovidas com empresas britânicas instaladas no País de temas relativos à questão ambiental, à transição energética, à economia verde, ao agronegócio e à mineração, em consonância com a 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 26) em Glasgow, na Escócia. “Quando promovemos debates e damos espaço para que as empresas que estão conosco exponham as medidas de proteção ambiental e de investimento sustentável que têm adotado, é um papel importante da Câmara para melhorar a imagem do Brasil lá fora”, sustenta ela.

As possibilidades para a retomada das economias pós-pandemia, entendem as dirigentes da Britcham, favorecem as negociações, na medida em que os países precisarão explorar todas as oportunidades possíveis de incrementar o comércio internacional. Quanto à perspectiva de troca de governo a partir de 2023, Vitelli entende que a circunstância não afeta as negociações. “Quando se fala em tratados de livre comércio bilaterais, é preciso ter em mente que estamos falando de ações de médio e longo prazo, ou seja, independentemente de eventual troca de governo.” •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1196 DE CARTACAPITAL, EM 23 DE FEVEREIRO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “London calling 

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