Economia
Eles estão errados?
Mais de 20 países pretendem ampliar a oferta de energia nuclear para combater as mudanças climáticas. Eles estão errados?


Os desafios climáticos mudaram a forma como o mundo enxerga a energia nuclear e o Brasil não pode ficar de fora desse movimento. O mundo continua a produzir energia elétrica por meio de combustíveis fósseis, o que representa mais de 42% das emissões mundiais dos gases de efeito estufa, causadores do aquecimento global. Os transportes contribuem com 24% e as indústrias também com 24%, destacando que os porcentuais remanescentes provêm das residências, dos comércios e da agricultura.
A única tecnologia hoje existente e que pode imediatamente e de maneira limpa substituir essa produção poluente é a energia nuclear, que, apesar de não ser renovável, é segura, verde e limpa, pois não produz gases de efeito estufa.
Na COP–28, conferência Mundial do meio ambiente realizada no fim de 2023 em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, mais de 23 países se comprometeram a triplicar a produção da energia nuclear até 2050, para cumprir as metas de descarbonização. Nesta lista estão, dentre outros, EUA, Reino Unido, Canadá, França, Japão, Finlândia, Coreia do Sul, Suécia, Holanda e Hungria.
Por essa razão, a secretária de Recursos Naturais do Canadá, Kim Rudd, o secretário John Kerry, dos Estados Unidos, o diretor-geral da Agência Internacional de Energia, Fatih Birol, o diretor-presidente da Agência Internacional de Energia Atômica, Rafael M. Grossi, dentre outros, afirmaram publicamente que simplesmente não atingiremos a meta de uma economia “net zero” até 2050 sem a energia nuclear. Até mesmo Organizações Não Governamentais ligadas ao meio ambiente, como é o caso da “RePlanet”, reconheceram que “o fim da energia nuclear” na Alemanha foi um desastre do ponto de vista climático, uma vez que é necessário queimar muito mais carvão para compensar a perda das centrais nucleares.
Muitas empresas, com destaque para big techs como Microsoft, Google, Amazon, Oracle e Nvidia, a expoente da Inteligência Artificial, têm investido na retomada dos projetos nucleares como forma de garantir um suprimento constante de eletricidade para seus data centers. E, para financiar tudo isso, grandes bancos estão comprometidos, dentre eles o Abu Dhabi Commercial Bank, Bank of America, Barclays, Brookfield, Citi, Credit Agricole CIB, Goldman Sachs e Morgan Stanley.
Hoje, apenas nos EUA, existem mais de 60 projetos de empresas privadas para a concepção dos novos reatores nucleares modulares. Dentre essas empresas privadas está a Terrapower, cujos donos são Bill Gates e Warren Buffett, e que recentemente iniciou a construção de sua primeira planta nuclear no estado do Wyoming. Aliás, a Microsoft celebrou acordo com a Constellation Energy para reativar a unidade 1 da usina nuclear de Three Mile Island, na Pensilvânia, e para comprar toda a energia produzida pelos próximos 20 anos apenas para abastecer os data centers da empresa.
O Brasil precisa de um novo marco legal, se não quiser perder essa onda
A criação de um novo marco regulatório para o setor nuclear brasileiro é um passo fundamental para o País entrar na vanguarda e poder efetivamente aproveitar essa janela de oportunidades que está se abrindo. Temos a oitava maior reserva de urânio do mundo, com apenas um terço do nosso território prospectado na década de 1970. Ou seja, com o uso de novas tecnologias e com o mapeamento integral do território brasileiro, certamente iremos subir – e muito – nesse ranking. Por isso, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, disse recentemente que pode haver um novo “pré-sal”, em referência às nossas reservas de urânio.
O urânio, após complexo processo de enriquecimento, torna-se um produto de alto valor agregado. Apenas para se ter uma pequena noção, por ano, as usinas Angra 1 e 2 usam cerca de 50 mil quilos de combustível nuclear e gastamos 1,5 bilhão de reais. É fácil, portanto, imaginar o impacto da exportação de combustível nuclear para o mundo em nossa balança comercial, na geração de trabalho, renda, empregos e novas oportunidades.
A energia nuclear, no Brasil, representa quase 2% da matriz elétrica. Nos EUA, esse porcentual chega a 20%. Na Suécia, 30%, e na França, 75%. O Brasil não precisa chegar nesses porcentuais, mas não pode ficar de fora dessa “onda” de desenvolvimento e de oportunidades. Investimentos necessários ao setor giram na casa de bilhões de dólares e o Estado brasileiro tem outras prioridades para seus investimentos, em especial os programas sociais de auxílio à erradicação da pobreza.
Manter o setor nuclear brasileiro dependente somente de recursos públicos significa estagnação diante de um cenário mundial em rápida transformação. A participação das empresas privadas, com regras bem estabelecidas pelo novo marco regulatório, permitirá ao Brasil alavancar rapidamente novos empreendimentos, dinamizando a economia das regiões onde serão instalados, gerando mais investimentos, renda, trabalho, emprego e divisas para o País.
Para que isso aconteça, um novo marco legal precisa ser aprovado, gerando oportunidades para que as empresas privadas, assim como ocorre em diversos outros países, tornem-se a mola propulsora desse setor que “renasce mundialmente”. Não temos mais tempo a perder e as oportunidades estão batendo às nossas portas. •
*Procurador federal, advogado e presidente da Eletronuclear.
Publicado na edição n° 1337 de CartaCapital, em 20 de novembro de 2024.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Eles estão errados?’
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