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A “reforma” trabalhista de Temer alcançou o objetivo de aumentar a margem de lucro do capital

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É preciso começar por dizer que ­não houve uma reforma trabalhista no Brasil. Uma reforma legislativa pres­suporia um profundo, sério e democrático debate a respeito dos problemas relativos ao trabalho, à produção e consumo, com a consequente busca de soluções que priorizassem os interesses sociais, econômicos e humanos, dentro do contexto de um projeto nacional por todos e todas compreendido e assumido enquanto tal.

A Lei 13.467, de 2017, denominada “reforma” trabalhista, foi encomendada pelo poder econômico, tendo em mira, sobretudo, o interesse do capital internacional e, por consequência, de grandes conglomerados supranacionais, visando o aumento de suas margens de lucro por meio da redução do custo da exploração do trabalho e o abandono de quaisquer compromissos sociais. Em sentido mais restrito e técnico, o que se fez foi potencializar o estágio de país colonial e periférico do Brasil no cenário mundial da estruturação produtiva do capital, reforçando sua dependência econômica e política, além de seu papel de fornecedor de mão de obra barata, para, inclusive, o deleite tresloucado de uma pequena elite nacional entreguista, subserviente, elitista, egocêntrica, egoísta, arcaica, dissimulada, racista e oligárquica, mas que adora proferir falas vazias como “liberalismo” e “modernidade”. Inclusive, uma das mais festejadas “inovações” da “reforma” foi o contrato intermitente, que era reconhecido como um grande problema na Europa, em razão da desproteção jurídica completa que gera para o trabalhador e a instabilidade social que dissemina.

Para a aprovação da referida lei, cujo conteúdo é integralmente dedicado aos propósitos mencionados, estabeleceu-se uma aliança dos poderes econômico, político e midiático. Isso possibilitou que, para atingir o objetivo almejado (e há muito perseguido, vale lembrar), se passasse por cima de todos os limites institucionalizados na ordem democrática. As irregularidades do processo legislativo (com duração inconcebível de pouco mais de cinco meses) para a aprovação foi expressamente reconhecida pelo próprio Senado, na sessão de 1º de setembro deste ano, quando se rejeitou, na íntegra, a conversão em lei da MP 1045.

Temer cumpriu o combinado com quem o colocou na cadeira

Não se pode, pois, nunca deixar de consignar a verdadeira história da lei quando se for falar de “reforma” trabalhista. O papel assumido pela grande maioria dos órgãos de imprensa ­neste tema tem sido, precisamente, o de apagar a história, para vender a versão de que a “reforma” trabalhista foi apenas mais uma lei como tantas outras. E mesmo agora que o STF, começando (com bastante atraso, vale dizer) a se pronunciar sobre questões cruciais da “reforma”, declara a inconstitucionalidade de temas específicos, como fez, recentemente, na ADI 5766, referente ao acesso à Justiça, a aliança nacional para a exploração do trabalho faz vistas grossas à realidade.

É muito importante também não se deixar levar pelo imaginário que se criou sobre os propósitos da “reforma”, uma vez que isto nos conduz a um falso debate sobre os quatro anos de vigência. De fato, o que se buscou foi aumentar a margem de lucro das grandes empresas por meio da precarização, da fragilização da organização coletiva dos trabalhadores e da desvalorização jurídica do trabalho, tendo sido apenas uma grande retórica midiática dizer que a “reforma” seria implementada para melhorar a economia nacional e diminuir o desemprego. A partir dessa percepção, é possível, então, dizer que os efeitos pretendidos foram plenamente alcançados (para uma cronologia mais precisa dos efeitos produzidos pela “reforma” vide o texto “Sobre Modernização das Relações de Trabalho”, disponível em https://www.jorgesoutomaior.com/blog/sobre-modernizacao-das-relacoes-de-trabalho-altos-estudos-pacotes-e-o-percurso-consciente-em-direcao-a-barbarie). Resumidamente, de lá para cá, a renda dos trabalhadores só vem diminuindo e o lucro das grandes empresas aumentando, mesmo durante a pandemia E, claro, a concentração de renda e a desigualdade social continuam constituindo a marca da nossa realidade histórica.

Fato é que, quando, diante de uma rea­lidade incontestável que demonstra o aumento do desemprego e da informalidade, além da consequente retração econômica, se propõe a discussão apenas dos motivos pelos quais a “reforma” não gerou empregos e não impulsionou a economia, o que se pretende é, simplesmente, manter o disfarce quanto aos reais objetivos daqueles que nos impuseram, de forma antidemocrática, a “reforma”. E o pior se dá quando, aproveitando-se do falsete de que a economia no Brasil não deslancha em razão dos altos custos da produção, se tenta preconizar a necessidade de novas “reformas” que facilitariam a vida das empresas. A moda agora é a defesa da redução de impostos, indo-se, inclusive, na contramão das iniciativas internacionais que tem se baseado no aumento da taxação de grandes fortunas e no fortalecimento do financiamento e aprimoramento dos serviços públicos.

A precarização do trabalho potencializou os efeitos maléficos da pandemia

É aterrorizante, mesmo depois de se ter implementado, pela “reforma”, todas as experiências de “flexibilização” mundialmente conhecidas, ainda ouvir dizerem que o problema do Brasil são a “velhice” e a rigidez da legislação trabalhista, o alto custo que tais direitos geram para o “coitado” do empregador e a atuação “protetiva” da Justiça do Trabalho (que está longe de corresponder à realidade atual, infelizmente). Por fim, é fundamental ficar bastante atento às discussões em torno da pandemia e seus efeitos. No discurso do disfarce, a Covid-19 é a causa de todos os males econômicos do Brasil, tentando-se fazer crer que tudo estava perfeitamente bem antes, e que tudo retomará seu curso normal depois. Aliás, vale-se dessa falácia para dizer que a eventual persistência de uma situação econômica ruim está, desde já, justificada pela própria pandemia.

Não se pode perder o rastro histórico e, pensando em fatos mais recentes, deve-se, necessariamente, aliar a “reforma” trabalhista à pandemia. A “reforma” trabalhista, atingindo os fins almejados, deixou um legado de piora das condições de trabalho, aumento da informalidade, redução de salários, potencialização do sofrimento, além da destruição da organização sindical e da supressão do acesso à Justiça, que potencializaram os males da pandemia.

CRÉDITOS DA PÁGINA: MARCELO CAMARGO/ABR E MARCOS CORRÊA/PR

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1185 DE CARTACAPITAL, EM 25 DE NOVEMBRO DE 2021.

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