Economia

E não é que o governo federal gosta mesmo de correr perigo?

Pergunto aos agricultores como estão as liberações de recursos para custeio da safra, prestes a ser plantada, e as respostas vêm em termos impublicáveis nesta digna CartaCapital

Há claros sinais de reduções expressivas nos fatores que elevam produção e produtividade
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Depois de colar os lábios ao bico do corvo para derradeiro beijo, não reagir às folhas e telas cotidianas que lhe metem o pau a qualquer nota, ficar pasmo com a queda de popularidade, ver o fisiológico PMDB abandonar o barco, ajustar propina com fiscal que cobra por desemprego conquistado, e acreditar em apoio de banqueiros e do New York Times, ao governo só faltava cortar o pescoço da galinha dos ovos de ouro e fazê-la sangrar até a proibida cabidela.

Não estranharia a ousadia chegar às motos cruzando globos da morte ou cabos de aço esticados entre os três edifícios do Triângulo das Bermudas, no Rio de Janeiro.

Agricultores reclamam, notícias pipocam tensas. Nisto, não adianta ouvir nenhuma das “oficiais”, embora perrengues no período de pré-custeio já indicassem desatenção.

Recorro, assim, a meus correspondentes de agro guerra, do Oiapoque ao Chuí, e pergunto como estão as liberações nos bancos de recursos para custeio da safra, prestes a ser plantada. As respostas vêm em termos impublicáveis nesta digna CartaCapital.

Anunciado em junho, com pompa, pela presidente da República e a ministra da Agricultura, o Plano Safra prometia liberação de R$ 187,7 bilhões, a partir de 1º de julho. Estamos no final de agosto e os financiamentos saem a conta-gotas.

Prezadas senhoras amigas, antes de tudo, descubram a quem cobrar. Levy? Os presidentes dos BB, Caixa, Bradesco e Itaú? Esqueçam o Faustão. Além de expor seu competente corpo de baile, ele nada poderá fazer.

Brincam com o pouco que ainda vai bem na Federação de Corporações. “Abrem-se as cortinas do espetáculo. O tempo passa”, diria o saudoso narrador de bola, Fiori Gigliotti.

Variedades têm época certa de semeadura; o histórico de chuvas deve ser respeitado; compra e entrega de insumos em locais distantes ou de difícil acesso devem ser antecipadas; concentrar é deixar fabricantes e caminhoneiros cobrarem os olhos da cara.

Dona Kátia Abreu, a senhora sabe de tudo isso. Não é uma burocrata alheia ao setor. Espera o quê? Esperneie. Brigue para que os recursos orçamentados e prometidos para as agriculturas empresarial e familiar sejam imediatamente liberados.

Kátia Abreu A ministra Kátia Abreu precisa agir. Créditos: José Cruz/ Agência Brasil

Erram se acreditam a atividade blindada, pois céu de brigadeiro comparado a outros setores.

A disposição dos produtores já não é a mesma de anos recentes. Estão com um pé atrás. Se não recuam o segundo é porque veem no dólar compensação para a queda nas cotações agropecuárias e detêm inato espírito empreendedor.

Têm contra si o aumento nos custos dos insumos convencionais, dolarizados e cartelizados, mas passíveis de substituição ou redução por tecnologias alternativas mais baratas. Mas, assustam-se com as incertezas da política e da economia.

Não é fácil, não. Claro que existem agricultores bons de bola, capazes de plantar, independentes do crédito rural. Usam reservas que bancam a compra antecipada dos fatores ou os crescentes contratos de “barter” (compra de insumos garantida pela entrega do produto agrícola após a colheita).

Não são muitos, entretanto. E mesmo que fossem, seria justo impedir-lhes a opção de se valer de juros subsidiados, ao contrário de outros países, única colher de chá dada aos agricultores brasileiros.  Assim, poupariam reservas, aumentariam áreas, investiriam e aplicariam mais tecnologia.

Não é o que acontece no momento. Há claros sinais de reduções expressivas nos fatores que elevam produção e produtividade.

Com o limite estabelecido para financiamento a taxas de crédito rural, o complemento a juros livres faz as instituições bancárias se tornarem mais burocráticas e exigentes. Pensam muito, mandam voltar 10 vezes, sempre faltará uma assinatura, um aval, uma garantia real, hipoteca de 1º grau.

Perguntados, os bancos negam ser assim. Precavidos, os agricultores, sem pendências passadas, buscam financiamento em diferentes bancos. Tradição e amizade com o gerente conta muito.

À ministra cabe, agora, apagar sua antiga imagem motosserra e consolidar a nova de trator potente.  É sério. Não vai longe nem deve ter saído da memória de banqueiros e fornecedores de insumos a inadimplência que a agricultura traz, quando não lucrativa. É devastador para ela, bancos, empresas e Tesouro.

Bem, em situações assim o que se faz? Bingo! Uma reunião. Kátia chamou bancos e representantes da produção. Objetivo: “identificar gargalos”, o que pode parecer conversa de botequim. Perderão precioso tempo. Esse é um clássico da agricultura quando a economia fraqueja. Sobre ela caem os raios da ortodoxia.

Há quem acredite que o barco ainda navega em águas tranquilas. A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) estima que o Valor Bruto da Produção Agropecuária (VBP) vai crescer 15,6% sobre 2014, para R$ 522,5 bilhões. Nas agricultura e pecuária serão 10% e 24,5% a mais, respectivamente.

O MAPA, discreto, prevê para as 21 mais importantes culturas alta de 0,6%, para R$ 469,7 bilhões.

Minha opinião, querendo estar errado: a continuar assim, vai tudo abaixo, menos a inadimplência depois da colheita. Pode não vir um tsunami, mas marolinha também não será.

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