Economia

‘Drible’ da Eletrobras deve extinguir maior centro de pesquisas em energia da América Latina

Mudanças no estatuto social da estatal põem em risco o futuro do Cepel e descaracterizam a sua função pública

‘Drible’ da Eletrobras deve extinguir maior centro de pesquisas em energia da América Latina
‘Drible’ da Eletrobras deve extinguir maior centro de pesquisas em energia da América Latina
Foto: José Lins/Flickr Eletrobras/Furnas
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Os acionistas da Eletrobras modificaram nesta quinta-feira 28 o estatuto social da empresa. Com as alterações, a estatal fica livre da obrigatoriedade de gerir programas de universalização do acesso à energia elétrica. A ata foi publicada no site da empresa.

As mudanças, confirmadas na põem em risco o futuro do Centro de Pesquisas de Energia Elétrica, o Cepel, uma associação civil sem fins lucrativos que recebe anualmente verbas da Eletrobras para investir em pesquisa e desenvolvimento em energia elétrica.

Com a aprovação das propostas, cai a exigência da holding apoiar “atividades relacionadas com a promoção e incentivo da indústria nacional de materiais e equipamentos destinados ao setor de energia elétrica, por meio da atuação do Cepel”.

Proposta aprovada na Assembleia dos acionistas da empresa

Na avaliação de Luiz Pinguelli Rosa, ex-presidente da Eletrobras e professor de planejamento energético da Coppe/UFRJ, o objetivo maior das alterações é a “privatização da empresa”, que ele classifica como a “sacanagem do século”.

“A decisão é muito ruim”, diz Pinguelli, “pois é mais um passo para que o processo de desastização se concretize”.

O novo estatuto social diverge ainda da proposta de privatização enviada pelo governo do presidente Jair Bolsonaro ao Congresso 2019.

A proposta do Poder Executivo estabelecia que o Cepel continuasse a receber aportes da Eletrobras por pelo menos quatro anos, após concluído o processo de desastização.

“O Cepel só existe porque a Eletrobras põe recursos lá”, explica um ex-integrante da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) sob anonimato.

O relatório anual de 2019, o último disponível para consulta, confirma que o sistema Eletrobras foi responsável por 82% do financiamento da Cepel naquele ano.

Segundo documento da própria Cepel, o ingresso de recursos em 2019 “totalizou R$ 236,7 milhões, sendo R$ 194,2 milhões, ou 82%, correspondente ao aporte dos Associados Fundadores, e os restantes 18% provenientes do aporte dos demais associados (R$ 3,2 milhões), de Projetos de P&D+I e comercialização de produtos e serviços (R$ 34,7 milhões) e de receitas não operacionais (R$ 4,6 milhões).

Fonte: Relatório anual do Cepel

Em conversa com CartaCapital, o vice-presidente da Federação Nacional dos Urbanitários e integrante do Coletivo Nacional dos Eletricitários, Nailor Guimarães Gato, afirmou que pode haver judicialização do caso.

Na quarta-feira 27, o CNE tentou suspender a realização da Assembleia dos acionistas. No entanto, o juiz da 10ª Vara Federal do Rio de Janeiro não atendeu ao pedido, mas destacou que a “eventual alteração no estatuto social poderia ser suspensa após a manifestação da Eletrobras e da União”.

“Entendemos que a decisão é favorável, pois sinaliza a possibilidade de que a alteração – caso aprovada na AGE – não se concretize, e que seja a Eletrobras obrigada a realizar estudo dos impactos que serão causados pela retirada dos programas sociais sob sua responsabilidade”, afirmou a defesa.

Na última semana, em carta enviada a parlamentares, o coletivo, que representa trabalhadores da área de produção e distribuição de energia no País, contestou as propostas de mudanças.

“Estas alterações no estatuto descaracterizam a função pública da Eletrobras, antes mesmo que o projeto de privatização tenha sido discutido pelo Congresso. Aparentemente, trata-se de um atalho para uma ‘privatização’, sem o necessário aval do Congresso Nacional, como já assinalou o Supremo Tribunal Federal”, diz o documento.

“O novo estatuto da holding trata a empresa como se já estivesse sob administração privada. A drástica redução de investimentos em pesquisas no Brasil afeta a todos. Os produtos com maior valor agregado são aqueles industrializados e tecnológicos. Sabemos que os países mais desenvolvidos são os que investem em pesquisa, tecnologia e inovação, como os Estados Unidos – laboratórios norte-americanos da área de energia chegam a receber recursos do governo de até mais de 80% de seus orçamentos”, acrescentou o coletivo.

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