Economia
Destinos turísticos criam facilidades para atrair os nômades digitais
Os esquemas funcionam de forma parecida: os trabalhadores pagam para se inscrever e obtêm o direito de permanecer no país, enquanto trabalham para uma empresa sediada em outro lugar


A pandemia nos trancou, mas ao mesmo tempo libertou muitos trabalhadores do escritório. Surgiu uma nova geração de nômades digitais – pessoas que pegaram seus laptops, embarcaram em aviões e se estabeleceram em alguns dos lugares mais bonitos do mundo. E com elas surgiram esquemas para facilitar sua permanência por vários meses.
Barbados foi um dos primeiros países a formalizar acordos, com seu “selo de boas-vindas”, lançado em junho de 2020. Para se qualificar, os trabalhadores devem ganhar mais de 50 mil dólares (257 mil reais) durante os 12 meses em que estiverem no país e pagar 2 mil dólares (pouco mais de 10 mil reais) pela inscrição. Eles não estarão sujeitos ao Imposto de Renda.
Em junho do ano passado, Malta lançou um visto de residência nômade, com o qual os trabalhadores podem morar no país desde que ganhem 2.700 euros (15,2 mil reais) por mês. Os candidatos pagam 300 euros (1,7 mil reais) cada, mais o mesmo valor por dependente. A Islândia opera um visto de longo prazo para trabalhadores remotos desde outubro de 2020, e as Bermudas têm um novo “Certificado de Trabalho das Bermudas”. Espanha e Sri Lanka têm planos de seguir o exemplo.
Os esquemas funcionam de forma parecida: os trabalhadores pagam para se inscrever e obtêm o direito de permanecer no país, enquanto trabalham para uma empresa sediada em outro lugar. Os vistos duram um ano, o que em geral pode ser prorrogado quando o prazo terminar. Depois de ter um, você pode alugar um imóvel e viajar dentro e fora do país. Há, porém, coisas a considerar antes de fazer as malas. “Ser um nômade digital pode funcionar, mas raramente é tão simples quanto as pessoas imaginam”, diz Lee McIntyre-Hamilton, da Keystone Law, especializada em mobilidade global. “A obtenção do visto é só o início do processo.”
O desenvolvedor de software Alex Lilburn mudou-se do Reino Unido para Barbados em janeiro de 2021, depois de fazer seu pedido do selo de boas-vindas. “Vi um artigo na BBC que dizia algo como: ‘Trabalhando remotamente? Você poderia estar trabalhando no paraíso’”, diz ele. O artigo mencionava Barbados, então ele começou a analisar os aspectos práticos. “Já trabalhava em casa antes, mas de repente não havia mais a expectativa dos clientes de que iríamos aparecer uma vez por mês. Falei com os meus empregadores. Eles deram muito apoio e disseram que, se não houvesse implicações fiscais, ajudariam a fazer isso acontecer.”
Se você está empregado, pode ser contratualmente obrigado a trabalhar onde seu empregador diz, e estar no exterior talvez não seja uma opção. A mudança pode gerar obrigações para a sua empresa, diz McIntyre-Hamilton, como o pagamento de contribuições previdenciárias no novo país. “Se um cidadão do Reino Unido e funcionário de uma empresa britânica fosse morar e trabalhar na Espanha indefinidamente, eles imediatamente acionariam a obrigação de seu empregador no Reino Unido se registrar como empregador estrangeiro e operar uma folha de pagamento por lá”, explica. Sua presença também pode levar a uma presença corporativa da empresa no exterior e, com ela, a cobrança de impostos corporativos.
Não é algo, portanto, para ser feito sem consultar o empregador. É mais simples se você trabalha por conta própria, mas deve conversar com seus clientes, diz McIntyre-Hamilton, pois em alguns casos os contratados podem ser considerados funcionários sob regras diferentes no novo país.
Barbados, Malta, Bermudas e outros paraísos estendem o tapete para os estrangeiros em trabalho remoto
Barbados oferece uma taxa de Imposto de Renda zero para quem tem o selo de boas-vindas, mas você pagará IVA sobre bens e serviços. Lilburn é pago por seu empregador no Reino Unido e desconta Imposto de Renda e seguro nacional como se ainda estivesse trabalhando em casa. Em geral, as regras fiscais em torno da residência são complexas, especialmente se você estiver viajando por um curto período.
Você também pode estar sujeito a impostos no país em que está hospedado – levando à possibilidade de ser tributado duas vezes, embora haja isenções onde houver um tratado de dupla tributação. “Vi alguns exemplos de nômades digitais se mudando de país para país na expectativa de que isso evite causar problemas. Geralmente, essa suposição é incorreta”, comenta McIntyre-Hamilton.
Lilburn não tem intenção de se mudar. O local é ótimo em termos de trabalho, diz ele: atualmente, a diferença de horário é de quatro horas e ele tem reuniões pela manhã quando seus colegas do Reino Unido estão em suas mesas, depois faz seu trabalho de codificação à tarde. Recentemente, renovou seu selo de boas-vindas por mais um ano, um pouco mais barato que o pedido original, de 1,5 mil dólares, e diz que não vê razão para não fazer o mesmo no próximo ano. “Vim para Barbados pela paisagem e pelo clima, mas vou ficar pelas pessoas – sejam outros nômades, que estão na mesma fase da vida, ou os bajans que conheci, que foram tão amigáveis.”
Lauren Anders Brown é uma documentarista que estava visitando seu parceiro nas Bermudas, em março de 2020, quando a pandemia começou. Ela acabou ficando e, naquele verão, solicitou o visto de nômade digital da ilha. “Custou 285 dólares para me inscrever, mas foi simples”, diz ela. “Você tem de provar que sua empresa no exterior lhe paga em uma conta bancária, que você quita seus impostos e que tem seguro-saúde.”
Brown trabalha por conta própria na Collaborate: Ideas & Images, no Reino Unido. Recebe em contas no Reino Unido e nos EUA, de onde ela é originalmente, e usa contadores para garantir que pagou corretamente o imposto. Seu parceiro é médico e solicitou um visto de trabalho tradicional.
“Foi muito mais fácil para mim, porque o visto de nômade digital é um novo tipo de lei de imigração.” Não residentes não estão autorizados a dirigir, mas sob esse esquema ela pode. Ela também conseguiu alugar um imóvel para morar, enquanto ele ainda obtinha o visto. A única desvantagem das Bermudas são os preços. O visto dura um ano e Brown o renovou. “A água é muito azul, eles gostam de cães, realmente combina com a gente.” •
Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves.
PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1204 DE CARTACAPITAL, EM 20 DE ABRIL DE 2022.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Escritório na praia”
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